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Crianças com Síndrome Congênita do Zika têm riscos maiores de hospitalizações

A primeira geração de crianças afetada com o surto de microcefalia, em 2015, hoje tem cerca de dez anos de idade. Apenas uma minoria dessas crianças sobreviveu ao primeiro ano de vida. Por trás da condição que determina a vida de tantas crianças brasileiras está o conjunto de sequelas da Síndrome Congênita do Zika (SCZ), doença que compromete o tamanho da cabeça e a formação de neurônios. São eles que estão mais vulneráveis a complicações graves, doenças combinadas e períodos de internação longos, segundo pesquisa do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), publicada no International Journal of Infectious Disease.

Por se manifestar de maneira mais expressiva em países pobres e em populações desiguais, a síndrome do zika recebe baixa atenção a nível mundial. Somente no Brasil, a doença acumula 20 mil casos suspeitos. Uma parte deles tem identidade comum: são filhos de mães que moram em regiões quentes e com alta circulação de mosquitos. Já que a infecção ocorre durante a gravidez pelo vírus zika, transmitido às mulheres grávidas pelo mesmo vetor da dengue, o Aedes aegypti

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Serotonina age de modos diversos em transtornos de ansiedade

Em pessoas com transtornos de ansiedade, existem pelo menos dois grupos que apresentam respostas diferentes a variações abruptas nos níveis de serotonina, conforme o tipo de transtorno. O aumento da sensibilidade como resposta a estímulos de perigo é maior em transtornos ligados ao medo e a ameaças potenciais imediatas, como a fobia social. A evidência é baseada na análise de seis estudos sobre os efeitos da redução abrupta dos níveis do triptofano, aminoácido precursor da serotonina, que faz a comunicação entre neurônios, feita por um grupo de pesquisadores internacionais, com a participação de Felipe Corchs e Marcio Bernik, do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

A descoberta poderá aprimorar o diagnóstico e o tratamento dos transtornos. Os resultados do estudo dão suporte a predição que pode ser obtida da teoria desenvolvida pelos pesquisadores Bill Deakin, da University of Manchester, no Reino Unido e Frederico Graeff, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Eles propuseram que pacientes com quadros psiquiátricos mais relacionados ao medo teriam aumento importante de sintomas e respostas fisiológicas com a redução aguda de serotonina, mas que o mesmo não seria observado nos quadros relacionados à ansiedade.

O triptofano não é produzido pelo organismo, sendo incorporado ao corpo humano por meio da alimentação (ingestão de proteínas). Por ser o único único precursor da serotonina, sua redução abrupta culmina em queda abrupta também dos níveis de serotonina, que funciona como neurotransmissor nas células do sistema nervoso entre outras funções. Dessa forma, divergências nos efeitos dessa diminuição sobre os sintomas dos transtornos estudados permitiram avaliar supostas diferenças no papel da serotonina em subgrupos de transtornos agrupados sob o termo “transtornos de ansiedade”.

Risco imediato
Em um dos grupos, o transtorno está mais relacionado a ameaças potenciais de risco imediato. “Isso ocorre em casos de transtorno de estresse pós-traumático, fobia social e transtorno do pânico”, relata Corchs. “Nessas situações, mais associadas ao medo, a redução muito rápida da serotonina tende a aumentar a sensibilidade aos estímulos temidos pelo portador do transtorno”.

Quando o transtorno envolve ameaças potenciais distantes, como ansiedade generalizada e Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), a queda abrupta da serotonina não provoca o aumento da sensibilidade aos estímulos causadores de sintomas. “Embora os dois grupos de pacientes sejam tratados com o mesmo tipo de medicação, o controle dos distúrbios se dá a longo prazo”, aponta o pesquisador. “A análise demonstra que a redução de serotonina influência os pacientes de modos diferentes, conforme o tipo de transtorno de ansiedade”.

Junto com David Nutt, do Imperial College (Reino Unido), Dana Hince e Sean Hood, da The University of Western Austrália, e Simon Davies, da University of Toronto (Canadá), Corchs e Bernik assinam artigo sobre a pesquisa que acaba de ser publicado no Journal of Psychopharmacology. “É importante ressaltar que os dados devem ser interpretados à luz do fato de que nossos resultados derivam de uma re-análise de estudos que tiveram como objetivo principal a avaliação dos efeitos da redução do triptofano em amostras agrupadas de acordo com os transtornos”, aponta Corchs.

De acordo com o pesquisador do IPq, novos estudos precisam ser desenvolvidos com metodologia específica para identificar as características clínicas exatas dos pacientes que têm esses dois perfis farmacológicos de forma independente dos atuais critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). “Isso poderá contribuir para o delineamento de critérios diagnósticos baseados em etiologia, ou seja, do ponto de vista não dos sintomas, mas dos efeitos no cérebro”, conclui.

