A Fiocruz Bahia vai realizar o primeiro estudo clínico da Fiocruz de terapias avançadas (com células-tronco do próprio indivíduo) aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com o objetivo de testar um tratamento para pacientes paraplégicos que sofreram trauma raquimedular.
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Campanha incentiva doação de dentes de leite para pesquisa
Dentes, sejam eles de leite, permanentes, restaurados, sadios ou até mesmo cariados, são muito valiosos e podem ser doados para ensino e estudos científicos. A Faculdade de Odontologia da USP (FOUSP), que já tem um banco de dentes, quer aumentar o número de doações com a campanha O Endereço da Fada do Dente, lançada recentemente para atender o Brasil todo.
A ideia é estimular o comportamento em relação aos dentes de leite, criando uma cultura de doação desde cedo nas crianças. Jogar o dente no telhado, deixá-lo debaixo do travesseiro para a fada recolhê-lo não deve ser mais opção: os dentes, que são órgãos, devem ser doados. E agora o endereço da fada, antes um segredo bem guardado, está revelado. “É simples, fácil e de graça”, destaca a campanha.
Apesar de a campanha da FOUSP ser voltada às crianças, no banco não há apenas dentes de leite. “Nós necessitamos também de dentes permanentes. Eles são relativamente mais difíceis de obter, porque ficamos na dependência de um fracasso na odontologia para que se extraia um dente e se possa usá-lo”, explica José Carlos Imparato, coordenador do BioBanco de Dentes da FOUSP, em entrevista à GALILEU.
O pesquisador conta que, devido à falta de doações ou ainda à ausência de bancos especializados, as faculdades recorrem a dentes artificiais para os estudos. “Para a pesquisa isso é muito complicado, pois se precisa de um dente com a estrutura exata que ele tem. Mas existem pesquisas com dentes de animais, especialmente com dentes de bovinos”, afirmou.
Segundo Imparato, os dentes do siso, que são extraídos pela maioria das pessoas, são os permanentes mais recebidos no banco da FOUSP. Quando as doações chegam, eles são armazenados em água em geladeiras. Depois, são avaliados para saber como podem ser aproveitados.
“As pessoas acham que um dente restaurado ou um dente cariado não serve para a gente, mas para nós todos servem: nós podemos fazer capacitação e pesquisa com dentes cariados para se saber como melhor se remove o tecido cariado. Hoje já não se remove mais esse tecido como se removia antigamente”, explica o pesquisador, que acrescenta que outra linha de estudos com as doações está voltada às células-tronco.
Independentemente do tempo, mesmo se estão guardados há anos, os dentes também podem ser doados para a avaliação, segundo Imparato. Mas, se o dente é recente — por exemplo, um dente de leite que acabou de cair da boca de uma criança enquanto brincava em casa —, a recomendação é lavá-lo com água e sabão antes de entregá-lo para doação.
Para se inscrever para doar, basta acessar o site www.enderecodafadadodente.com.br e preencher um formulário. Após o cadastro, os futuros doadores recebem em casa uma carta-envelope, já selada (ou seja, não há custo para o envio), pronta para a doação dos dentes. A própria carta contém um termo de autorização obrigatório, que deve ser assinado por um adulto responsável.
Para incentivar os pequenos, o site da campanha tem ainda à disposição um livro ilustrado com uma historinha que explica todo o processo e a sua importância para a ciência. O download é gratuito.
Conheça outros bancos de dentes pelo Brasil:
Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) (SP)
Rua José Bonifácio, 1.193 — Vila Mendonça, CEP: 16015-050, em Araçatuba/SP.
