Revista HCS-Manguinhos aborda a corrida pela vacina e as desigualdades sociais

A disputada corrida pela vacina contra o novo coronavírus revela a importância da tecnologia na batalha contra a pandemia, mas, apesar dessa inegável relevância, uma mirada nas narrativas dos surtos epidêmicos registrados ao longo do tempo já mostrou que o combate às doenças precisa considerar fatores sociais e institucionais. O alerta abre a mais recente edição da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 27, n. 3, jul./set. 2020). Editada pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), a publicação já está disponível na íntegra no portal SciELO.

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0104-597020200003&lng=pt&nrm=iso

“Ter uma vacina seria notável, mas ela não pode ser uma substituição às políticas de prevenção e proteção dos grupos mais vulneráveis ao coronavírus e às medidas para assegurar a continuidade de todos os programas de saúde. A ênfase exagerada na vacina pode fazer esquecer os necessários programas de redução das desigualdades sociais que a pandemia multiplicou ou obscurecer as demandas por um urgente fortalecimento do SUS”, escreve o historiador Marcos Cueto, editor-científico da revista e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC-Fiocruz), no texto Covid-19 e a corrida da vacina.

A nova edição, observa Cueto, reúne estudos que demonstram a importância da história para a compreensão do presente. Enquanto o debate sobre questões de gênero e raça ganha cada dia mais destaque, o artigo sobre eugenia, sexo biológico e controle reprodutivo no primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia – de Anderson Ricardo Carlos, Fernanda Franzolini e Márcia Helena Alvim, todos da Universidade Federal do ABC – revela como, no passado, argumentos de base biológica foram usados para justificar as desigualdades sociais e culturais entre homens e mulheres, chamando atenção para a relevância de se combater o determinismo biológico.

Em Saúde, ciência e desenvolvimento: a emergência da leishmaniose tegumentar americana como desafio médico-sanitário no Amazonas, Claudio de Oliveira Peixoto, da Fiocruz Amazonas, detalha o surgimento doença, na década de 1970, no contexto dos principais projetos de desenvolvimento. Apesar dos avanços na produção do conhecimento sobre a infecção, ela segue causando surtos repetidos e dificilmente controláveis, reflexo também das condições precárias de vida das populações vulneráveis. Dos cerca de 12 milhões de infectados por leishmanioses no mundo (cutânea e visceral), o Brasil é o país mais afetado.

Em nome do ideal de ciência aberta, contemplado nos novos critérios de publicação da SciELO, o artigo de Eric Carter (Macalester College, EUA) e Marcelo Sánchez (Universidad de Chile), sobre a história da medicina social chilena, vem acompanhado por duas cartas que questionam, comentam ou respondem às críticas. Uma delas, escrita pelo sanitarista norte-americano Howard Waitzkini, professor emérito da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos.

A publicação aborda também, entre outros temas, as febres e a saúde pública no Brasil no século 19 (Ricardo Cabral de Freitas, pós-doc na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz); a presença de Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland no Brasil oitocentista (Karen Macknow Lisboa, da Universidade de São Paulo) e a origem da pesquisa qualitativa em ciências sociais no Brasil (Maria Cecília de Souza Minayo, pesquisadora emérita da Fiocruz).

Completam a edição resenha das obras Pasteur’s empire: bacteriology and politics in France, its colonies and the world, de Aro Velmet; La psiquiatría más allá de sus fronteras: instituciones y representaciones en el México contemporâneo, de Andrés Rios Molina (Coord.); e Renato Kehl e a eugenia no Brasil: ciência, raça e nação no período entreguerras, de Vanderlei Sebastião de Souza.