Vida do sanitarista Sérgio Arouca é tema de livro

Este ano, o Sistema Único de Saúde (SUS) completa 20 anos de existência. Entre as atividades realizadas no país para marcar a data, uma parceria entre o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) resultou no livro Arouca, meu irmão – uma trajetória a favor da saúde coletiva. A publicação, editada com apoio do programa de Auxílio à Editoração (APQ3) da FAPERJ, narra a vida do médico sanitarista Sergio Arouca (1941-2003), um dos principais idealizadores do SUS. Para celebrar o lançamento do livro, um evento será realizado nesta sexta-feira, 14 de agosto, às 11h, na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp, Rua Leopoldo Bulhões, 1.480, Manguinhos, RJ, Rio de Janeiro) com a presença do ministro da Saúde, José Gomes Temporão; do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha; do presidente da Ensp, Antonio Ivo de Carvalho; da reitora da UniRio, Malvina Tuttman; do diretor científico da FAPERJ, Jerson Lima, e diversas outras autoridades nacionais, estaduais e municipais, além de professores e funcionários da Fiocruz. Na ocasião, será projetado um vídeo inédito sobre a trajetória de Sergio Arouca, editado por Helena Rego Monteiro e Pedro Sol.

Publicado pela Editora ContraCapa, o livro é resultado de quatro anos de pesquisas do “Projeto Memória e Patrimônio da Saúde Pública no Brasil: a Trajetória de Sérgio Arouca”, coordenado pela antropóloga Regina Abreu (do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UniRio) e pelo médico sanitarista Guilherme Franco Netto (do Ministério da Saúde). Com recursos do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a publicação apresenta ainda textos de Helena Rego Monteiro, Fabrício Pereira da Silva e Sergio Lamarão, que trabalharam como pesquisadores do projeto.

Segundo Guilherme Franco Netto e Regina Abreu, o livro serve também para mostrar que nas atuais políticas de saúde do País, as propostas e bandeiras de luta do movimento sanitarista brasileiro continuam vivas. Neste ponto, Franco Netto recorda a primeira vez que teve contato com a Arouca, em 1976, durante a 28ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), no campus da Universidade de Brasília (UnB). “Na época, eu ainda era militante do movimento estudantil secundarista e, ao assistir a palestra ‘Saúde e Democracia’, ministrada por ele, fiquei bastante impressionado. Aquela apresentação se tornou um marco na campanha pela democracia no meio acadêmico e político”, explica Netto.

A história narrada no livro vai sendo contada por meio de mais de sessenta depoimentos de familiares, amigos, colegas de trabalho, políticos e pessoas que conviveram com o sanitarista nas mais variadas áreas. Guilherme Franco Netto e Regina Abreu destacam entre as principais características de Arouca, o perfil agregador e a forte liderança no combate à ditadura nos anos de 1970 e a implantação de uma gestão democrática e de inclusão social na saúde nos anos de 1980 e 1990.  “Neste ponto, vale destacar o texto da Constituição Federal de 1988, em que o sanitarista foi responsável por cunhar o capítulo dedicado à saúde pública e criou a célebre frase: Saúde é um direito de todos e um dever do Estado”, recorda a antropóloga Regina Abreu.

Entre os inúmeros depoimentos do livro, chama a atenção o de José Gomes Temporão, companheiro de militância e atual ministro da Saúde – que assina o prefácio da publicação, uma carta aberta ao personagem biografado, que conheceu recém-formado em Medicina. O ministro lembra que Arouca gostava de agregar diferentes pessoas nos espaços em que circulava para criar uma atmosfera heterogênea. “Então, sua capacidade de trabalhar com o conflito. Isso é uma qualidade rara…a vida toda ele teve essa capacidade. E isso é incrível, isso é um dom de você juntar diferenças em cima de um projeto consistente, de dar uma direcionalidade”, destaca Temporão.

Um militante político a favor da saúde coletiva

Segundo os autores do livro, Sergio Arouca pode ser descrito como um militante que tomou a saúde coletiva como a principal causa de seu ativismo político. Articulado com um grupo de sanitaristas, dedicou-se a trabalhar pela inclusão da população brasileira no atendimento básico de saúde pública, que até os anos de 1980 estava voltado exclusivamente para aqueles que tinham inscrição no antigo Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social) – ou seja, trabalhadores com carteira assinada – e que teve papel destacado na instituição e estruturação do SUS, nos anos de 1990. “Seu pensamento e ação política foram determinantes nos principais acontecimentos relativos a este processo, iniciado por sua produção e atividade acadêmica, notadamente a obtenção do título de doutor com a tese ‘O dilema preventivista’, cujos fundamentos são ainda hoje referências no campo da saúde”, explica Regina.

Como militante partidário, Sergio Arouca foi filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e posteriormente ao Partido Popular Socialista (PPS), exercendo os mandatos de deputado federal, além de ocupar os cargos de secretário estadual e municipal de Saúde. “Mas foi como presidente da Fiocruz, no fim dos anos de 1980, que Arouca revelou-se mais do que médico ou político, o administrador público eficiente”, explica Regina. Como presidente da Fiocruz, foi responsável pela revitalização da instituição como modelo em desenvolvimento de pesquisas e a redemocratização da instituição com medidas, como reintegração ao quadro funcional de cientistas cassados pela ditadura militar, redefinição do papel da Associação de Funcionários, que virou um espaço de discussão e representatividade dos trabalhadores, que ganharam uma entidade de previdência privada para suplementar os benefícios concedidos pela Previdência Social (FioPrev), um plano de assistência médica (Fio-Saúde), além de maior preocupação com seu bem-estar no trabalho (Fiocruz Saudável).

Segundo Crescêncio Antunes, ex-secretário de gestão participativa do Ministério da Saúde,“Arouca era a própria imagem da ativação da cidadania. Quem conviveu de perto com ele sabe que ele acreditava realmente que nada se construía sem a mais ampla participação possível”. Uma das consequências desta imagem é a 8ª Conferência Nacional de Saúde. “Até então, a sociedade, os usuários da saúde, não tinha voz neste espaço. Com o sanitarista na organização do evento, que pela primeira vez a conferência passou a contar com ampla participação dos usuários dos serviços de saúde”, recorda Regina.

O último importante trabalho da trajetória de Arouca foi sua participação na Secretaria de Gestão Participativa do Ministério da Saúde, durante o primeiro governo Lula. Ali, antes de falecer, em 2003, ele implantou as bases para o que mais tarde ficou conhecido como ‘gestão participativa’. “O modelo idealizado pelo sanitarista propõe a participação ativa de usuários e dos funcionários no fórum de reflexões e decisões políticas das instituições públicas e vem sendo uma referência no campo da saúde nos dias de hoje”, explica a antropóloga. Ela acrescenta ainda que hoje, a importância do sanitarista está ao lado dois maiores símbolos no campo da saúde no Brasil, como Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. “Inclusive, a Fiocruz edificou uma estátua em sua homenagem, em que ele está com uma das mãos estendida para o alto, chamando cada um de nós a participar do movimento da saúde coletiva, a se agregar, a se tornar mais um na crença, na profissão de fé, na luta por um mundo mais digno e por melhores condições de vida e de saúde para a população brasileira”, conclui.

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