Telefone: (18) 3636-3200
Banco de Dentes Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)
Telefone: (32) 2102-3871
E-mail: bancodedentes.odonto@ufjf.edu.br
Banco de Dentes Humanos da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) (BA)
Avenida Transnordestina, S/N – bairro: Novo Horizonte CEP: 44.036-900 – Feira de Santana- Bahia
Telefone: (75) 3161-8424
Universidade Federal de Santa Maria (RS)
R. Floriano Peixoto, 1.184 – sl. 114 – Santa Maria – RS – CEP 97015-372 – A/C Banco de Dentes
Telefone: (55) 3220-9268
Sucesso da terapia celular contra diabete depende da condição imune
Efeito terapêutico dura menos em pacientes cujo sistema imunológico ataca de forma agressiva o pâncreas, mostra estudo
Um método inovador para tratar o diabete tipo 1, baseado no transplante de células-tronco hematopoiéticas retiradas da medula óssea do próprio paciente, começou a ser testado no Brasil há 13 anos com resultados bastante heterogêneos. Enquanto alguns dos voluntários permanecem há mais de uma década livres das injeções de insulina, outros voltaram a usar o medicamento poucos meses após receberem o tratamento experimental.
Uma possível explicação para tamanha discrepância no desfecho clínico dos 25 pacientes incluídos no estudo foi apresentada em um artigo publicado na revista Frontiers in Immunology. Segundo os autores, a duração do efeito terapêutico foi menor justamente nos pacientes cujo sistema imunológico atacava de forma mais agressiva as células do pâncreas no período anterior ao transplante.
A pesquisa tem sido conduzida desde o início no Centro de Terapia Celular (CTC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp sediado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. Inicialmente liderado pelo imunologista Julio Voltarelli, morto em março de 2012, o trabalho segue sob a coordenação das pesquisadoras Maria Carolina de Oliveira Rodrigues e Belinda Pinto Simões.
“Como o diabete tipo 1 é uma doença autoimune, a proposta do tratamento é ‘desligar’ temporariamente o sistema imunológico com o uso de medicamentos quimioterápicos e, em seguida, ‘reiniciá-lo’ por meio do transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas, capazes de se diferenciar em todas as células sanguíneas”, explica Maria Carolina.
Segundo a pesquisadora, quando os sintomas do diabete tipo 1 se manifestam, cerca de 80% das ilhotas pancreáticas já foram danificadas. Se a agressão autoimune for interrompida nesse ponto, e as células residuais preservadas, o paciente consegue manter uma produção mínima, mas muito importante, de insulina.
“Estudos com animais e com pacientes portadores de diabete sugerem que, de seis a oito semanas após o diagnóstico, essa porcentagem de células produtoras de insulina diminui muito, chegando a quase zero. Então, foi estabelecido em nosso centro o limite de seis semanas para que o paciente comece o processo de transplante”, contou.
Inicialmente, foram incluídos 25 voluntários entre 12 e 35 anos. Na média, o efeito terapêutico durou 42 meses (3,5 anos), mas variou, de modo geral, entre seis meses e 12 anos (tempo máximo de seguimento até o momento). Três pacientes ainda continuam livres das injeções de insulina, sendo um deles há dez anos, outro há 11 anos e um terceiro há 12.
“Neste estudo mais recente, comparamos o perfil dos voluntários que ficaram livres de insulina por menos de 42 meses com o perfil daqueles que ficaram por mais de 42 meses. Foi nosso ponto de corte”, descreve a pesquisadora.
Diversas variáveis foram consideradas, como a idade dos pacientes, o tempo de espera entre o diagnóstico e o transplante, a dose de insulina que tomavam antes do tratamento e, após o transplante, o processo de recuperação dos vários tipos de célula de defesa.
“Em nenhum desses fatores observamos diferença significativa entre os grupos. A única variação relevante foi o grau de inflamação do pâncreas antes do transplante.”
Essa descoberta se tornou possível graças à colaboração com o pesquisador holandês Bart Roep, diretor da Divisão de Doenças Autoimunes do Centro Médico da Universidade de Leiden. Após analisar amostras de sangue dos 25 pacientes colhidas antes do tratamento e a cada ano após o transplante, Roep conseguiu quantificar isoladamente os linfócitos T autorreativos – um tipo de glóbulo branco capaz de reconhecer e atacar especificamente as proteínas secretadas pelas ilhotas pancreáticas.
“Esse método nos permite avaliar o quanto o sistema imune estava agredindo o pâncreas. E foi possível observar uma associação clara entre um maior número de linfócitos autorreativos no pré-transplante e uma pior resposta ao tratamento”, afirma Maria Carolina.
