Vacinação de adolescentes começa pelos mais vulneráveis: entenda

Enquanto uma boa porcentagem da população brasileira adulta já tomou ao menos a primeira dose da vacina contra a covid-19, parte da atenção dos gestores públicos se volta agora aos mais jovens.

Desde o final de agosto, algumas cidades brasileiras anunciaram novos calendários e passaram a oferecer o imunizante para a faixa etária que vai dos 12 aos 17 anos.

Esse público também já integra há alguns meses as campanhas de outros países, como Estados Unidos, Israel, China, Reino Unido e Chile.

Embora os adolescentes não estejam entre os mais afetados pela infecção com o coronavírus, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que levar essa proteção a eles é um passo natural, ainda que seja mais urgente e prioritário garantir a segunda dose aos adultos e dar uma terceira aos grupos vulneráveis.

Qual o tipo de imunizante? E como fica o intervalo entre as doses?

Por ora, a única vacina autorizada no Brasil para indivíduos de 12 a 18 anos é a Comirnaty, das farmacêuticas Pfizer e BioNTech.

O laboratório chinês Sinovac e o Instituto Butantan, de São Paulo, até submeteram um pedido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que a CoronaVac também ganhasse essa aprovação para uso nos mais jovens (de 3 a 17 anos), mas ainda não houve liberação das autoridades sanitárias brasileiras.

Os técnicos da Anvisa consideraram que esse imunizante ainda não tem evidências suficientes para ser usado em crianças e adolescentes. Eles requisitaram mais informações e estudos antes de realizar uma nova análise do pedido.

Em outros países, como os Estados Unidos, o produto da farmacêutica Moderna também é usado nesse público, mas ele não está disponível em nosso país.

Vale destacar ainda que o esquema de duas doses da Comirnaty permanece igual para os adolescentes.

O médico Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que, mesmo entre pessoas com menos de 18 anos, é preciso criar critérios e dar prioridade a alguns grupos.

“Os jovens com fatores de risco para covid-19, como doenças cardíacas, diabetes e as gestantes já deveriam, inclusive, estar vacinados há algum tempo”, diz.

Essa política de iniciar a campanha entre os menores de 18 anos por alguns grupos (como portadores de comorbidades e grávidas) já foi adotada por cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro.

A única vacina contra a covid-19 liberada no Brasil para indivíduos de 12 a 17 anos é a Comirnaty, de Pfizer e BioNTech

Na sequência, “o caminho natural”, avalia Kfouri, é oferecer as doses aos demais adolescentes.

Apesar da campanha estar relativamente adiantada em um município ou outro, existem algumas incertezas sobre o intervalo entre as aplicações.

Até agosto, o Ministério da Saúde preconizava uma espera de 90 dias para completar a vacinação com o produto de Pfizer e BioNTech.

Mas representantes do Governo Federal já admitiram que esse tempo pode cair para 21 dias em breve (como, aliás, é a orientação original das fabricantes).

Na dúvida, o melhor a ser feito é seguir as orientações escritas no seu cartão de vacinação e voltar ao posto de saúde mais próximo de sua casa para receber a segunda dose na data indicada.

A vacina provoca algum efeito colateral específico nessa faixa etária?

De acordo com o site do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, os sintomas mais comuns que aparecem nos adolescentes após a vacina são dor e vermelhidão no braço, cansaço, dor de cabeça, calafrios, febre e náuseas.

Nem todas as pessoas sentem os incômodos — e, mesmo naquelas que apresentam esses efeitos colaterais, o quadro costuma ser leve e dura poucos dias.

Caso essas manifestações persistam, vale consultar um médico para uma avaliação personalizada e aprofundada.

Um fato que tem preocupado muitos pais é o risco de miocardite ou pericardite, que são tipos inflamação que acometem o coração.

Em alguns lugares do mundo, foi observado um ligeiro aumento na frequência dessa condição entre os mais jovens após o início da vacinação.

