Refletindo sobre os determinantes sociais da saúde

O diretor do International Institute for Society and Health e professor de Epidemiologia e Saúde Pública da University College, de Londres, Michael Marmot, participou do segundo dia de debates da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, que terminou nesta sexta-feira (21/10), no Rio de Janeiro. Marmot dividiu a mesa com o coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz e coordenador da conferência no Brasil, Paulo Buss. O tema foi Reflexões sobre Determinantes Sociais da Saúde e a discussão foi mediada pelo ministro das Relações Sociais, de Saúde e da Família da Hungria, Mihaly Kökény, e teve a participação da professora Ilona Kickbush, da Suíça.

Marmot falou de suas expectativas em relação à conferência. "Depois deste encontro no Rio, temos de nos apoiar, criar uma rede de suporte mútuo", afirmou. O diretor espera um compromisso dos mais de 100 países representados no encontro para incluir o tema dos determinantes sociais da saúde na agenda da Organização das Nações Unidas (ONU). O enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (hipertensão, diabetes, câncer e doenças respiratórias) foi pauta da conferência de alto nível da ONU, realizada em setembro e acompanhada por autoridades e chefes de Estado de 193 países.

Foi a terceira vez que a Assembleia da ONU incluiu em sua pauta o tema saúde. Nas duas reuniões anteriores, foram discutidas ações para enfrentar a poliomielite e a Aids. Considerando-se um "otimista baseado em evidências", Marmot espera mobilização para o tema dos determinantes sociais da saúde. "Se alguém sair daqui e disser: temos de fazer as coisas de forma diferente, dentro do contexto dos determinantes sociais da saúde, isso significa muito", afirmou.

Crise econômica

Paulo Buss reforçou a importância de os governos se comprometerem a enfrentar as desigualdades. "Não vamos reduzir as iniquidades em saúde se não reduzirmos as iniquidades sociais", disse. "Para discutir determinantes sociais de saúde temos de colocá-los numa perspectiva política", afirmou. Buss falou da crise financeira mundial, tema que surgiu como grande preocupação em vários debates ao longo da conferência. "Não podemos desconhecer a crise econômico-financeira que pode ampliar as iniquidades. É uma crise de modelo. Não vamos conseguir manter o sistema de produção e consumo tal como existe hoje", disse.

Em debate na véspera, no painel O papel do setor da saúde, incluindo os programas de saúde pública, na redução das desigualdades, a diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, também externou o temor das consequências da crise, já que é comum os governos reduzirem o orçamento da área de saúde e de programas sociais. "O mais importante é saber que as crises impulsionam mudanças, e a saúde tem a vantagem de ser um barômetro", comparou.

Margaret ressaltou a necessidade de sistemas de mensuração para avaliar a saúde das populações e informou que 86 países ligados à OMS, que representam 85% da população mundial, não têm sistemas de causa de mortalidade. "Precisamos saber o que estamos medindo e em que estamos investindo", afirmou. A diretora-geral da OMS falou rapidamente como a abertura econômica de seu país, a China, com a adoção de modelos privatistas de saúde, desestruturou o princípio de direito universal à saúde até então vigente no regime socialista. "A ninguém deve ser negado atendimento. Temos de garantir justiça social e equidade", afirmou.

Compromisso social

Michael Marmot debateu com Paulo Buss as consequências da crise econômica para as populações. "Conversei com muitos economistas. Aparentemente, se dividem em duas linhas: os que preconizam cortar o déficit para conseguir crescimento econômico, e os que acham que tem de haver desenvolvimento para cortar o déficit. Ambos parecem não estar certos", afirmou. "Perguntei: O que vocês fazem na universidade? Vejam as políticas econômicas em relação ao impacto na vida das pessoas", disse.

Paulo Buss também expressou sua preocupação com medidas de ordem econômica descoladas das consequências sociais. "Tomou-se dinheiro do contribuinte para socorrer o mercado financeiro. Agora, a crise é dos Estados nacionais?", questionou. A conexão das questões ambientais com os determinantes sociais da saúde foi citada por Buss. "O ambiente não é natural, é totalmente construído socialmente", pontuou.