Nova abordagem
No grupo de pacientes que respondeu bem, conta a pesquisadora do CTC, a terapia celular foi capaz de reequilibrar o sistema imune graças ao aumento na proporção de linfócitos T reguladores (T-reg), um tipo de glóbulo branco com papel imunossupressor e que, portanto, ajuda a combater a autoimunidade.
“Já nos pacientes que possuíam maior quantidade de linfócitos autorreativos antes do transplante, esse equilíbrio não ocorreu. Mesmo havendo um aumento na quantidade de T-reg com o tratamento, os linfócitos autorreativos continuaram a sobressair. O que ainda não sabemos é se são células novas, que se diferenciaram a partir das células-tronco transplantadas, ou se são sobras de linfócitos autorreativos que não foram destruídos pela quimioterapia e voltaram a se multiplicar”, diz Maria Carolina.
Dados da literatura científica indicam que a segunda hipótese é a mais provável e, por esse motivo, o grupo do CTC iniciou um segundo grupo de estudo no qual os pacientes estão sendo submetidos a uma quimioterapia mais agressiva. O objetivo é evitar que permaneça no organismo qualquer resquício dos linfócitos T autorreativos.
“Quatro pacientes já foram transplantados. Dois deles estão livres de insulina e dois ainda usam o fármaco, mas com dose reduzida. Ainda é cedo para avaliar se o novo protocolo é mais eficaz que o anterior”, avalia a pesquisadora.
Somente pacientes com mais de 18 anos estão autorizados a participar do novo estudo, pois o risco relacionado à quimioterapia é considerado mais elevado que o do protocolo anterior.
“Precisamos agora mostrar que o método é seguro para poder incluir pacientes mais jovens, que representam a grande maioria dos portadores de diabete do tipo 1”.
Também conhecida como diabete juvenil ou insulino-dependente, a doença atinge cerca de 1 milhão de pessoas no Brasil e corresponde a, no máximo, 10% dos casos de diabete. Porém, é considerado o tipo mais grave.
Karina Toledo / Agência Fapesp
Pesquisa com células-tronco e animais busca entender o vírus zika
Pesquisadores estão usando células-tronco e animais, como camundongos e macacos, para tentar entender como o vírus zika afeta as células nervosas do cérebro humano. Os experimentos estão sendo feitos por uma rede de estudiosos, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A coordenação é do professor Paolo Marinho de Andrade Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). “Tentamos entender o que está acontecendo no cérebro. Estamos usando modelos com camundongos e um modelo humano de microencéfalo, que são células-tronco modificadas, reprogramadas em laboratório, em uma condição na qual elas se desenvolvem tridimensionalmente em uma estrutura parecida com um microencéfalo”, disse o professor.
As estruturas feitas a partir das células-tronco são infectadas pelo vírus zika e, então, analisadas. Nos experimentos também estão sendo infectadas células de origem nervosa de insetos e de macacos. “Estamos começando a analisar o que que o vírus faz”, disse. Outro importante objetivo do grupo é desenvolver um teste rápido para a identificação da doença.
Dados do Ministério da Saúde mostram que já foram notificados 3.174 casos suspeitos de microcefalia relacionada ao vírus zika em recém-nascidos no País. Pela primeira vez, está sendo investigado um caso no Estado do Amazonas.
As notificações estão distribuídas em 684 municípios de 21 unidades da federação. Também estão em investigação 38 óbitos de bebês com microcefalia, possivelmente relacionados ao vírus zika.
Apoio – O grupo de pesquisadores brasileiros recebeu, nesta semana, o auxílio de estudiosos do Instituto Pasteur, de Dakar, no Senegal, que também desenvolvem testes rápidos para a detecção do zika. “Eles têm alguns testes que estão, inclusive, bem desenvolvidos. O problema é que, mesmo os testes que eles trouxeram para cá e que estamos usando, só podem ser usados em um contexto de pesquisa. Não existe produção suficiente para se disponibilizar os testes para a população, em geral.”