(Com informações da Assessoria de Imprensa do IPq)

Foto:  Marcos Santos / USP Imagens

Energia para os neurônios

Em um final de tarde de janeiro, o psiquiatra Leandro Valiengo abriu um dos armários do já quase deserto quarto andar do Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo (USP), retirou uma mala preta, colocou-a sobre o colchonete azul de uma maca e apresentou o equipamento que está sendo visto como uma nova forma de tratamento contra depressão e outros distúrbios neuropsiquiátricos: é um aparelho de estimulação transcraniana de corrente contínua (ETCC). “É muito simples”, ele diz.

O aparelho é uma caixa de tamanho aproximado ao de um laptop, com um teclado para se registrar o código de cada paciente em tratamento e alguns botões para regular o fornecimento de energia. De uma das laterais saem dois fios em cujas pontas há dois eletrodos – um positivo e um negativo – que são fixados nas têmporas por meio de uma bandana. Os eletrodos geram uma corrente elétrica de baixa intensidade que atravessa o córtex, a região mais superficial do cérebro, durante 20 a 30 minutos seguidos, e desse modo ajuda a restabelecer o funcionamento normal dos neurônios.

Por meio de estudos realizados em vários países, milhares de pessoas – cerca de 250 delas no Brasil – já foram tratadas por meio da ETCC, uma técnica experimental que amadurece a passos firmes, aparentemente com efeitos colaterais mínimos, e ganha consistência como alternativa ou complementação ao uso de medicamentos, principalmente contra depressão, o mais disseminado dos distúrbios psíquicos.

Um levantamento coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) detectou os sintomas da depressão em quase um terço da população brasileira. Novas técnicas de tratamento são a princípio bem-vindas porque 30% das pessoas com depressão não respondem aos medicamentos atuais, que, quando aceitos, podem causar efeitos colaterais indesejados, como ganho de peso, perda de libido ou insônia, que limitam a adesão ao tratamento.

Em outubro de 2013, o psiquiatra André Brunoni e sua equipe do Hospital Universitário da USP iniciaram um teste amplo em que 240 participantes com depressão grave, divididos em três grupos, deviam receber diariamente, durante 10 semanas, estimulação elétrica real ou simulada, um antidepressivo conhecido como escitalopram (Lexapro) ou placebo.

Realizado no Centro de Pesquisas Clínicas e Epidemiológicas do HU-USP em colaboração com o Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, esse estudo é chamado de duplo-cego porque os participantes e os pesquisadores só sabem no final se o que foi aplicado era um tratamento efetivo ou simulado (a enfermeira coloca os eletrodos na têmpora dos participantes, mas não sabe se de fato se formou uma corrente elétrica entre os eletrodos).

Se tudo correr bem, esse teste deve indicar se o efeito da estimulação elétrica poderia ser equivalente ou superior ao do medicamento e, além disso, qual o perfil das pessoas com depressão que poderiam responder melhor a um tipo ou outro de tratamento, de acordo com seu perfil genético e comportamental, que serão avaliados por meio de exames de sangue, tomografias e entrevistas ao longo de quatro anos.

Em um estudo anterior, com 103 participantes com depressão grave acompanhados durante seis semanas, Brunoni e sua equipe verificaram que a estimulação elétrica poderia ampliar o efeito de um antidepressivo de uso amplo, a sertralina), que, assim como o escitalopram, apresenta o mesmo mecanismo de ação da fluoxetina – todos prolongam a ação de neurotransmissores como a serotonina, essenciais para o funcionamento dos neurônios.

De acordo com o artigo que detalha os resultados, publicado em 2013 no JAMA Psyquiatry, o efeito do tratamento combinado – estimulação elétrica e sertralina – foi não só mais intenso, mas também mais rápido, já que os participantes desse grupo relataram remissão dos sintomas a partir da segunda semana de tratamento, enquanto os de outros grupos, que haviam tomado apenas medicação, estimulação elétrica ou placebo, relataram melhoras no bem-estar seis semanas após o início da terapia.

Leia a reportagem completa em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/02/12/energia-para-os-neuronios.

Recaída ao uso de drogas é alvo de pesquisa de neurocientistas

Em busca de tratamentos mais eficazes contra a dependência, cientistas do National Institute on Drug Abuse (Nida/NIH), dos Estados Unidos, têm se dedicado a criar métodos para identificar e estudar pequenos grupos de neurônios relacionados com a sensação de fissura por drogas.

O grupo coordenado por Bruce Hope conta com o brasileiro Fábio Cardoso Cruz, ex-bolsista de mestrado e de pós-doutorado da FAPESP que acaba de publicar um artigo sobre o tema na revista Nature Reviews Neuroscience.

