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Fiocruz Pernambuco vai abrigar o Centro Âncora Nordeste para medicina de precisão

Nesta sexta-feira (22/11), foi lançado no auditório da Fiocruz Pernambuco o Centro Âncora Nordeste, integrante da Rede Genomas SUS (GenSUS), vinculada ao Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão – Genomas Brasil, do Ministério da Saúde (MS). O centro será responsável pela coordenação de atividades como coleta de amostras, preparação de bibliotecas, sequenciamento genético e análise de dados. Além disso, atuará como referência no diagnóstico genético de doenças raras e genéticas, ampliando o acesso à medicina de precisão para toda a região Nordeste do Brasil.

O Programa Genomas Brasil, criado em 2020, visa estabelecer as bases para o desenvolvimento da saúde de precisão no país, com o objetivo de implementar essa abordagem no Sistema Único de Saúde (SUS) no futuro. A saúde de precisão combina dados clínicos e laboratoriais com o perfil genético do paciente, permitindo a escolha de tratamentos mais eficazes e seguros, além de possibilitar a detecção precoce de riscos para o desenvolvimento de doenças.

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Estudo com participação de instituto brasileiro decodifica genoma da onça-pintada

Pesquisa inédita é parceria com pesquisadores internacionais e fornece informações sobre evolução da espécie

Pesquisadores do Instituto Mamirauá participaram de um estudo que decodificou o DNA da onça-pintada. O resultado inédito foi publicado na revista Science Advances. O trabalho na Amazônia levou mais de 15 anos.

“Com a decodificação do genoma da onça-pintada, foi possível descobrir aspectos sobre a interação da onça com outras espécies de felinos, que, ao longo de milhões de anos, deram vigor à espécie”, explicou o pesquisador e coautor do artigo, Emiliano Ramalho, líder do Grupo de Pesquisa Ecologia e Conservação de Felinos na Amazônia.

O material genético da onça-pintada para a análise foi extraído de um macho da espécie, resgatado ainda filhote no Pantanal e que vivia no Zoológico Municipal de Sorocaba (SP). Depois disso, os pesquisadores compararam os genomas da onça-pintada e do leopardo com os das outras espécies do gênero Panthera, que abrange também leões, leopardos-das-neves e tigres.

Os pesquisadores estimam em 3,5 milhões de anos o tempo de separação do grupo de felinos que originou as onças dos ancestrais dos leões e leopardos. Mas a análise de DNA aponta que, mesmo depois da separação, membros de espécies diferentes continuaram cruzando entre si para manutenção da sobrevivência.

Na época da cheia dos rios, quando as águas inundam as florestas, as onças buscam abrigo e moradia na copa das árvores e adequam sua dieta, predando preguiças, macacos e ocasionalmente animais aquáticos, como o jacaré. O comportamento, único, é estudado pelo Instituto Mamirauá com financiamento da Fundação Gordon and Betty Moore.

Resíduos de melanina danificam DNA

Sob a ação da luz solar, o pigmento da pele, a melanina, pode se fragmentar e formar compostos químicos muito reativos que podem danificar a estrutura da molécula de DNA, mantida no núcleo das células, e facilitar o desenvolvimento de câncer de pele, de acordo com um estudo publicado na revista Science da semana de 20 de fevereiro.

O ataque ao DNA pode persistir por mais de três horas após a exposição direta à luz do sol, segundo esse trabalho, indicando mais uma limitação da ação dos cremes protetores aplicados à pele para proteger contra os efeitos prejudiciais da radiação ultravioleta da luz solar.

“O protetor solar não vai prevenir totalmente os danos ao DNA, que continuam mesmo depois da exposição ao sol”, diz o químico Etelvino Bechara, um dos autores do artigo, professor ligado à Universidade de São Paulo (USP) e à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Com base nesse trabalho, Bechara recomenda ainda mais cuidado com o bronzeamento artificial e alerta para a necessidade urgente de formulações, na forma de cremes, que possam impedir a formação dos compostos lesivos ao DNA mesmo depois da exposição ao sol. Uma possibilidade, apresentada no estudo, é o uso de ácido sórbico, um aditivo de alimentos, embora sua eficácia, dosagem e forma de aplicação ainda não tenham sido estabelecidos.

Camila Mano, do Instituto de Química da USP, é a outra autora brasileira desse trabalho. Por sugestão de Bechara, ela foi à Universidade Yale, nos Estados Unidos, integrou-se ao grupo de Douglas Brash e fez parte dos experimentos que revelaram as reações que danificam o DNA e podem levar à formação de células anormais, que, se não contidas, podem gerar tumores.