Segundo Zanotto, depois que os testes rápidos forem validados em laboratório, serão disponibilizados para o Instituto Butantan, que os desenvolverá em grande escala. “É importante fazer primeiro a validação em laboratório e depois passar a tecnologia para o Butantan. Aí eles fazem o que se chama scale up [aumento de escala]. Durante a pesquisa básica, a gente não está em ponto de fazer isso ainda.”
Em dezembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta reconhecendo a relação entre o aumento dos casos do vírus e o crescimento dos casos de microcefalia e da síndrome de Guillain-Barré no Brasil.
Zanotto explicou que o Zika é um agente que infecta principalmente animais, como macacos e mosquitos, mas pode ser transmitido para humanos. O vírus é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, mesmo transmissor da dengue da febre chikungunya.
Células-tronco ajudam a entender evolução do cérebro de primatas
Entender o que ocorreu durante o processo evolutivo que conferiu ao cérebro humano poder cognitivo superior ao dos demais primatas é o objetivo de um grupo de pesquisadores do Salk Institute for Biological Studies, dos Estados Unidos.
Com auxílio da tecnologia que permite criar células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês) a partir de células da pele e depois transformá-las em neurônios, os cientistas do grupo, liderados por Fred Gage, estão comparando o padrão de expressão dos genes no cérebro de humanos com o de seus parentes evolutivos vivos mais próximos: chimpanzés e bonobos. Também estão investigando como isso se reflete no desenvolvimento das células cerebrais.
Resultados preliminares foram apresentados pela brasileira Maria Carolina Nasser Marchetto, ex-bolsista da FAPESP que desde 2005 integra a equipe do Salk Institute, durante o evento “Advanced Topics in Genomics and Cell Biology”, realizado entre os dias 4 e 6 de agosto na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com apoio da FAPESP.
Em entrevista à Agência FAPESP, Marchetto afirmou que os conhecimentos gerados por esse tipo de estudo podem ajudar a identificar os genes importantes para a cognição, que seriam alvos terapêuticos para doenças como autismo, esquizofrenia e Alzheimer.
Agência FAPESP – Que pesquisa você apresentará neste evento?
Maria Carolina Nasser Marchetto – O projeto usa a tecnologia IPS para entender quais são as diferenças entre nós, humanos, e nossos parentes evolutivos mais próximos ainda vivos – os chimpanzés e os bonobos. Em vez de usar essa tecnologia para responder a dúvidas sobre uma doença, tentamos responder a dúvidas sobre a evolução.
Agência FAPESP – Que tipo de dúvidas?
Marchetto – Sob o ponto de vista da conservação genética, somos muito parecidos. Há cerca de 98% de semelhança entre o genoma humano e o de primatas não humanos. A pergunta que tentamos responder é: o que nos torna diferentes? Como somos neurocientistas, acreditamos que grande parte dessa diferença esteja no cérebro, uma vez que a fisiologia dos demais órgãos é muito conservada nos mamíferos. Estudos que comparam cérebros de humanos e de chimpanzés apontam para diferenças em relação ao número de neurônios, aos tipos de neurônios existentes e ao grau de arborização dos dendritos. Algumas estruturas presentes no cérebro dos humanos não estão no de chimpanzés, principalmente no córtex. Como a área de Broca, ligada à linguagem. Então nossa ideia é comparar a morfologia e o funcionamento de neurônios humanos com a de neurônios de chimpanzés e bonobos – em ambos os casos os neurônios são obtidos com a tecnologia IPS. É um projeto exploratório, cuja ideia inicial é investigar o que existe de diferente entre esses dois sistemas.
Agência FAPESP – E quais os resultados até o momento?
