As interações existentes no processo de formação (biossíntese) do aminoácido selenocisteína foram desvendadas por uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. Ao contrário dos outros 20 aminoácidos existentes, a selenocisteína tem características incomuns: ela é sintetizada a partir de outro aminoácido (serina) e tem selênio em sua composição, um composto que possui duplo papel nas células, já que, em concentrações muito baixas, é um micronutriente essencial para a célula e, em concentrações mais altas, se torna uma toxina potente.
Em 2011, com o intuito de entender a biossíntese e incorporação desse aminoácido raro, Vitor Hugo Balasco Serrão e Ivan Rosa Silva, então alunos de mestrado e formandos da primeira turma do curso de Ciências Físicas e Biomoleculares do IFSC, sob a orientação do professor Otavio H. Thiemann e a parceria com Marco Tulio Alves Silva (pós-doutor do grupo), iniciaram estudos acerca das interações macromoleculares envolvidas na biossíntese da selenocisteína, utilizando como modelo o organismo Escherichia coli, bactéria que atua na regulação da flora intestinal.
Os pesquisadores demonstraram a existência de complexos proteicos responsáveis pelas etapas de reação envolvidas nessa biossíntese. Os resultados permitiram provar que duas proteínas (SelA e SelD) essenciais para a síntese de selenocisteínas interagem diretamente na fixação do selênio na molécula de RNA transportador (tRNA), transformando-o em selenocisteína. Deste modo, a célula evita a toxidez acarretada pela forma livre do selênio. Os resultados desses estudos foram descritos em dois artigos: Investigation of Escherichia coli Selenocysteine Synthase (SelA) Complex Formation Using Cryo-Electron Microscopy (Cryo-EM) , publicado em 2014 na revista científica Microscopy and Microanalysis, e Formation of a Ternary Complex for Selenocysteine Biosynthesis in Bacteria, publicado em 2015 no The Journal of Biological Chemistry (JBC).
Interações moleculares
Ao observar que há duas proteínas (SelA e SelD) que trabalham juntas nesse processo de conversão, Serrão mapeou as demais etapas dessa via de biossíntese, corroborando observações publicadas recentemente e revelando dados inéditos das interações moleculares necessárias para o funcionamento da via. Essa etapa do trabalho foi desenvolvida juntamente com os alunos de mestrado do IFSC Adriano Fernandes e Jéssica Fernandes, sob a orientação do professor Otavio Thiemann.
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Adriano Fernandes mapeou as regiões do RNA transportador específico para selenocisteína (SectRNASec) que interagem com as demais proteínas da via, descobrindo que o SectRNASec tem uma estrutura adicional responsável pelo reconhecimento do fator de elongação específico, SelB, uma das últimas proteínas participantes dessa via bioquímica. “Até então, na literatura científica não se sabia totalmente como esse tRNA era reconhecido por essa proteína”, explica ele.
Assim como Adriano, a pesquisadora Jéssica Fernandes elucidou, em seu projeto de iniciação científica, a dinâmica de interações entre as proteínas CsdB e SelD, envolvidas na etapa anterior da formação de selenofosfato. Os resultados são coerentes com a hipótese inicialmente proposta da necessidade de entrega direta de substratos/produtos nas reações enzimáticas, evitando a toxidez causada pelo selênio.
As contribuições dos pesquisadores permitem agora descrever cada etapa da via de biossíntese e como ela funciona, o que abrirá espaço para que futuros estudos possam comparar a evolução da biossíntese desse aminoácido em organismos mais complexos, como o dos seres humanos, que também consomem selênio através da alimentação: a castanha-do-pará, por exemplo, é rica em selênio, que, embora também seja essencial para o organismo humano, pode causar sérios riscos à saúde se for ingerido em altas quantidades.