Normalmente, nas células produtoras de melanina, a radiação ultravioleta do sol forma os chamados dímeros (compostos químicos com duas unidades) de timina e citosina, dois componentes básicos do DNA. Esses componentes, agora unidos (dímeros) em vez de estarem sozinhos, podem alterar o funcionamento do DNA no momento da multiplicação celular. As células dispõem de mecanismos de reparo de DNA que desfazem parte dos dímeros.

A melanina, o pigmento escuro da pele, pode impedir a formação dos dímeros. O que os pesquisadores viram nesse estudo foi um caminho bioquímico novo que leva a um efeito oposto, fazendo a melanina formar dímeros, prejudiciais ao DNA.

Os pesquisadores observaram que a melanina poderia induzir a formação de dímeros de pirimidina (timina e citosina) por pelo menos três horas após a exposição direta à radiação ultravioleta do sol, desse modo reduzindo a eficácia dos mecanismos de reparo da molécula de DNA e facilitando a propagação de mutações genéticas prejudiciais.

Segundo Bechara, a melanina da pele se fragmenta e gera um composto químico muito reativo, uma cetona triplete (com dois elétrons desemparelhados). Esse composto transfere energia para o DNA, formando os dímeros. Nesse experimento, os pesquisadores verificaram que os dímeros de pirimidina formados na ausência de luz formam a maioria dos dímeros responsáveis pela destruição do DNA.

Esse tipo de fenômeno é chamado de fotoquímica no escuro e, enfatiza Bechara, havia sido proposto na década de 1970 por Emil White, da Universidade Johns Hopkins, e por Giuseppe Cilento, do Instituto de Química da USP.

“A fotoquímica no escuro amplia as reações lesivas ao DNA iniciadas pela radiação ultravioleta”, diz ele. Segundo o pesquisador, esse tipo de reação tem sido identificado em fenômenos biológicos, mediados por compostos químicos de alta energia, em raízes de plantas e órgãos de animais, como o fígado.

A melanina pode também reagir com a luz visível, absorvendo e depois transferindo parte de sua energia para moléculas de oxigênio, gerando formas altamente reativas, o chamado oxigênio singlete. O oxigênio excitado pode reagir como reage com moléculas como o DNA, danificando-as, conforme estudo recente de pesquisadores de São Paulo e do Paraná.

Biodetector poderá fazer detecção precoce e doença renal

Cientistas de diversos grupos de pesquisas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP estão trabalhando no projeto de um biodetector bacteriano capaz de diagnosticar a Doença Renal Crônica (DRC) de forma precoce. A DRC é caracterizada por alterações nas funções e na estrutura dos rins, e afeta milhões de pessoas no mundo, sendo que grande parte delas não tem consciência disso. No teste de diagnóstico realizado atualmente, por intermédio da quantificação de Creatinina no sangue, as variações nas taxas desse biomarcador só são perceptíveis em estágios mais avançados da doença. “Se conseguirmos detectar a Doença Renal Crônica em seus primeiros estágios, poderemos oferecer uma qualidade de vida melhor aos pacientes e um tratamento mais simples”, explica Laís Ribovski, aluna de mestrado do IFSC.

Laís integra o grupo de pesquisadores que conta com cientistas do Grupo de Cristalografia, Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CEPOF), Grupo de Biofísica Molecular “Sérgio Mascarenhas”, e do Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia, juntamente com pesquisadores de outras unidades da USP, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). O projeto rendeu ao grupo a medalha de bronze no International Genetically Engineered Machine – iGEM 2014, uma competição internacional focada na área de biologia sintética que reuniu 245 equipes formadas por estudantes de graduação e pós-graduação oriundos de diversos países, na cidade de Boston, Massachusetts, EUA.

Para detectar os primeiros estágios da doença, os pesquisadores propõem unir diversas partes de um DNA — cada parte com uma função —, programando a bactéria Bacilus subtilis para identificar alterações no nível de Cistatina C no sangue. Este outro biomarcador trata-se de uma proteína que, assim como a Creatinina, está ligada a taxa de filtração glomerular e, por isso, também permite detectar alterações na estrutura e funções dos rins. Contudo, o aumento nas concentrações de Cistatina C já é evidente em estágios menos avançados.