“Mas é importante dizer que esses casos de inflamação são raríssimos e, na maioria das vezes, foram leves e se resolveram rapidamente”, esclarece a médica Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, organização que trabalha com políticas públicas de imunização em vários países do mundo.

Segundo dados divulgados numa reportagem da Nature, foram detectados 67 casos de miocardite a cada milhão de meninos de 12 a 17 anos vacinados com a segunda dose. Em meninas, essa taxa ficou em 9 casos por milhão de imunizadas.

As autoridades ainda estão estudando se esse problema cardíaco é realmente causado pelos imunizantes ou se uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Por ora, também não se sabe porque homens são mais afetados do que as mulheres.

Mesmo diante dessas investigações, as autoridades garantem que não há motivo para pânico ou para não aplicar as doses nos mais jovens.

Como destaca o próprio site do CDC americano, as vacinas são seguras e eficazes nessa faixa etária e seus potenciais benefícios superam, de longe, qualquer efeito colateral.

Em outras palavras, o risco de ter covid-19 e sofrer com suas complicações é bem maior do que a probabilidade de desenvolver uma inflamação cardíaca, mesmo entre os adolescentes.

Pontos a favor da vacinação dos jovens

Para Garrett, existem pelo menos quatro motivos principais que justificam a imunização da turma de 12 a 17 anos.

“Em primeiro lugar, por mais que a gente saiba que as crianças com covid-19 evoluam muito melhor e se recuperem, temos algumas que ficam muito doentes e acabam hospitalizadas”, pontua a especialista, que destaca o aumento de casos e internações pela doença entre os mais jovens nos últimos meses.

Segundo ponto: a história desse coronavírus ainda está sendo escrita e não se sabe tudo sobre ele e as possíveis repercussões futuras à saúde.

Os quadros de covid longa, por exemplo, ainda são um grande mistério e a medicina não tem ideia de quanto tempo eles podem durar ou como vão evoluir pelos próximos anos.

Terceiro, por mais que crianças e adolescentes tenham quadros menos severos de covid-19, eles podem transmitir o vírus para contatos próximos.

A vacinação, portanto, ajudaria a bloquear um pouco essa transmissão comunitária do coronavírus.

“Por fim, uma última razão em prol do argumento de vacinar os mais jovens é manter as escolas abertas. Nós precisamos fazer de tudo para que esse ambiente seja seguro e a educação seja retomada”, completa a médica.

Pontos contra

Apesar de a imunização das idades mais tenras fazer sentido e parecer um caminho natural, os especialistas também entendem que há alguns fatores que desencorajam esse avanço no momento atual.

O primeiro deles é uma eventual falta de estoque para cobrir outras demandas mais urgentes, como a garantia da segunda dose de toda a população adulta e a terceira dose nos grupos mais vulneráveis, como idosos e imunossuprimidos (portadores de HIV, recém-transplantados, pacientes em tratamento de câncer, entre outros).

“Não há dúvida de que a nossa meta com a vacinação agora é reduzir os casos graves, as hospitalizações e as mortes. A proteção de adolescentes deve acontecer se tivermos vacinas suficientes para cumprir os demais objetivos”, entende Kfouri.

Garrett concorda e reforça que a palavra de ordem é priorização. “Como não temos um quantitativo suficiente para cobrir toda a população, precisamos pensar em estratégias capazes de resguardar aqueles que são mais vulneráveis à covid-19”, diz.

O segundo argumento que pesa contra a vacinação de adolescentes tem um componente moral e ético: será que é justo os países mais ricos vacinarem os cidadãos mais jovens enquanto profissionais da saúde e idosos das nações mais pobres sequer receberam suas doses?

Em maio, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, chegou a dizer que os lugares mais desenvolvidos estão protegendo suas crianças “às custas dos grupos de alto risco de outros locais”.

Nesse caso, assim como aconteceu com os apelos contrários à aplicação de uma terceira dose e à adoção dos passaportes da imunidade, o posicionamento da OMS e de outras instituições internacionais pouco influenciou a decisão dos países mais ricos sobre a condução das campanhas nacionais de vacinação contra covid-19.