Pesquisadores do Instituto Butantan, entidade parceira da USP, em conjunto com com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (os chamados NIH, do inglês National Institutes of Health), desenvolvem uma vacina contra a dengue. Os testes em seres humanos no Brasil foram autorizados neste mês pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos Estados Unidos, a vacina já foi testada em animais e em seres humanos, com resultados positivos.
Para Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan, uma das principais dificuldades encontradas na produção da vacina é a existência de quatro tipos de vírus que causam dengue — cada um com características próprias. “A vacina precisa proteger as pessoas contra os quatro vírus ao mesmo tempo”, explica o médico.
Existem diferentes abordagens para a obtenção de uma vacina: uso de proteínas recombinantes, inativação ou atenuação do vírus, entre outras. Na vacina testada pelo Instituto Butantan, os quatro vírus foram atenuados, ou seja, sofreram modificações específicas em seu genoma que os tornaram menos ativos. Assim, o organismo de quem tomar a vacina vai identificar os vírus enfraquecidos e passar a produzir anticorpos contra eles, sem, entretanto, desenvolver a doença. “O critério de escolha [para essa abordagem] do Instituto levou em conta a parceria de pesquisa que existe entre o Butantan e os NIH, e o fato de acreditarmos que o uso dos vírus atenuados teriam o potencial de causar a imunidade desejada”, relata o pesquisador.
Vacina imunogênica
Os vírus foram identificados e modificados nos Estados Unidos e, então, encaminhados para o Instituto Butantan, onde foi realizada a cultura desses vírus e a produção da vacina brasileira. A vacina que foi testada nos voluntários americanos foi produzida nos Estados Unidos e, lá, demonstrou ser imunogênica: as pessoas produziram anticorpos contra os quatro tipos de vírus. Agora, os pesquisadores irão testar a vacina produzida no Brasil em brasileiros. “Os EUA não são um país endêmico de dengue. Por isso é importante testar a vacina no Brasil, em uma população exposta ao risco de contrair dengue”, justifica Precioso.
Os testes realizados no Brasil correspondem à fase II do estudo, que está dividida em duas partes. Em um primeiro momento, 50 voluntários que nunca tiveram dengue serão vacinados. “Esse perfil é mais parecido com o perfil dos voluntários dos EUA, então vamos ter uma boa comparação”, explica Precioso. Esses primeiros voluntários serão recrutados pelo Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). São adultos, de ambos os sexos e saudáveis.
A segunda parte do estudo vai aplicar a vacina em outros 250 voluntários, recrutados pelo Instituto Central e pelo Instituto da Criança, ambos do HC da FMUSP, e pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribierão Preto (HCFMRP). Esses voluntários também serão adultos, mas podem ou não ter tido dengue antes. O objetivo da fase II dos estudos, segundo Alexander, é demonstrar o perfil de segurança da vacina, ou seja, identificar possíveis efeitos adversos tanto no local de aplicação como os efeitos sistêmicos, e verificar se ela é capaz de levar à produção do anticorpo.
Após o teste nos 300 voluntários, terá início a fase III do estudo. Nessa fase, será recrutada uma quantidade muito maior de voluntários, representando outras regiões do Brasil e diferentes faixas etárias. Depois dessa terceira etapa, os resultados estatísticos poderão dizer se a vacina realmente funciona. Se a vacina for eficaz e segura, ela poderá, finalmente, ser registrada pela Anvisa. “A intenção do Instituto Butantan é disponibilizá-la para o Ministério da Saúde para que ela entre no calendário nacional de vacinação”, espera Precioso. A expectativa é que a vacina esteja disponível para a população em 2018.