“Nossa linha de pesquisa se baseia no pressuposto de que a dependência é um comportamento de aprendizado associativo. Quando um indivíduo começa a usar uma determinada substância, seu encéfalo associa o efeito da droga com o local em que ela está sendo consumida, as pessoas em volta e a parafernália envolvida, como seringas, por exemplo. Com o uso repetido, essa associação fica cada vez mais forte, até que a simples exposição ao ambiente, às pessoas ou aos objetos já desperta no dependente a fissura pela droga”, afirmou Cruz.

Evidências da literatura científica sugerem que essa memória associativa relacionada ao uso da droga com os elementos ambientais seria armazenada em pequenos grupos de neurônios localizados em diferentes regiões do encéfalo e interligados entre si – conhecidos em inglês como neuronal ensembles.

“Quando o dependente depara com algo que o faz lembrar da droga, esses pequenos grupos neuronais são ativados simultaneamente e, dessa forma, a memória do efeito da droga no organismo vem à tona, fazendo com que o indivíduo sinta um desejo compulsivo pela droga que é capaz de controlar o comportamento e fazer com que o dependente em abstinência tenha uma recaída mesmo estando ciente de possíveis consequências negativas, como perda do emprego, da família ou problemas de saúde”, disse Cruz.

Por meio de experimentos feitos com animais, os pesquisadores do Nida mostraram que apenas 4% dos neurônios do sistema mesocorticolímbico são ativados nesses casos de recaída induzida pelo ambiente. “São vários pequenos grupos localizados em regiões do cérebro relacionadas com as sensações de prazer, como córtex pré-frontal, núcleo accumbens, hipocampo, amígdala e tálamo”, contou.

Segundo Cruz, a maioria dos trabalhos que buscam entender a neurobiologia da dependência e descobrir possíveis alterações moleculares relacionadas com comportamentos que levam à recaídaavalia todo o conjunto de neurônios presente em amostras de tecidos cerebrais em vez de focar apenas nesses pequenos grupos.

“Acreditamos que uma alteração realmente significativa pode ser mascarada por mudanças nesses outros 96% dos neurônios não relacionados com a recaída. Por isso buscamos metodologias para estudar especificamente esses 4%”, explicou.

Uma das estratégias descritas no artigo publicado na Nature Reviews Neuroscience faz uso de uma linhagem de ratos transgênicos conhecida como lacZ. Os animais são modificados para expressar a enzima β-galactosidase apenas nos neurônios ativos.

“Nós colocamos o animal em uma caixa e o ensinamos a bater em uma barra para receber cocaína. Depois de um tempo, movemos o animal para uma caixa diferente, na qual ele não recebe a droga quando bate na barra. Chega uma hora em que o animal para de bater na barra. É como se estivesse em abstinência. Mas quando o colocamos de volta na primeira caixa, ou seja, no ambiente que ele foi treinado a receber a droga, ele imediatamente volta a bater na barra à procura da droga”, contou Cruz.

Nesse momento, os pequenos grupos neuronais são ativados no rato pelos elementos do ambiente. Os pesquisadores administram então uma substância chamada Daun02, que interage com a enzima β-galactosidase e se transforma em um fármaco ativo chamado daunorubicina, que provoca a morte desses neurônios ativos.

“Esperamos cerca de dois dias para o fármaco concluir seu efeito e, quando colocamos novamente o animal no ambiente associado à administração da droga, ele não apresenta mais o mesmo comportamento de busca da substância. É como se a fissura tivesse sido apagada após a morte desse pequeno grupo de neurônios relacionado com esse comportamento de recaída”, contou Cruz.

Outra técnica descrita no artigo também faz uso de animais transgênicos capazes de expressar uma proteína fluorescente apenas nas células ativadas. “Com auxílio da citometria de fluxo, conseguimos isolar apenas essas células que ficam fluorescentes e então procuramos por possíveis alterações moleculares. Podem ser alterações estruturais, como aumento no número de espinhos dendríticos, o que aumenta a interação sináptica e deixa o neurônio mais sensível. Podem ser proteínas intracelulares que também aumentam a atividade desses neurônios”, explicou.

Uma vez identificadas essas alterações, acrescentou Cruz, elas vão se tornar alvos para o desenvolvimento de fármacos capazes de tratar de forma mais eficiente a dependência. “Não existe hoje um medicamento realmente eficaz, tanto que cerca de 70% dos usuários de cocaína sofrem recaída após um período de abstinência. No caso do álcool, o número é maior que 80%”, afirmou.

O grupo do Nida conta ainda com outros pesquisadores brasileiros, entre eles Rodrigo Molini Leão, que acabou de concluir o doutorado com Bolsa da FAPESP na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (FCFAr-Unesp) em Araraquara. Também participa o doutorando Paulo Eduardo Carneiro de Oliveira, da FCFAr-Unesp.