Marchetto – Ainda na fase de pluripotência – antes de induzir a diferenciação em células progenitoras – já vimos diferença na expressão de duas proteínas: a APOBEC-3B e a PIWIL2. Esses dois fatores, que atuam como freios que limitam o pulo de elementos móveis no genoma – também chamados genes saltadores –, estão aumentados nas IPS humanas. Isso significa que humanos têm controle maior na mobilização de elementos geradores de variabilidade genética. Já em chimpanzés e bonobos essas proteínas estão pouco expressas e, portanto, eles têm um genoma mais variado geneticamente. Ou seja, se compararmos dois chimpanzés de regiões vizinhas na África, eles terão mais diferenças genéticas entre si do que eu, na América, e uma pessoa da África. Publicamos em um artigo na Nature a hipótese de que para a evolução cultural humana acontecer nós abrimos mão de um excesso de evolução genética. Ou seja, durante o processo evolutivo, o genótipo humano foi ganhando variabilidade até um momento em que se atingiu um ponto ideal e, então, surgiram mecanismos para conter a evolução genética e, paralelamente, começou a acontecer a evolução cultural.
Agência FAPESP – Vocês já chegaram ao ponto de induzir a diferenciação em neurônios e comparar células humanas com as de primatas não humanos?
Marchetto – Sim. Partimos da premissa de que se há 98% de similaridade entre humanos, chimpanzés e bonobos, haverá um ou outro gene codificador de proteína diferente, mas não serão muitos. A grande diferença estaria na dinâmica de expressão dos genes. Estudos feitos com tecido cerebral post-mortem mostraram que os genes expressos no córtex pré-frontal em humanos e chimpanzés são muito parecidos durante os primeiros anos de desenvolvimento. Ao que tudo indica, a expressão de vários genes começa mais cedo em chimpanzés e vai diminuindo com o tempo, enquanto em humanos ela tem início mais demorado, mas continua evoluindo e os neurônios continuam a adquirir características de maturidade por mais tempo. Nós estamos investigando por meio de experimentos in vitro e in vivo como isso ocorre.
Agência FAPESP – De que forma?
Marchetto – Transplantamos células progenitoras de neurônios humanos e de chimpanzé no cérebro de camundongos e avaliamos o estágio de desenvolvimento dos neurônios após duas, quatro, seis, oito, 19 e 26 semanas. Comparamos, ao longo do tempo, características morfológicas que demonstram o grau de maturidade, como o tamanho do corpo da célula, o comprimento do dendrito e o grau de arborização. Olhamos também para a densidade de spines, que são os locais onde ocorre a liberação de neurotransmissores – o que permite a comunicação entre os neurônios. Quanto mais maduro é o neurônio, maior é o número de spines. As análises feitas na segunda semana revelaram que o neurônio humano está menos desenvolvido que o do chimpanzé. Entre a sexta e a oitava semana a relação começa a se inverter. Os neurônios de chimpanzé permanecem no estágio de desenvolvimento em que estavam, às vezes até regridem, enquanto as células humanas continuam se desenvolvendo até a 26ª semana.
Agência FAPESP – E quais são os resultados in vitro?
Marchetto –Acabamos de receber os resultados dos testes e ainda vamos analisar. Mas estamos olhando a expressão de RNA mensageiro – que é o que vai dar origem às proteínas – para ver se há diferença. In vitro é mais difícil analisar por um período prolongado, pois os neurônios não têm suporte suficiente para sobreviver até 26 semanas. Mas conseguimos chegar até oito semanas. Também é mais difícil avaliar morfologia in vitro porque temos uma salada mista celular. Já in vivo estamos comparando apenas os neurônios piramidais do córtex.
Agência FAPESP – Qual é o passo seguinte?
Marchetto – Esses dados preliminares abrem diversos caminhos a serem investigados. Na parte de células pluripotentes, por exemplo, pretendemos descobrir por que aquelas duas proteínas estão menos expressas em chimpanzés e bonobos. O que está regulando esse processo? Também estamos estudando células de um grupo de pacientes brasileiros descoberto recentemente que apresentam uma mutação e não expressam a proteína APOBEC-3B. Vamos criar células IPS desses pacientes para estudar o que acontece com esses elementos móveis do genoma sem essa proteína.
Agência FAPESP – Que tipos de benefícios esse conhecimento sobre a diferença entre cérebro humano e de primatas não humanos pode oferecer?
Marchetto – Se conseguirmos entender como ocorreu a evolução e quais são as diferenças entre humanos e chimpanzés, fica mais claro quais são os genes importantes para a cognição. Isso ajuda a identificar alvos terapêuticos para doenças que afetam a cognição. É um conhecimento de ciência básica que facilita, por exemplo, o processo de desenvolvimento de novas drogas.