Durante o debate, Marmot falou das habilidades necessárias para um ministro da Saúde. "A primeira é colocar nossa casa em ordem, garantir o acesso equitativo e sobretudo a prevenção primária", afirmou. A segunda qualidade é ser um bom defensor da manutenção e ampliação das ações em saúde dentro do próprio governo. "É preciso fazer advocacy", defendeu. Por fim, é necessário que o ministro tenha conhecimento e informações mensuráveis da área para propor diretrizes de ação.

Monitoramento na pauta da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde

Lembrando que o que é medido de fato é executado – e quando uma pessoa não é contada, não é levada em consideração na hora em que é preciso tomar decisões -, o professor da Universidade College London, Michael Marmot, conduziu, na manhã da quinta-feira (20/10), a sessão da Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde, que teve como tema Medição, monitoramento e integração de dados em políticas.

Destacada para explicar a importância do tema, a professora da Universidade Americana do Cairo, Hoda Rashad, apontou a necessidade de buscar novos caminhos. "O que temos hoje são algumas medidas relacionadas, por exemplo, à mortalidade e natalidade, estratificações como local de moradia, gênero, educação. Mas temos de ir além disso para que muitas das desigualdades que hoje são invisíveis na sociedade comecem a aparecer", disse.
Para a pesquisadora, os dados podem ser mais bem analisados. "Hoje conhecemos a magnitude de certas iniquidades. Por exemplo, que os pobres estão piores que os ricos, que os moradores das áreas rurais estão piores que os da área urbana. No entanto, não sabemos como certos grupos – trabalhadores informais, pessoas de certas etnias – estão". De acordo com Rashad, outro problema é que, hoje, não há uma conexão entre os dados e as políticas sociais.

A ministra da Saúde e Serviços Sociais da Finlândia, Maria Guzenina-Richardson, participou da sessão com o papel de mostrar o exemplo de um país que encontrou a receita para fazer medições, monitoramentos e integrações de dados em saúde. "Temos institutos importantes para coletar informações que resultam em bons dados e fazemos monitoramento regional da saúde", disse. Richardson contou que, na Finlândia, vigora um sistema descentralizado em que os municípios têm autonomia e poder. "Cabe aos municípios monitorar sua população e fazer frequentes relatórios sobre o bem-estar, além de relatar ações e criar planos estratégicos a respeito da saúde", disse.

Ao afirmar que o Marrocos, nos últimos três anos, conseguiu reduzir em 50% a mortalidade materna, o ministro da Saúde do país, Rahhal El Makkaoul, atribuiu o resultado não só ao estabelecimento de monitoramento e acompanhamento do sistema de saúde, mas também à participação de organizações não governamentais e da sociedade civil, bem como à vontade política. "É preciso ter medição, monitoramento e participação. O fato de comunicar a informação fez com que, no Marrocos, fosse possível se ter avanços, como no caso da mortalidade materna, em que passamos, em três anos, de 227 óbitos em 100 mil nascimentos a 100 óbitos para 100 mil nascimentos, e nossa meta para 2012 é chegar a 50 óbitos para 100 mil nascimentos".

Rahhal El Makkaoul listou ainda outras iniciativas, como oferecer, pela primeira vez no país, partos gratuitos para a população, a orientação para que as mulheres permaneçam quarenta de oito horas no hospital após o parto e a instalação de um sistema de atendimento médico de urgência. Já a ministra da Saúde da Espanha, Carmen Amela Heras, em sua fala, apresentou as ações que seu país tem desenvolvido em relação aos cerca de 1,5 milhão de ciganos que vivem lá. "O censo da saúde passou a incluir a população cigana, o que antes não acontecia. Com isso, pudemos perceber que essa parcela da população apresentava indicadores piores que a população em geral", explicou, acrescentando que, embora o sistema espanhol seja universal, foi possível perceber que havia barreiras ao acesso dos ciganos à assistência de saúde, por discriminação do próprio serviço. "Se, na população em geral, o acesso a vacinas é de 97%, entre os ciganos, a cobertura era menor."

O painel Medição, monitoramento e integração de dados em políticas foi encerrado com rodadas de questões e comentários da plateia. Aproveitando a intervenção da epidemiologista Nancy Krieger, da Escola de Saúde Pública de Harvard, a professora associada da Universidade de Auckland, Papaarangi Reid, lembrou que, apesar de sua importância, os dados não contam histórias: as pessoas é que contam. "É importante reconhecer que os dados não são o final da história."

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