O Observatório Covid-19 Fiocruz promoveu, nesta quinta-feira (2/6), o webinar A pandemia de Covid-19 no Brasil – balanços e desafios. O evento integrou as comemorações pelos 122 anos da Fiocruz, completados no último dia 25, e reuniu pesquisadores para debater a situação da pandemia. O encontro abordou questões como a gestão da saúde, a vigilância, a assistência, situações envolvendo populações em favelas e povos indígenas, os trabalhadores da saúde, a comunicação e a informação durante a pandemia, apresentando os esforços da Fiocruz e das instituições públicas no enfrentamento da emergência sanitária.
Presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima abriu o webinar lembrando que a Fundação atuou em diversas frentes e que essa visão abrangente e transdisciplinar foi extremamente enriquecedora e deve servir de modelo para outras emergências que venham a surgir. Para a pesquisadora Margareth Dalcolmo, a chamada Covid longa é atualmente o maior desafio a ser enfrentado pelos profissionais da saúde.
“O Observatório Covid-19 contribuiu fortemente no conjunto das ações da Fiocruz, oferecendo análises de qualidade à sociedade e mantendo com esta uma relação de transparência na comunicação científica, assim como nossas redes de pesquisa clínica, assistência, educação, estudos sobre vacinas, ciências sociais e outras”, comentou a presidente da Fiocruz. Nísia observou que o desenvolvimento de produtos como a vacina contra a Covid-19 foi fruto de maciços investimentos. “Não foi exatamente em tempo recorde, como comumente se diz. A vacina é resultado de uma história de investimentos em pesquisa visando incorporar novas tecnologias, que salvam vidas, ao âmbito dos sistemas de saúde”.
Em seguida, o mediador do webinar, o pesquisador e coordenador do Observatório Covid-19 Fiocruz, Carlos Machado, disse que o grupo, formado por cientistas de áreas diversas, foi idealizado em março de 2020 e logo no mês seguinte já estava produzindo informação e tornando-a disponível à sociedade. “No total foram publicados cerca de 400 documentos, entre notas técnicas, boletins, cartilhas e informativos. E foram realizados mais de 80 eventos científicos”. Machado ressaltou que “não é possível enfrentar emergências sem comunicação com a sociedade”.
A pneumologista Margareth Dalcolmo interveio a seguir. Ela afirmou que a Fiocruz assumiu o protagonismo de informar e dar tanto as boas quanto as más notícias durante estes mais de dois anos de pandemia. Para a pesquisadora, o maior desafio médico a ser enfrentado pelos profissionais de saúde é o da chamada Covid longa, que podem persistir por muito tempo. Ela disse ter conhecimento de pacientes que não recuperam plenamente as suas capacidades respiratórias e que assim têm grandes dificuldades de voltar às suas rotinas de antes da doença, incluindo, evidentemente, as tarefas profissionais.
Margareth também lembrou que há pessoas com sequelas motoras, cardiovasculares, psiquiátricas e psicológicas, tamanho o impacto de dor, perdas e sofrimentos pelos quais passaram. Essa recuperação, acrescentou a pesquisadora, precisará ser feita por meio de uma atuação transdisciplinar, que leve em conta todas as consequências da Covid-19 na vida de cada paciente. Ela também alertou para o fato de que o Brasil necessita urgentemente se preparar para as próximas pandemias, já que, segundo Margareth, “esta não será a última epidemia de nossas vidas. Eu não tenho medo de uma guerra nuclear. Tenho medo de uma pandemia que extermine a vida no planeta. O Brasil precisa de mais equipamentos de proteção individual, de profissionais qualificados e bem treinados e de muito mais investimento em saúde e ciência”.
Margareth, que saudou o reconhecimento, por parte da sociedade, que as instituições públicas da saúde e os pesquisadores brasileiros obtiveram com a pandemia, disse esperar que o novo voluntariado que surgiu permaneça e se fortaleça. “Torço para que projetos como o Todos pela Saúde e o Unidos pela Saúde, que contaram com o apoio da iniciativa privada, tenham criado um embrião”. A pesquisadora citou ainda que nesta quinta-feira (2/6) comemora-se o Dia Mundial do Pneumologista.
O pesquisador Fernando Bozza, do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz), detalhou as intervenções feitas em favelas do Rio de Janeiro para o controle da pandemia. Ele disse que a pandemia acentuou iniquidades, afetando principalmente indivíduos e populações vulneráveis. Diante disso, como dar respostas a essa população? Ele citou iniciativas da Fiocruz, como o Conexão Saúde – De Olho na Covid, Vacina Maré e o Coortes da Maré.