Agência FAPESP – Além disso, vocês utilizam a tecnologia de células IPS para estudar as doenças que afetam o cérebro?
Maria Carolina Nasser Marchetto – A grande dificuldade que enfrentamos ao estudar doenças neurodegenerativas, neuropsiquiátricas ou doenças do desenvolvimento – como autismo – é não saber com exatidão qual é a mutação envolvida. Isso dificulta, por exemplo, a criação de modelos animais para estudo de mecanismos ou para testes de novas drogas. Mas a tecnologia IPS permite usar células do próprio paciente como modelo de estudo e, portanto, a mutação certamente estará presente – ainda que não saibamos aonde. Pegamos uma célula da pele do paciente, induzimos a pluripotência e depois a diferenciação em célula progenitora de neurônio e, em seguida, neurônio. Isso permite, por exemplo, comparar neurônios de um grupo de voluntários com uma forma grave de autismo – pacientes que não falam e que têm o cérebro aumentado ao longo do desenvolvimento – com células de um grupo controle, considerado neurotípico.
Agência FAPESP – Quais características são comparadas?
Marchetto – O número de conexões de cada neurônio, o número de divisões celulares e o padrão de comunicação neuronal são alguns exemplos.
Sangue artificial deve começar a ser testado em humanos até 2016
Cientistas britânicos querem começar a testar sangue artificial pela primeira vez em humanos nos próximos três anos.Eles planejam iniciar a primeira fase de testes com voluntários no final de 2016 ou no início de 2017.As células-tronco são aquelas capazes de se transformar em qualquer outra célula do corpo humano. Muitos estudiosos apostam nelas como a chave para a cura de inúmeras doenças.
Cultivadas em laboratório, as células sanguíneas poderiam ser, assim, usadas para transfusões, evitando uma série de problemas comumente observados nesse processo, como o risco de transmissão de infecções, a incompatibilidade com o sistema imunológico do receptor e a possibilidade de excesso de ferro no sangue do doador.
Além disso, se for bem sucedido, o projeto permitirá aumentar a oferta de sangue disponível para transfusões.Muitos países do mundo, como o Brasil, sofrem com o estoque dos bancos de sangue, que, alimentados por doações públicas, são insuficientes para atender a crescente demanda pelo material.
Células-tronco podem ajudar a regeneração do nervo facial
“A expressão dos sentimentos pela face é uma das habilidades mais singulares do ser humano, o que torna a perda dos movimentos dessa musculatura bastante angustiante.” Com essas palavras, a médica Raquel Salomone sintetizou a motivação do estudo da regeneração do nervo facial por meio de células-tronco, com o qual obteve, no fim de 2012, seu título de doutora.
Enviado ao Congresso Mundial de Otorrinolaringologia, em Seul, na Coréia do Sul, o trabalho recebeu, em julho último, o prêmio Jovem Cientista, conferido pelo evento.
O estudo “Avaliação da regeneração do nervo facial de ratos após a implantação de células-tronco derivadas do estroma de medula óssea diferenciadas in vitro” foi orientado por Ricardo Ferreira Bento, professor titular do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), e contou com apoio da FAPESP.
A proposta foi buscar uma solução para a lesão do sétimo nervo do crânio, causada por traumas ou vírus, que têm como consequência a paralisia e a decorrente assimetria da face.
“Isso traz gravíssimos transtornos para a pessoa afetada, como a incapacidade de piscar o olho, o que pode ocasionar úlcera de córnea e cegueira; a impossibilidade de controlar as glândulas salivares e comer; a perda de sensibilidade do pavilhão auricular e do ouvido externo; além da deformidade estética, com todo o seu impacto psicológico”, disse Salomone à Agência FAPESP.
A reconstrução cirúrgica do nervo tem resultados limitados. Paralisia residual, hipotonia (diminuição do tônus muscular) e sincinesia (associação de movimentos involuntários aos movimentos voluntários) são algumas das sequelas.
