Publicado em abril 4, 2019 por tatianelopes
“Muitas meninas e mulheres autistas parecem ser apenas pessoas tímidas e introvertidas”, diz a escritora e empresária britânica Alis Rowe. Com frequência, afirma ela, “essas garotas quietas – e seus problemas – podem ser ‘invisíveis’ para outras pessoas”.
Informada de que era autista quando já era adulta, Alis é uma das poucas mulheres a obter um diagnóstico – pelo menos, em comparação com os homens.
Os transtornos do espectro autista (TEA) são uma condição com a qual uma pessoa precisa conviver ao longo da vida e que afeta a forma como ela se comunica e interage com o mundo. O nível de funções cognitivas e intelectuais de autistas varia bastante, desde um profundo comprometimento destas habilidades até impactos bem mais sutis.
Estima-se que 1 a cada 160 crianças em todo o mundo tenha TEA, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mas há uma enorme disparidade nos diagnósticos por gênero.
No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, estatísticas publicadas mostram uma grande concentração em casos de autismo entre os homens em comparação com as mulheres. Os números oficiais no Reino Unido indicam que há cerca de 700 mil pessoas no espectro do autismo, com uma proporção de aproximadamente dez homens para uma mulher. Outros estudos no mundo apontam para uma proporção de 16 para 1.
Mas e se os parâmetros de diagnóstico forem tendenciosos quanto ao gênero do paciente? Carol Povey, diretora do Centro para o Autismo da Sociedade Nacional Autista Britânica, diz que há um crescente consciência sobre esta questão.
Novas pesquisas científicas no Reino Unido, especificamente projetadas para detectar características autísticas em mulheres, sugerem que a proporção real entre homens e mulheres austistas pode estar mais próxima de 3 para 1.
Se isso estiver correto, centenas de milhares de meninas e mulheres em todo o mundo estão convivendo com austismo sem sequer saberem disso.
A importância do diagnóstico de autismo
Alis conta que só foi diagnosticada aos 22 anos de idade. “Passei toda a vida me perguntando por que era ‘diferente’, me sentindo aterrorizada por isso e tentando me adequar.”
Ela diz que o diagnóstico transformou sua vida. “Agora, há uma razão pela qual sou diferente. É assustador ser diferente e não ter ideia do porquê. Isso te faz se sentir completamente sozinho”.
Alias afirma que o diagnóstico lhe trouxe “paz de espírito, a sensação de estar se encerrando um ciclo e autoaceitação”.
“Hoje, posso explicar aos amigos e colegas que tenho dificuldades e que meu pensamento e comportamento podem ser um pouco ‘incomuns’. Tudo isso levou, no fim das contas, à uma melhora da minha saúde mental e a relacionamentos mais significativos e agradáveis.”
Como Alis, muitas pessoas dizem que um diagnóstico permitiu que entendam por que são como são e finalmente serem aceitas e compreendidas pela família e por amigos.
Diagnosticar o autismo também é importante porque muitos pacientes têm outros problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e autoflagelação. Um estudo realizado no Reino Unido descobriu que 23% das mulheres hospitalizadas por anorexia preenchiam os critérios diagnósticos para o autismo.
Por que tantas garotas e mulheres autistas passam despercebidas?
Os sinais de autismo em meninas e mulheres não são os mesmos que em meninos e homens e podem passar despercebidos, especialmente em casos de autismo de alto funcionamento, um termo informal usado para designar os casos em que a pessoa tem habilidades cognitivas acima da média em comparação com outros autistas.
Uma dificuldade enfrentada pelos pesquisadores é que meninas com autismo parecem se comportar de maneiras consideradas “adequadas” – se não ideais – para elas em comparação com meninos: podem parecer ser passivas, retraídas, dependentes dos outros, não envolvidas nas situações que vivenciam ou mesmo deprimidas.
Elas podem se tornar aficcionadas e até mesmo obsessivamente interessadas em temas muito específicos, como ocorre com os meninos autistas, mas elas podem não gravitar em direção às áreas de conhecimento “nerds”, como tecnologia ou matemática.
“Infelizmente, na cultura ocidental, as meninas que exibem esses comportamentos são mais propensas a serem alvo de piadas ou ignoradas do que diagnosticadas e tratadas”, diz a mãe de uma garota com TEA.
“Para um observador externo, esse tipo de pessoa simplesmente parece ‘passar despercebida’, é um tipo de pessoa que ‘some na paisagem’. Ela não é considerada ‘problemática’ ou ‘desobediente’, portanto, ninguém realmente nota o que está acontecendo”, diz Alis
A dificuldade de obter um diagnóstico
Alis – que é tímida, mas assertiva – foi ao seu médico com uma lista de motivos pelos quais achava que estava no espectro autista e foi encaminhada para uma avaliação.
Mas e se o paciente é uma criança? O que acontece se ela não souber se expressar e alguém estiver falando em nome dela?