O próximo passo dos cientistas é finalizar a ligação de todos os “pedaços” de DNA. Com isso feito, o circuito será calibrado para as faixas de Cistatina C que eles pretendem distinguir no sangue: “Já temos o módulo e detecção deste biomarcador montado em uma membrana da Bacilus subtilis, bem como o processo de montagem do circuito interno. Além disso, estabelecemos a barreira de expressão do nosso circuito e conseguimos provar que ele funciona, mas agora precisamos reunir todos os módulos para finalizá-lo”, explica Laís.

De acordo com Danilo Keiji Zampronio, aluno de graduação do IFSC, e que também integra o grupo, o projeto ainda renderá bastante pesquisa e estudo até que possa ser uma solução disponível no mercado, uma vez que os pesquisadores precisam terminar seu circuito, patenteá-lo, caracterizá-lo e padronizá-lo por meio de diversos testes. “Acredito que esse nosso projeto deverá ser comercializado daqui a três ou quatro anos”, estima.

O reconhecimento no iGEM 2014
Para Zampronio, a importância da premiação no iGEM 2014 foi compreender que os alunos têm todas as ferramentas para desenvolver esse ramo da ciência no Brasil e que o IFSC pode oferecer a infraestrutura e conhecimento para isso. “Percebi que, com tudo aquilo que aprendemos no instituto, temos a capacidade de trabalhar com biologia sintética sem limitação alguma. Saímos do evento com a vontade de mudar o mundo”, diz ele. O estudante conta ainda que, além de ter seu trabalho reconhecido e prestigiado em âmbito internacional, uma das grandes vantagens de participar de premiações como esta é a bagagem de novos conhecimentos e experiências que os estudantes adquirem durante os estudos de seus projetos.

Grupo de jovens cientistas que integra a equipe que venceu a Medalha de Bronze

 

Para Bruno Ono, outro jovem pesquisador da equipe, a premiação ajudou bastante alguns de seus colegas da Biofísica. “Muitas pessoas desistem do curso por não terem perspectiva de onde trabalharão ou o que farão futuramente. Agora, quando chegam no iGEM, eles se descobrem quando percebem que tudo o que aprenderam no curso faz muito sentido para quem quer trabalhar com biologia sintética e com outros campos que dela se ramificam”, completa. Zampronio antecipa que no próximo ano a equipe levará um projeto para conquistar a medalha de ouro. Para tanto, a equipe já começou a marcar reuniões para, inclusive, trazer novos integrantes ao grupo, já que haverá muito trabalho pela frente para conquistar a medalha de ouro.

Colaborações nacionais e internacionais
Para os três pesquisadores, o iGEM é muito mais do que uma competição onde os participantes têm que criar circuitos, o evento é também uma oportunidade de se relacionar com alunos dos quatro cantos do planeta e firmar novas colaborações. “Eu acho que a pesquisa deveria sempre ser feita em parcerias e focada no impacto social, tornando a ciência acessível à sociedade”, diz Zampronio.

Além da parceria que os alunos do IFSC criaram dentro da própria USP, já que esse grupo inclui estudantes de outras unidades da Universidade de São Paulo, os jovens contam que tiveram a oportunidade de conhecer equipes de outras instituições brasileiras —UFAM, UFMG e UFPE — e, inclusive, de outros países, como Holanda, França, Reino Unido e Noruega, já tendo colaborado com alguns grupos destes países trocando experiências, discutindo trabalhos, traduzindo cada trabalho para diversos idiomas e estabelecendo uma rede de comunicação que se estenderá em outros projetos e futuras edições do iGEM.

No final do iGEM 2014, a equipe uspiana participou de uma reunião com outros grupos da América Latina, onde foi ressaltada a importância de serem criadas relações profissionais entre os grupos dos países latino-americanos. Estas parcerias permitem um intercâmbio de tarefas. Por exemplo, se uma universidade não tem um determinado equipamento, e nós temos, eles podem nos enviar os materiais para fazermos as medidas aqui. O interessante, também, é que essas cooperações entre universidades estão se tornando comuns no iGEM, fortalecendo as pesquisas e atraindo mais estudantes, finaliza Laís.

DNA vira ‘código de barras da vida’ em rede de pesquisa

De modo semelhante ao código de barras de um produto no supermercado, a partir do qual é possível identificá-lo e obter informações sobre ele, uma iniciativa que abrange pesquisadores de todo o mundo visa padronizar a identificação de espécies utilizando o chamado DNA Barcoding — método em que uma espécie de código de barras é criado a partir de um pequeno trecho do DNA, extraído de uma região padronizada do gene.

