Publicado em fevereiro 25, 2013 por admin
As chuvas têm castigado o país e as enchentes já atingiram milhares de pessoas em estados como Santa Catarina, Minas Gerais, Maranhão e Piauí. A situação é grave não só devido ao grande número de desabrigados, mas também porque traz à tona o debate sobre mudanças climáticas e uma série de questões de saúde pública, como as doenças que tendem a aumentar em época de inundações. A mais comentada talvez seja a leptospirose, transmitida pela urina de ratos. Muitas outras doenças, porém, estão relacionadas à água e podem ocorrer em caso de enchente. "As mais frequentes e comuns são as diarreias, hepatite A, febres entéricas e leptospirose. Após as enchentes, mais tarde, também a dengue", afirma o engenheiro sanitarista Odir Clécio da Cruz Roque, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). O primeiro passo para combater essas doenças é conhecer os agentes causadores, os sintomas, as formas de transmissão e de prevenção. Na tarefa de contribuir para o controle de doenças relacionadas à água e, sobretudo, aquelas mais comuns após as enchentes, a população brasileira conta com a Fiocruz, onde não faltam projetos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção em saúde pública em áreas relacionadas ao tema. Destaque para a leptospirose Febre, dor de cabeça e dores no corpo, principalmente na panturrilha: se a pessoa apresentar estes sintomas alguns dias após ter entrado em contato com águas de enchente, esgotos, terrenos baldios, lagoas ou rios contaminados, ela pode estar com leptospirose. Apesar de curável, a doença é grave. Por isso, em caso de suspeita, é necessário procurar um médico imediatamente. Vômitos, diarreia, tosse e, nos casos mais graves, pele e olhos amarelados também estão entre os possíveis sintomas da doença, que ocorre, principalmente, nos meses chuvosos e nas áreas metropolitanas. A leptospirose é transmitida ao homem, sobretudo, durante as inundações, quando a urina de ratos, presente em esgotos e bueiros, mistura-se às águas de enchente. Ao entrar em contato com essas águas, a pessoa contrai a bactéria Leptospira, que penetra no corpo pela pele, especialmente por ferimentos. Para se prevenir, o conselho número um é evitar o contato com as águas de enchente. Obras de saneamento básico e melhorias nas habitações também estão entre as medidas de prevenção. Pesquisa da Fiocruz Bahia realizada no bairro de Pau da Lima, em Salvador, mostrou que quem residia a menos de 20 metros de esgotos a céu aberto e em áreas propensas a alagamentos tinha um risco 42% maior de ser infectado pela Leptospira. Para quem morava a menos de 20 metros de um local de acúmulo de lixo, esse risco era 43% maior. O estudo revelou ainda que, para cada acréscimo de um dólar na renda familiar diária per capita, a chance de infecção diminuía 11%, deixando evidentes as correlações entre a leptospirose, as condições de moradia e saneamento e o acesso à renda. O controle de roedores, que também faz parte da prevenção à doença, requer cuidado. O Ministério da Saúde orienta que o uso de venenos raticidas deve ser feito por técnicos capacitados. Para eliminar a bactéria Leptospira, recomenda-se o uso de hipoclorito de sódio (água sanitária): um litro do produto para cada mil litros de água do reservatório. Já para a limpeza de locais e objetos contaminados durante a enchente, deve-se diluir um copo de hipoclorito de sódio em um balde com 20 litros de água. Os dados da doença no país em 2008 chamam atenção para uma questão importante: enquanto o Sul teve o maior número de casos (920 entre os 2.518 notificados), os óbitos estiveram concentrados no Sudeste, que teve 116 dos 272 casos fatais. Colaboração junto à OMS O Laboratório de Referência Nacional para Leptospirose, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), tornou-se, no ano passado, o quarto laboratório do mundo a receber a designação de Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para esta doença. Assim, a Fiocruz assumiu uma série de responsabilidades perante a OMS e passou a atuar em uma esfera mais ampla em termos de cooperação internacional na área. "Firmamos o compromisso de oferecer apoio técnico e científico para a OMS em situações epidêmicas e em todas as questões relacionadas à doença, além de investir no desenvolvimento de outros centros de pesquisa, na multiplicação do conhecimento sobre a leptospirose e na formação profissional", explica a pesquisadora Martha Pereira, chefe do Laboratório do IOC e diretora do Centro Colaborador da OMS para Leptospirose, que já participou de missões do órgão em países como República Dominicana e Nicarágua. Também na Fundação, por meio do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos/Fiocruz), são produzidos kits para diagnóstico da doença, fornecidos ao Ministério da Saúde. Os kits são produzidos a partir de metodologia Elisa. Em contrato com a empresa Chembio Diagnostics, Biomanguinhos assinou a transferência de tecnologia para produção de um kit rápido de diagnóstico com base na tecnologia conhecida como DPP (dual path plataform), que permite o resultado em poucos minutos e sensibilidade maior em relação a outras metodologias. Além disso, ele pode ser adotado para teste em diversos fluidos corporais. O procedimento é simples para o usuário: o teste consiste numa cartela onde é depositada pequena quantidade do material a ser analisado e o próprio dispositivo indica o resultado, num sistema semelhante ao adotado em testes de gravidez. O processo de transferência de tecnologia iniciado em 2007 ainda está em curso e a previsão é que a Fiocruz produzirá entre 70 e 100 mil testes por ano. Ao mesmo tempo, a Fiocruz trabalha para colocar à disposição do Ministério da Saúde um produto estratégico para diagnóstico rápido da leptospirose usando tecnologia própria. Pesquisadores da Fiocruz Bahia, em parceria com Biomanguinhos e a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, desenvolveram a metodologia inovadora. "Este é um teste que vai ajudar a salvar vidas, representando uma ferramenta importantíssima para o médico identificar a doença ainda no seu início, antes da progressão para formas severas", destaca um dos coordenadores do projeto, o pesquisador Mitermayer Galvão dos Reis, diretor da Fiocruz Bahia. O desenvolvimento do teste foi possível porque a equipe de pesquisadores identificou o componente da bactéria Leptospira que estimula a produção de anticorpos pelo paciente. Na etapa atual, a Fiocruz Bahia e Biomanguinhos trabalham conjuntamente para o desenvolvimento e obtenção das proteínas recombinantes que são objeto de duas patentes da Fundação e que servirão como base para o teste. "Em breve, avançaremos para uma fase de avaliação e validação do kit, que será realizada de forma compartilhada envolvendo a Fiocruz Bahia, Biomanguinhos e outras instituições de excelência do país, com apoio do Ministério da Saúde", observa Antonio Ferreira, gerente do Programa de Reativos para Diagnóstico de Biomanguinhos. O pesquisador da Fiocruz Bahia Albert Ko, coordenador científico do projeto, conta que em seguida será realizada a avaliação clínica do desempenho do kit, que antecede a obtenção de registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "O teste terá formato similar ao de um cartão de crédito e o resultado sairá em até 15 minutos", antecipa.
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