“Quando diagnosticaram minha filha com TEA, foi um grande alívio”, diz Marilu*. “Mas como é que uma mãe pode sentir alívio quando sua filha de 10 anos é diagnosticada com uma doença que não tem cura e terá impacto no resto de sua vida?”
Bem, foi assim com Marilu, após ela lutar por anos para fazer com que médicos e professores ajudassem a descobrir o que estava acontecendo com sua filha, Sophia.
Ela descreve que chegar a esse ponto foi o auge de uma “batalha para entender o que estava por trás da extrema tristeza” da menina.
Os TEAs surgem ainda na infância e tendem a persistir durante a adolescência e a fase adulta. Algumas pessoas no espectro do autismo podem viver de forma independente. Outras têm deficiências graves e requerem cuidados e apoio ao longo da vida.
Se os pais e cuidadores têm as informações corretas, podem buscar treinamento e adquirir habilidades vitais, como administrar as dificuldades de comunicação e comportamento social, o que, por sua vez, podem melhorar o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas com TEA e de quem convive com elas.
A mãe ‘hipersensível, emotiva’ e sua criança ‘mimada’
“Minha filha Sophia é muito tímida de uma forma peculiar. Ela é ‘séria’ e ‘muito criativa’ – foi assim que a professora a descreveu”, diz Marilu.
“Eu sabia desde muito cedo que ela tinha dificuldades de fazer amigos da sua idade. Eu apenas achava que era algo que tinha a ver com o fato de ela ter nascido prematuramente.”
Mas Marilu não queria “exarcebar a situação”. “Não me preocupou que ela fosse percebida como ‘diferente’, até eu a ver sofrendo na escola. Na hora de dormir, ela dizia: ‘Não tenho amigos, mamãe, ninguém gosta de mim'”, diz ela.
“Eu falava para ela que todos nós temos dias bons e ruins. Mas estava ficando preocupada e, muitas vezes, perguntava aos professores se eles notavam se alguma coisa estava acontecendo na escola. A resposta foi sempre a mesma: ‘Nada está acontecendo’.”
Mas a situação piorou, e Marilu voltou a procurar os professores. “Perguntei a eles se Sophia era alvo de bullying. Sabia que algo estava errado. Mas me disseram que eu era ‘muito emotiva’ e ‘hipersensível’. Eu até fui acusada de ‘mimá-la'”.
Enquanto Marilu e sua família lutavam para entender o que estava acontecendo, todos sofriam: “Uma vez, eu disse a um amigo que, ao levar Sophia para a escola, parecia que a estava levando para o matadouro”.
“Ao longo dos meses, vi minha menina ficar cada vez mais com raiva e frustrada. Ela fingia estar bem fora de casa, mas, quando estava em casa comigo, entrava em crise”, diz Marilu.
“Eu não entendia porque tudo tinha de ser tão difícil. Brigava com ela quando insistia em escovar os dentes antes de colocar o pijama. Simplesmente não compreendia porque isso fazia diferença.”
Mesmo sabendo que Sophia estava sofrendo, Marilu diz que não conseguia evitar. “Tentei e falhei. Infelizmente, minhas emoções me levavam a agir de formas ruins. Talvez, se tivesse eu tivesse explicado (aos médicos) o que estava acontecendo por meio de fatos, em vez de sentimentos, poderíamos ter recebido um diagnóstico mais cedo”, diz Marilu.
‘Não há problema se você não se encaixar’
Alis diz que, até recentemente, “pessoas quietas que passam despercebidas”, pessoas que tendem a ser “esforçadas, agradáveis e bem educadas” não atraíam a atenção dos profissionais de educação e saúde.
Mas há uma mudança em curso mundo científico, e o viés de gênero está sendo lenta e progressivamente debatido.
“Se você quiser ajudar os portadores de TEA, leia e aprenda sobre autismo. Mesmo que você nunca receba um diagnóstico, saber sobre isso significa estar ciente das estratégias que pessoas autistas usam. Pode, literalmente, mudar sua vida”, diz Alis.
“Se você é autista e passou a vida inteira tentando se encaixar, comece a entender que não há problema em não se encaixar. Na verdade, você tem muitas habilidades e capacidades únicas. Se puder, transforme suas diferenças em algo que seja seu sustento”, diz Alis, que dirige o The Curly Hair Project, uma empresa que dá apoio a pessoas no espectro autista e a quem convive com elas.
Se você for o pai ou responsável por um autista, observe os interesses ‘diferentes’ da criança e aprecie a forma como eles vêem o mundo. Tenha em mente que o que pode ser fácil para você pode ser muito difícil para eles.
Sophia está feliz por finalmente ter um diagnóstico: “Estou aliviada, mas também um pouco preocupada. Não quero que meus colegas de classe saibam, porque não quero ser diferente, não quero que ninguém tire sarro de mim.”
Mas ela preferiria não ter sido diagnosticada? “Ah, não, isso tira um peso do meu coração.”