A ideia de um dos proponentes dessa técnica, o cientista Paul Hebert, era tornar o processo de identificação das espécies mais rápido e formar um banco de dados de toda a biodiversidade mundial, disponível para consulta por qualquer pessoa. “O uso de sequências de DNA na taxonomia não é novo, mas a ideia do barcoding é o sequenciamento de um mesmo trecho, pois até então cada grupo utilizava uma região diferente do genoma, o que tornava difícil fazer comparações”, conta Mariana Cabral de Oliveira, professora do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências (IB) da USP e uma das pesquisadoras participantes do International Barcode of Life (iBOL).

O consórcio internacional já é uma realidade e mobiliza pesquisadores em diversos países — o banco de dados do projeto reúne, atualmente, quase três milhões de sequências. A submissão dessas sequências segue um padrão de qualidade e acompanha também outros dados, como descrições morfológicas, fotografias, e o museu ou herbário onde aquela amostra foi depositada. Mariana explica que toda sequência registrada no banco de dados precisa estar associada a uma amostra física. “Eventualmente, se alguém não concordar com a identificação feita, é possível, por exemplo, solicitar e exsicata e reanalisar o material”.

(Leia mais sobre exsicatas e os herbários da USP em Herbários da USP revelam riqueza da biodiversidade vegetal)

Rede brasileira
A partir da iniciativa internacional, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) decidiu criar, em 2010, um projeto para organizar a rede em âmbito nacional. Onze grupos compõem o Brazilian Barcode of Life (BrBOL) e a bióloga Mariana Cabral de Oliveira coordena um destes grupos, voltado para a identificação molecular de organismos marinhos. Essa subrede inclui desde os vários tipos de algas, como também invertebrados, caracterizando um espectro bastante heterogêneo. A vantagem de uma rede nacional é, além de estabelecer a integração entre os estudiosos de todo o Brasil, padronizando os métodos utilizados, a possibilidade de gerar um espelho do banco de dados, ou seja, ter uma cópia dos dados que são enviados ao banco de dados geral.

Peixes estão entre os grupos mais completos em número de espécies cadastradas no banco do iBOL *

 

As propostas dos onze grupos que participaram do edital proposto pelo CNPq tiveram sua vigência encerrada em dezembro de 2013, no entanto os participantes aguardam a prorrogação do prazo — segundo Mariana, o fato de a biodiversidade brasileira ser extremamente grande torna mais trabalhoso sequenciar as espécies. Somente no caso das algas vermelhas, um dos principais objetos de pesquisa da professora, são cerca de 400 espécies identificadas — número que só foi possível alcançar em vários anos de estudo. Além disso, alguns grupos de trabalho, que estão distribuídos em institutos de pesquisa ao longo de toda a costa brasileira, encontram dificuldades, tanto metodológicas como de infraestrutura — como acesso a equipamentos e laboratórios adequados —para dar continuidade ao sequenciamento.

Segundo a professora, a técnica do DNA Barcoding proposta em 2003 foi rapidamente adotada por pesquisadores das diversas áreas que envolvem a biodiversidade. Apesar do objetivo inicial de usar uma mesma região padronizada para todos os grupos de organismos, logo ficou claro que não era viável adotar apenas uma região do gene como referência para todas as espécies — em alguns casos, existem dificuldades práticas para o sequenciamento da região proposta ou, como acontece com as plantas verdes, ele não tem variabilidade suficiente para diferenciá-las. Assim, estão sendo adotados outros marcadores que possam satisfazer as necessidades de cada grupo.

Além da identificação
“A aplicação do DNA Barcoding é muito mais ampla do que simplesmente descrever a biodiversidade”, conta a professora Mariana. Uma das principais aplicações do uso do banco de dados com as sequências genéticas é facilitar a identificação de novas espécies: caso um estudioso se encontre diante de uma espécie que não sabe identificar, ele poderá extrair seu DNA com a técnica e compará-lo, no banco de dados, com outras sequências. Saberá, assim, se essa espécie já foi identificada por outro pesquisador e, caso não encontre a sequência correspondente, poderá investigar se a espécie apenas não foi registrada ou se configura uma nova espécie.

No IB, outra pesquisadora também participa do consórcio, atuando no grupo que estuda, entre outros animais, as aves. Cristina Yumi Miyaki, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, realizou um estudo que utiliza os barcodes para ajudar na investigação do tráfico ilegal de psitacídeos — família de aves que inclui araras, papagaios e periquitos. Quando uma pessoa é flagrada portanto ovos, não é possível dizer apenas a partir da morfologia externa se eles pertencem a espécies ameaçadas de extinção, então se recorre a análise pelo DNA Barcoding, que pode, rapidamente, confirmar ou descartar as suspeitas.

