Médicos do hospital Mount Sinai, em Nova York, anunciaram nesta terça-feira (06/04) a realização de um transplante inovador que poderá ajudar pacientes com covid-19 que sofreram danos na traqueia como resultado de intubação.
Segundo o hospital, cirurgiões realizaram o que acreditam ser o primeiro transplante humano completo de traqueia bem-sucedido do mundo.
De acordo com o hospital, é a primeira vez que a traqueia de um doador é transplantada diretamente ao receptor.
A paciente, Sonia Sein, uma assistente social de 56 anos, sofreu danos graves na traqueia depois de ficar intubada por várias semanas por um ataque de asma há seis anos.
Ela recebeu a traqueia do doador, não identificado pelo hospital, no dia 13 de janeiro, em uma operação complexa que durou 18 horas e envolveu mais de 50 especialistas, incluindo cirurgiões, enfermeiros, anestesistas e médicos residentes.
De acordo com o cirurgião e pesquisador Eric Genden, que liderou a equipe, o procedimento pode salvar a vida de pacientes com defeitos congênitos, doenças intratáveis, queimaduras, tumores e danos severos por intubação, incluindo aqueles hospitalizados por covid-19.
Milhares de pessoas morrem todos os anos por falta de soluções de longo prazo para quadros clínicos como estes.
“Pela primeira vez, podemos oferecer uma opção de tratamento viável a pacientes com defeitos traqueais de segmento longo que correm risco de vida”, afirma Genden, que é diretor de otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço do Mount Sinai e professor da Escola de Medicina Icahn, o braço acadêmico do sistema hospitalar.
“É particularmente oportuno diante do crescente número de pacientes com problemas extensivos na traqueia devido à intubação por covid-19. Tanto por causa da ventilação mecânica quanto pela natureza da doença nas vias aéreas provocada pela covid-19, o número de casos de danos na traqueia vem aumentando”, observa.
A história da paciente
Depois que a intubação danificou sua traqueia, Sein passou por uma série de cirurgias para tentar reparar os danos. Mas essas intervenções agravaram ainda mais o problema.
Segundo os médicos, Sein respirava por traqueostomia e corria alto risco de sufocamento e morte por causa da progressão da doença em suas vias aéreas e do risco de colapso da traqueia.
Traqueostomia é como se chama a abertura da traqueia por um orifício para permitir a respiração de pacientes com dificuldades.
“Eu estava nervosa, estava com medo, mas tentei pensar que poderia finalmente ver minha neta e conseguir respirar”, diz Sein sobre a cirurgia, em depoimento divulgado pelo hospital.
Para fazer o transplante, os cirurgiões removeram a traqueia e vasos sanguíneos associados ao órgão do doador e reconstruíram a traqueia na paciente, dos pulmões até a laringe.
Os médicos então conectaram os pequenos vasos sanguíneos que alimentam a traqueia do doador aos vasos sanguíneos da receptora.
Segundo o hospital, os médicos usaram parte do esôfago e da tireóide para ajudar a fornecer sangue à traqueia, o que levou a uma revascularização bem-sucedida.
Com o sucesso da cirurgia, foi possível retirar a traqueostomia, e Sein conseguiu respirar pela boca pela primeira vez em seis anos.
Ela não sofreu complicações e continuará sendo monitorada pelos médicos, que avaliam como está respondendo aos medicamentos para evitar a rejeição.
Desafio
A traqueia é um órgão cilíndrico e em formato de tubo que conecta a laringe aos pulmões e é essencial para a respiração e as funções pulmonares.
Sua parte interna é revestida por cílios e muco, que ajudam a remover partículas poluentes ao transportar o ar para os pulmões.
O transplante de traqueia é considerado um dos mais desafiadores, pela extrema dificuldade técnica de garantir o fluxo sanguíneo ao órgão.
“Durante anos, o consenso médico e científico era de que o transplante de traqueia não podia ser feito, porque a complexidade do órgão tornava a revascularização impossível. Todas as tentativas anteriores de realizar transplante em humanos falharam”, afirma o médico.
Esse tipo de transplante também tem uma história marcada por escândalos.
Uma década atrás, um cirurgião italiano ganhou fama ao implantar traqueias artificiais revestidas de células-tronco dos próprios pacientes.
Mas, posteriormente, foi revelado que muitos de seus pacientes haviam morrido, e ele foi acusado de má conduta médica.
Genden se dedica a pesquisas sobre transplante de traqueia há 30 anos, grande parte deles estudando como revascularizar, ou garantir fluxo de sangue para a traqueia.
“Apesar de extensa pesquisa sobre o suprimento vascular do órgão usando modelos humanos e animais, não há maneira real de se preparar completamente para conduzir o primeiro transplante em humanos desse tipo”, afirma o médico.
Ele diz que a sensação ao ver o resultado positivo após 18 horas de operação foi “uma experiência maravilhosa”.
O cirurgião acredita que o protocolo de transplante e revascularização usado por sua equipe pode ser reproduzido por outros médicos e representar uma opção para pacientes que tiveram a traqueia inteira danificada e até então não tinham tratamento de longo prazo.