“O Conexão Saúde representa um modelo integrado e participativo, de atenção e vigilância em saúde para o enfrentamento da pandemia. O projeto, uma parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, Redes da Maré, Conselho Comunitário de Manguinhos, Dados do Bem, SAS Brasil, União Rio e Fiocruz, ofereceu testes rápidos e gratuitos para o diagnóstico da Covid-19 e disponibilizou o atendimento dos sintomáticos por telemedicina”. O projeto também ofereceu apoio para isolamento seguro de pessoas com Covid-19 e promoveu ações de comunicação e articulação no território e produziu boletins.
De acordo com Bozza, o número de casos de Covid-19 notificados por semana aumentou 26% na Maré após o início da intervenção. E o projeto reduziu em 53% a mortalidade por Covid-19 comunidade. E a cobertura vacinal, segundo ele, chegou a 91%, uma das maiores do mundo. “A intervenção foi efetiva em aumentar a detecção de casos e reduzir o número de mortes e contou com alta adesão da população, a partir de estratégias efetivas de comunicação e engajamento”, comentou o pesquisador.
A pesquisadora Ana Lucia Pontes, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), abordou as vulnerabilidades e estratégias de enfrentamento da pandemia. Ela fez um histórico da trajetória do campo da saúde indígena na Fiocruz desde que o então presidente da Fiocruz, Sergio Arouca, participou da 1ª Conferência Nacional de Proteção e Saúde do Índio, em 1986, até os dias de hoje. Ana Lucia discorreu sobre a organização de barreiras sanitárias e ações de isolamento voluntário, as campanhas para distribuição de alimentos e outros insumos, a produção de materiais educativos, a valorização e retomada da produção, nos territórios indígenas, alimentos e medicinas tradicionais e traçou uma linha do tempo da pandemia entre os povos indígenas. Apesar dos avanços da mobilização, ainda há muito a ser feito. “A cobertura vacinal entre crianças é baixa, de cerca de 20%. Contando toda a população, o índice chega a 70%, inferior ao total nacional”.
A intervenção da pesquisadora Maria Helena Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), tratou da situação dos profissionais de saúde na pandemia. Ela afirmou que embora o SUS seja tido como um patrimônio do país, os seus trabalhadores não são vistos dessa maneira. “Esses trabalhadores estão desamparados, o que é inaceitável. Uma situação que já existia antes da pandemia e que com ela se agravou. Houve um crescimento expressivo da precarização do trabalho, com salários baixos, falta de estrutura e de equipamentos, equipes muito reduzidas e excesso de trabalho. Cerca de 25% desses profissionais têm comorbidades, o que os deixa ainda mais vulneráveis. E grande parte tem dupla ou tripla jornada de trabalho. Eles estão numa pré-cidadania profissional”.
Maria Helena disse que é urgente a construção de uma agenda positiva que inclua os direitos trabalhistas e previdenciários. “É fundamental recompor a força de trabalho e estabelecer um piso salarial, além de reconhecer a carreira do SUS”, ressaltou.
Intervindo em seguida, o infectologista Julio Croda disse que o apagão de dados que afetou o acompanhamento dos números da pandemia foi de certa forma mitigado pelo bom trabalho feito pelo Observatório Covid-19 Fiocruz. “O Observatório cumpriu bem esse papel e se tornou uma referência para a sociedade e para a imprensa, que passou a consumir os boletins publicados regularmente pelo grupo”. Croda, que teve uma rápida passagem pelo Ministério da Saúde, avaliou que faltou uma melhor coordenação dos entes governamentais na condução do enfrentamento da pandemia. “A comunicação foi inadequada e a articulação com estados e municípios poderia ter sido muito melhor e mais eficiente. Infelizmente criou-se uma falsa dicotomia entre saúde e economia, o que ajudou a levar o Brasil a figurar entre os cinco países com excesso de óbitos”.
O infectologista, no entanto, disse que instituições como a Fiocruz e o Butantan cumpriram muito bem o seu papel e precisam continuar na liderança das respostas às emergências sanitárias. “No futuro teremos uma Covid-19 com menor letalidade. Mas é importante aprender com as lições desta pandemia, para que as respostas que serão dadas à frente sejam mais assertivas”.