“O que mais me instigou, e sinceramente ainda me tira o sono, foi constatar que, mesmo nas mãos dos melhores cirurgiões, os resultados eram tão insatisfatórios. Por que uns pacientes evoluíam bem e outros não? Por que os tratamentos existentes surtiam efeito para uns e não para outros? Eu queria poder fazer algo para ajudar. Foi isso que impulsionou meu estudo”, disse Salomone, que é supervisora do ambulatório de Paralisia Facial Periférica e médica otorrinolaringologista do Hospital das Clínicas da FM-USP.
Sabe-se de longa data que os axônios, que constituem os nervos, são revestidos por uma espécie de capa, formada pelas chamadas células de Schwann. São essas células que fornecem ao nervo todo o suporte de que ele necessita, como os fatores de crescimento, entre outros. A regeneração do nervo depende, portanto, criticamente dessa estrutura celular. O problema é que as células de Schwann são escassas no organismo. Para cobrir com elas um nervo lesionado, seria necessário descobrir outro.
“Pensamos em utilizar células-tronco para suprir essa lacuna. Como se sabe, as células-tronco podem virar qualquer tipo de célula, quando devidamente estimuladas. Então, nossa pesquisa foi investigar como as células-tronco, fazendo o papel de células de Schwann, poderiam favorecer a regeneração do nervo lesionado”, disse Salomone.
O estudo foi feito em modelos animais (ratos), submetidos a neurotmese. Esse procedimento consiste em cortar um pedaço do nervo e deixar um espaço intervalar entre as duas partes remanescentes. Trata-se do pior tipo de lesão que pode ocorrer, muito mais grave do que os casos clínicos predominantes. A ideia foi que se as células-tronco fossem eficazes nesse caso extremo, com mais motivo o seriam nas lesões usuais.
Os animais foram divididos em quatro lotes. No primeiro, as duas partes remanescentes do nervo seccionado foram ligadas por um tubo de silicone vazio; no segundo, o tubo foi preenchido com um gel acelular; no terceiro, com células-tronco não diferenciadas; e no quarto, finalmente, com células-tronco já diferenciadas em células de Schwann.
“Constatamos que todos os animais nos quais foram implantadas células-tronco (indiferenciadas ou já diferenciadas) tiveram melhora muito mais expressiva do que aqueles que receberam o tubo vazio ou o tubo preenchido apenas com gel. Confirmou-se, então, a nossa hipótese de que as células-tronco podem realmente contribuir para a regeneração do nervo”, disse Salomone.
Mas o experimento trouxe uma surpresa: as células-tronco indiferenciadas tiveram melhor desempenho do que as já diferenciadas. “A conclusão a que chegamos foi que isso se devia à presença do tubo de silicone. Por serem capazes de desempenhar múltiplas funções, as células de Schwann precisam de um maior substrato para sobreviver – o que foi dificultado pelo tubo. Já as indiferenciadas mostraram-se mais capazes de sobreviver e atuar em condições adversas”, disse Salomone.
O artigo resultante da tese foi publicado na revista Muscle & Nerve. A referência completa e o abstract podem ser acessados em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23824709.
Novos projetos
Natural de São Paulo, mas graduada em Medicina pela Universidade do Vale do Sapucaí (de Pouso Alegre, Minas Gerais), Salomone ingressou no Programa de Especialização de Cirurgia Otológica e Lateral de Crânio do HC da FM-USP após terminar a residência médica.
“O HC conta com um ambulatório especializado em paralisia facial periférica, criado pelo doutor Ricardo Ferreira Bento, que presta assistência multidisciplinar para cerca de 40 pacientes por semana. É, na área, o maior em número de atendimentos da América Latina e um dos maiores do mundo. Lá vivenciei diretamente o quão devastador pode ser uma paralisia facial na vida de um ser humano”, disse.
O próximo passo de Salomone, tema do pós-doutorado, é implantar células-tronco humanas nos animais submetidos a neurotmese. Se os resultados forem tão bons quanto o esperado, a etapa seguinte será o estudo clínico, com a adoção do procedimento em pacientes de cirurgia para reconstituição do nervo.