Jogo atrelado a outras estratégias traz benefícios na reabilitação de usuários de crack e cocaína
Uma recente alternativa surgiu no tratamento de dependentes de crack e cocaína, comprovadamente duas das cinco drogas mais viciantes e perigosas do mundo. Em pesquisa ovacionada, a psicóloga Priscila Dib Gonçalves conduziu um estudo que se propôs a explorar as possibilidades de estimulação de algumas das atividades mais importantes do nosso cérebro através do jogo de xadrez. “A dependência de cocaína e crack envolve prejuízos em funções cognitivas como atenção, pensamento e planejamento do comportamento”, conta a pesquisadora. Ela explica que a maioria dos métodos e intervenções psicossociais ainda apresentam efeitos moderados no processo de recuperação dos usuários e por isso novas estratégias de reabilitação ainda são necessárias. “O tratamento da dependência de substâncias é complexo e multiprofissional. Até o presente momento há a escassez de tratamentos farmacológicos ‘padrão ouro’ para esta população”.
Logo quando iniciou o curso de psicologia em 2003, Priscila já possuía interesse na área de saúde mental e focou-se nisso no trabalho. Durante seu aperfeiçoamento em neuropsicologia no Instituto de Psiquiatria (IPq), Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC/FMUSP), conheceu o professor Paulo J. Cunha, com quem compartilhou o interesse em realizar um trabalho científico com dependentes de substâncias e estimulação cognitiva. “Inicialmente, nossas discussões eram voltada para qual atividade seria a mais indicada para promover isso, assim começamos a pesquisar mais sobre o jogo de xadrez.”, conta.
As pesquisas dos dois mostraram que a atividade, que já havia sido utilizada com pacientes psiquiátricos, promovia ativação de áreas frontais, associadas a funções cognitivas superiores. Eles ainda adicionaram técnicas de entrevista motivacional para ensinar os pacientes a usar os aprendizados das partidas na vida prática diária. “Era quase como uma ginástica cerebral”, compara. O projeto foi apresentado ao professor Arthur Guerra de Andrade e recebeu apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)e também ao professor Geraldo Busatto e recebeu apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Técnológico (CNPq) para investigar as regiões cerebrais ativadas durante a reabilitação por meio de exames de ressonância magnética.
Priscila esclarece que o objetivo do projeto não era estimular de forma alguma a competitividade, o perder ou ganhar, mas sim reduzir a impulsividade dos pacientes, que no jogo aprendiam a mensurar estratégias e antecipar consequências. “A maioria dos pacientes aderiu ao Xadrez Motivacional”, diz. “Inicialmente alguns eram mais resistentes, mas ao longo das sessões expressaram maior motivação para participar da atividade, e outros relataram continuar jogando xadrez mesmo após a pesquisa.”
No total, foram 72 usuários internados, avaliados e acompanhados na enfermaria do comportamento impulsivo do Instituto de Psiquiatria da USP (IPq). Os participantes apresentavam as características sociais, clinicas e perfil de uso de drogas semelhantes. Os resultados foram medidos através de uma série de atividades (conhecidas como testes neuropsicológicos) para entender como estavam a atenção, o planejamento, a organização, a linguagem e o pensamento, aplicados em ambos os grupos antes e depois de 10 sessões.
Os resultados da pesquisa foram esperançosos e comprovaram a estimulação das áreas desejadas. “O Xadrez Motivacional causa um impacto positivo no tratamento, uma vez que prejuízos nas habilidades cognitivas estão associadas a piora do prognóstico”, relata a pesquisadora. “Essa ginástica cerebral nos pacientes melhora a concentração e a capacidade de organizar as informações na mente, fatores essenciais para obterem benefícios na vida real e no combate à dependência”.