Outra aplicação importante da técnica é a possibilidade de avaliar se o alimento que está sendo vendido corresponde ao informado. No caso dos peixes, por exemplo, após o corte em postas ou processamento, é difícil identificar de qual peixe se trata. O mesmo acontece com as madeiras – utilizando o barcoding, pode-se verificar se determinada madeira pertence a um tipo cuja extração é vedada.

Elementos da poluição atmosférica modificam o DNA humano

Além dos males causados pela poluição atmosférica já conhecidos cientistas acabam de detectar, pela primeira vez, uma modificação em DNA humano causada pela presença de dois aldeídos – acetaldeído e crotonaldeído — encontrados na fumaça do cigarro e nas emissões veiculares “Esses aldeídos são mutagênicos e, em concentrações elevadas, podem levar ao desenvolvimento de câncer”, alerta a professora Marisa Helena Gennari de Medeiros, do Instituto de Química (IQ) da USP, e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma).

A constatação foi feita em um levantamento, realizado em 2010, que analisou a urina de 82 pessoas, sendo 47 residentes na cidade de São Paulo e outros 35 moradores de São João da Boa Vista, município rural no interior do estado. Os resultados mostram que a concentração de adutos — resultado da reação dos aldeídos com o DNA — foi significativamente maior nos moradores da capital paulista.  “São Paulo tem uma característica incomum, se comparada a outras grandes capitais do mundo”, conta Marisa Helena. “Além dos poluentes normalmente encontrados em metrópoles semelhantes, aqui temos uma grande frota que utiliza o etanol”. A pesquisa excluiu fumantes, alcoólicos, pessoas com problemas de saúde e fazendo uso de suplementos alimentares e de medicamentos. Nos testes com a urina, os cientistas utilizaram técnicas ultrassensíveis como a espectrometria de massas.

Reparo do DNA
A pesquisadora explica que é a primeira vez que a urina foi utilizada como biomarcador para esse tipo de estudo. “É de conhecimento que a poluição atmosférica é um agente carcinogênico”, ressalta Marisa. “No entanto, ainda não se tinha um controle específico em relação aos danos causados no DNA humano e usando a urina como biomarcador”, explica.

A docente descreve que o que é descartado pela urina é justamente o produto do reparo do DNA. Ao entrar em contato com o organismo, os aldeídos se ligam à estrutura do DNA, modificando-a. Contudo, as enzimas que protegem a estrutura realizam um trabalho de “clivagem” (corte) na modificação promovida pelos aldeídos. “O resultado deste mecanismo é justamente o que conhecemos como o reparo, que é o que acaba indo para a urina”, explica. Se o dano causado ao DNA não for reparado pode levar a uma mutação e ao câncer. Marisa destaca ainda que a vantagem de se utilizar a urina é que trata-se de um método não invasivo.

Laboratório do IQ onde foram analisadas as amostras de urina de 47 pessoas. Método não invasivo permite o monitoramento da exposição da população a aldeídos presentes na atmosfera

 

Fator de risco
Na região metropolitana de São Paulo, onde circula uma frota de cerca de 7.4 milhões de veículos, aldeídos genotóxicos presentes na atmosfera são um grande fator de risco para a saúde da população.

Por isso, um aspecto importante da possibilidade de detecção de adutos de DNA na urina é o desenvolvimento de um método não invasivo que permita o monitoramento da exposição da população a aldeídos presentes na atmosfera. Esse monitoramento pode fornecer informações para a formulação de políticas públicas que reduzam os efeitos nocivos da poluição atmosférica. “Pretendemos ampliar esse estudo, analisando e comparando amostras de urina de moradores de diferentes bairros na cidade de São Paulo e de diferentes cidades”, conclui a pesquisadora.

O grupo responsável pelo estudo integra a rede de pesquisadores dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), com apoio do Conselho Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com o Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), e do Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) da USP.

O artigo Elevated α-Methyl-γ-hydroxy-1,N2-propano-2′-deoxyguanosine Levels in Urinary Samples from Individuals Exposed to Urban Air Pollution, de Camila C.M. Garcia, Florêncio P. Freitas, Angeĺica B. Sanchez, Paolo Di Mascio e pela professora Marisa pode ser lido por assinantes em http://pubs.acs.org/journal/crtoec.