O volume 18, número 3 da revista Ciência e Saúde Coletiva trata de um tema que vem sendo explorado há alguns anos pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência Jorge Carelli (Claves/ENSP): as condições de vida, saúde e trabalho dos profissionais de segurança pública. O editorial da publicação, assinado pela pesquisadora Edinilsa Ramos, aborda a saúde dos profissionais de segurança pública. A atual edição traz um debate com a coordenadora do Claves e editora da revista, Cecília Minayo, e mais de cinco artigos temáticos que abordam diversos aspectos do tema, entre eles: trabalho, estresse, sofrimento psíquico, percepção de risco e consumo de substâncias ilícitas.
A publicação conta com uma série de artigos que tratam da vulnerabilidade aos riscos, doenças e agravos físicos, estresse e sofrimento mental dos profissionais de segurança pública. Outros artigos discutem a subjetividade desses agentes, suas percepções e representações sobre si, suas práticas, vivências familiares e destacam, ainda, como as atividades profissionais afetam sua visão de mundo. A maioria das análises apresentada é fruto de pesquisas empíricas inéditas e, em menor parte, de aprofundamentos analíticos e comparativos.
No editorial, Edinilsa Ramos, que assina boa parte dos artigos publicados na edição, destaca que o tema Segurança Pública tem sido pouco abordado no âmbito da saúde pública brasileira, embora os índices de criminalidade e violência em geral sejam alarmantes e demandem cada vez mais gestão do conhecimento, inclusive de conhecimento em saúde desses trabalhadores, visando à melhor adequação possível entre suas condições de trabalho e sua qualidade de vida. Ainda segundo ela, essa temática tem sido tradicionalmente estudada muito mais pelas ciências sociais, cujo foco principal é a reconstrução da história das instituições policiais, seus vínculos com as elites dominantes e a insuficiência de suas ações para atender aos cidadãos.
“Os policiais, como pessoas e trabalhadores, até então foram muito pouco enfocados do ponto de vista acadêmico. Particularmente, na área da saúde do trabalhador, existe uma grande lacuna do conhecimento. Neste número temático, temos a oportunidade de imergir no mundo da Segurança Pública com foco nas condições de vida e saúde dessa categoria de trabalhadores, dando ênfase à sua elevada vulnerabilidade aos riscos, estresse e sofrimento mental. Ao dedicarmos um número específico da revista a um tema dessa natureza, adotamos o conceito ampliado de saúde e abordamos os problemas mais frequentes desses profissionais”, afirmou ela.
Estudos comprovam necessidade de políticas voltadas para a categoria
Dos sete artigos temáticos publicados no volume 18, número 3 da revista Ciência e Saúde Coletiva, seis são assinados por pesquisadoras do Claves/ENSP, entre eles: A identidade de policiais civis e sucessivos espelhamentos; Valorização profissional sob a perspectiva dos policiais do Estado do Rio de Janeiro; Sofrimento psíquico em policiais civis do Estado do Rio de Janeiro; Percepção do risco entre policiais civis de diferentes territórios do Estado do Rio de Janeiro; Estresse ocupacional em mulheres policiais; e Consumo de substâncias lícitas e ilícitas por policiais da cidade do Rio de Janeiro. Confira o resumo de cada um deles.
Assinado pela pesquisadora Edinilsa Ramos, o estudo A identidade de policiais civis e sucessivos espelhamentos analisou as percepções de policiais civis sobre sua identidade profissional e a instituição na qual atuam, bem como sua opinião acerca da imagem que a sociedade tem a respeito de sua atuação. Os resultados apontaram para uma imagem negativa que os policiais julgam que a sociedade tem sobre eles, o que implica e reforça uma desvalorização da profissão. “São necessárias ações que melhorem as condições de trabalho, o diálogo com as comunidades e promovam ações de saúde”, apontou a pesquisadora.
