Pesquisa realizada na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto aponta que homens que dialogam menos têm mais tendência a cometer agressão contra a parceira
Homens que dialogam menos com as mulheres tendem a cometer algum tipo de agressão contra a parceira, revela pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.
De acordo com os resultados do estudo, a violência doméstica cometida por homens está relacionada com os aspectos cognitivos do indivíduo, como, por exemplo, a capacidade de se expressar verbalmente e o controle da impulsividade. “Na análise, observamos que os que não cometiam atos agressivos apresentaram nível mais elevado dessas habilidades cognitivas”, diz Leonardo Naves dos Reis, autor da pesquisa.
Foi avaliado o relacionamento de 31 casais em que a esposa constava em registro policial como vítima de violência cometida pelo parceiro e de 31 casais que, de acordo com suas próprias percepções, afirmaram ter uma relação harmoniosa.
Olhar para o homem agressor
Naves dos Reis analisou os relatos não só das vítimas, mas também dos agressores. “Existe a necessidade urgente de olhar para a figura do homem agressor, por entendermos que, olhando apenas para as vítimas, não será possível pensar soluções eficazes para a violência contra a mulher”, afirma o pesquisador.
Para a pesquisa, foram consideradas como agressões sofridas pelas mulheres a psicológica, a física, a sexual e, ainda, agressões com lesão, que foram divididas em dois subtipos, leve e grave. O que chamou a atenção do pesquisador foi que as agressões psicológica e física leves eram mais adotadas pelos casais violentos, no entanto, entre os casais ditos como harmoniosos, também foi constatada a presença dessas agressões. “A partir desse fato concluímos que talvez isso aconteça em razão da forma como a sociedade percebe a violência. As condutas que são descritas como violência de natureza leve, para muitos, provavelmente não são consideradas violentas.” Para exemplificar, o pesquisador diz que é descrito como conduta violenta o ato de gritar com o parceiro, o que, muitas vezes, não é considerado como uma forma de agressão por determinados casais. “Esses casais acabam afirmando que mantêm relação harmoniosa, mesmo praticando essas condutas”, revela.
O pesquisador relata que as mulheres de ambos os grupos eram adeptas da “negociação pacífica”, ou seja, elas tentam conversar com o parceiro para resolver os problemas. Já quando esse aspecto foi analisado nos homens, apenas aqueles nos casais não violentos faziam uso dessa conduta com mais frequência.
Aspectos sociodemográficos
Em relação às condições sociais e demográficas dos casais, diz Naves dos Reis, várias diferenças foram constatadas. Os casais harmoniosos apresentaram uma condição social mais elevada e maior nível de escolaridade e instrução do que os casais violentos. Quanto ao uso do álcool, nos dois grupos é grande o número de casais com riscos relacionados ao uso dessa substância.
Além disso, notou-se que tanto os homens quanto as mulheres das relações não violentas exercem mais as práticas religiosas. A partir desse dado, o pesquisador considerou duas hipóteses. Na primeira, ele questiona se isso acontece pelo fato de a prática religiosa despertar sentimentos de amor e paz nas pessoas, contribuindo, assim, para que estas tenham uma relação mais harmoniosa. Na segunda, ele considera que, culturalmente, a religião prega o papel da submissão para a mulher e, desta forma, a violência somente não acontece porque a esposa aceita a condição de ser submissa ao marido.
Educação infantil como forma de prevenção
Para reverter o quadro atual de violência doméstica, diz o pesquisador, a educação inicial, a que se dá nas primeiras fases do ensino, continua sendo o melhor caminho. “As etapas iniciais de socialização e educação são muito importantes para o bom desenvolvimento das habilidades cognitivas relacionadas ao bom diálogo e raciocínio adequado, e também na formação da ética e da moral da criança, habilidades estas que vão refletir futuramente.”
Para Naves dos Reis, chega a ser redundante dizer isso, uma vez que o tema educação há tempos é destacado como crítico na sociedade brasileira. “No entanto, é preciso destacar que essas ações de longo prazo consistem em investir especialmente nos níveis iniciais de educação, investir na formação de nossas crianças”, alerta.
O pesquisador lembra que suas considerações são baseadas apenas na amostra de pessoas que fizeram parte do estudo. Futuramente, diz, serão realizadas outras pesquisas voltadas a essa temática para que o fenômeno da agressão possa ser compreendido em maior escala.
No Brasil, a cada sete minutos é feita uma denúncia de violência contra a mulher e, nos dez primeiros meses de 2015, foram registrados 63.090 casos, de acordo com os dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). O número para denunciar casos de violência doméstica contra a mulher é o 180.
A tese Violência doméstica e aspectos cognitivos do agressor: análise quantitativa foi orientada pela professora Zeyne Alves Pires Scherer e defendida em outubro de 2016.
Stella Arengheri, de Ribeirão Preto
Mais informações: leonareis1@hotmail.com