Com o objetivo de apresentar a visão dos policiais civis e militares do Rio de Janeiro sobre o tema de valorização humana e profissional, o artigo Valorização profissional sob a perspectiva dos policiais do Estado do Rio de Janeiro, assinado pela pesquisadora Cecília Minayo, buscou apresentar a visão a partir da teoria sociológica sobre papéis sociais e de propostas de administração de recursos humanos. O texto teve como parâmetro de análise cinco indicadores qualitativos de valorização: dignidade, realização, reconhecimento, segurança e perspectiva promissora.
No estudo Sofrimento psíquico em policiais civis do Estado do Rio de Janeiro, foi analisada a relação entre trabalho e sofrimento psíquico em policiais civis do Estado do Rio de Janeiro. Os dados foram obtidos a partir de questionário autopreenchido, aplicado a esses profissionais em três estudos distintos: capital, Baixada Fluminense e interior. Foram pesquisadas questões relativas ao perfil dos policiais, qualidade de vida, condições de saúde e de trabalho. A pesquisa, assinada por Edinilsa Ramos, Ana Elisa Bastos Figueiredo e Liana Pinto apontou que os profissionais da Baixada apresentam risco de sofrimento psíquico aumentado, e os do interior, diminuído.
O artigo assinado pelas pesquisadoras Adalgisa Peixoto, Patrícia Constantino e Bruna Correia intitulado Percepção do risco entre policiais civis de diferentes territórios do Estado do Rio de Janeirobuscou identificar a percepção de risco dos policiais civis do Estado do Rio de Janeiro a partir de suas áreas de atuação: capital, interior e Baixada Fluminense, analisando de forma comparativa a vitimização desses policiais. A pesquisa quantitativa investigou 533 policiais na capital; 159 no interior e 222 na Baixada Fluminense; a abordagem qualitativa contou com 17 entrevistas com delegados e 15 grupos focais nas três áreas. Os resultados indicaram que as percepções de risco dos policiais e as estratégias que usam para minimizá-los são características que os unem.
Em Estresse ocupacional em mulheres policiais foi analisado o estresse ocupacional em mulheres policiais militares do Rio de Janeiro partindo de uma abordagem qualitativa (entrevistas, grupos focais e observação) das percepções dessas mulheres sobre diferenças de gênero no trabalho policial, relação entre estresse ocupacional e problemas de saúde e estratégias para amenizar o estresse. Participaram da pesquisa 42 mulheres: oficiais e praças, profissionais operacionais e de saúde. Os resultados revelaram que as policiais relacionam o cotidiano do trabalho ao estresse, citam diversos sintomas e mostram como o relacionamento familiar é afetado. A pesquisa é assinada por Cecília Minayo, Patrícia Constantino e Claudia Bezerra.
Por fim, o artigo Consumo de substâncias lícitas e ilícitas por policiais da cidade do Rio de Janeiro investigou o consumo de substâncias psicoativas entre policiais civis e militares da cidade do Rio de Janeiro. Os resultados mostraram maior frequência de consumo regular de tabaco (23,3% dos civis versus 19,1% dos militares), de uso diário de bebida alcoólica (12% dos civis versus 11% dos militares) e de tranquilizantes no último ano (13,3% dos civis e 10,1% dos militares). O consumo de maconha envolveu 0,1% dos policiais civis e 1,1% dos militares, e o uso de cocaína entre os militares foi de 1,1%.
O consumo de álcool apresentou-se intenso acarretando problemas no trabalho e nas relações sociais e familiares desses policiais. “Ressalta-se a necessidade de políticas públicas preventivas às adições e à possível subestimação das informações sobre as substâncias ilícitas”, apontaram as pesquisadoras responsáveis pela elaboração do artigo, Edinilsa Ramos, Patrícia Constantino, Miriam Schenker e Bruna Soares Chaves.
A publicação conta ainda com mais de 20 artigos de tema livre. Acesse a revista on-line.