Projeto busca integrar equipes de saúde e famílias com crianças e gestantes

Um grupo de profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) que atua em seis Unidades Básicas de Saúde (UBSs) na zona oeste de São Paulo começou a participar, em 2013, de oficinas de capacitação com o intuito de melhorar o cuidado à saúde e o desenvolvimento de crianças de até 3 anos pertencentes a 4,5 mil famílias atendidas na região.

Eles fazem parte do projeto “Promoção de melhorias na atenção primária à saúde com foco no desenvolvimento infantil: fortalecendo os profissionais e as famílias”, realizado por pesquisadores da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), com apoio da FAPESP, no âmbito do acordo com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV).

Alguns resultados do estudo foram apresentados no dia 13 de março durante o I Seminário de Pesquisas sobre Desenvolvimento Infantil, realizado na FAPESP.

“O objetivo do nosso projeto é tirar o foco da doença e colocá-lo na saúde da criança, com base nas necessidades e competências das famílias”, disse Anna Maria Chiesa, professora da EEUSP e coordenadora do projeto, durante sua palestra.

De acordo com Chiesa, a puericultura – especialidade da pediatria voltada ao acompanhamento integral do processo de desenvolvimento da criança – tem perdido espaço entre os profissionais do sistema público de saúde e entre as famílias para uma prática mais voltada à atenção de queixas de problemas.

Isso porque de um lado as famílias passaram a procurar mais os serviços de atendimento público à saúde quando a criança manifesta algum problema e a faltar nas consultas agendadas de acompanhamento, chamadas de “consultas do sadio”.

Por outro lado, segundo Chiesa, há falta de interesse dos profissionais em monitorar o desenvolvimento infantil, expresso no baixo número de registros nos prontuários médicos sobre o desenvolvimento das crianças atendidas nas UBSs.

“Os profissionais observam o desenvolvimento da criança, mas não dão valor a esses indicadores a ponto de registrar o que observaram durante o atendimento no prontuário médico”, avaliou. “Todos os indicadores de saúde e desenvolvimento infantil no Brasil são voltados para a doença.”

O problema, segundo Chiesa, é agravado pela falta de tecnologias para instrumentalizar os profissionais a fim de, não apenas avaliar o estado de saúde das crianças atendidas, mas capacitar seus familiares a adotar comportamentos e atitudes promotoras do desenvolvimento infantil.

Capacitação profissional

Em 2001, os pesquisadores da EEUSP começaram a implementar, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e com outras instituições, um projeto-piloto intitulado “Nossas crianças: janelas de oportunidades”.

O objetivo do projeto foi engajar equipes de profissionais da ESF – nova nomenclatura do Programa Saúde da Família (PSF) – a promover o desenvolvimento de crianças de até 6 anos atendidas em UBSs das regiões sul, centro-norte e leste da cidade de São Paulo, por meio da qualificação dos cuidados familiares.

Os pesquisadores desenvolveram a cartilha “Toda hora é hora de cuidar”, voltada às famílias com gestantes ou crianças de até 6 anos, e uma ficha de acompanhamento da criança, a ser utilizada pelos profissionais da ESF.

O conteúdo da cartilha e da ficha de acompanhamento foi desenvolvido a partir de conceitos de competências familiares no desenvolvimento infantil – como cuidados relacionados à alimentação, à higiene, à saúde, prevenção de acidentes, brincadeira, amor e segurança –, elaborados em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Por meio do projeto, apoiado pela FAPESP e pala FMCSV, foram capacitados 312 profissionais participantes da Estratégia Saúde da Família, dos quais 26 são médicos, 31 enfermeiros, 62 técnicos de enfermagem e 193 agentes comunitários de saúde de UBS situadas na região oeste da cidade.

Além desse grupo, também foram capacitados pediatras, ginecologistas, psiquiatras, geriatras, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e educadores físicos de duas equipes de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), também da zona oeste.

Os profissionais assumiram a responsabilidade de incorporar as tecnologias desenvolvidas pelo projeto em seu cotidiano de trabalho com as famílias atendidas.

“A ideia foi superar a ênfase dada tradicionalmente pelos profissionais de saúde aos aspectos de saúde e incluir outros elementos, como prevenção de acidentes, brincadeira, amor e segurança, na análise do desenvolvimento infantil”, disse Chiesa.

Os “Cadernos da Família”, como são conhecidas as cartilhas, são distribuídos a todas as gestantes atendidas pela ESF, que as utilizam até a criança completar 3 anos.

No caderno, há indicadores para avaliação periódica da equipe da ESF. Ela pode ser feita durante a visita dos agentes comunitários, nas consultas de rotina ou nas idas da criança à UBS para tomar vacina, por exemplo, a fim de analisar se a família adota práticas capazes de promover o bom desenvolvimento da criança.

Se a família adota uma determinada prática positiva para o bom desenvolvimento da criança, ela é elogiada. Se não, é orientada.

Quando os agentes de saúde percebem um problema sério em determinada família, como maus-tratos à criança, a equipe discute o problema e acionam-se outras instituições atuantes na região, como o Conselho Tutelar ou os Centros de Referência de Assistência Social (CRAs).

“A ideia é que a família tenha o caderno como um elemento de diálogo com os profissionais de saúde para receber orientação sobre o desenvolvimento infantil e para que os profissionais também observem como é a rotina da família e se os familiares estimulam suficientemente a criança para que ela atinja os marcos de desenvolvimento infantil”, disse Chiesa.

Foco na família

De acordo com a pesquisadora, atualmente estão sendo sistematizados os resultados de uma avaliação com os 312 profissionais de saúde participantes da segunda etapa do projeto, sobre o que eles conheciam e praticavam em termos de ações promotoras do desenvolvimento infantil antes e depois de participar da iniciativa.

Os pesquisadores também sistematizam os resultados de uma avaliação sobre as competências de desenvolvimento infantil de 309 famílias de cinco UBSs participantes do projeto.

Entre maio e junho deste ano, os pesquisadores pretendem realizar uma avaliação do ambiente familiar das gestantes e crianças participantes do estudo com o intuito de avaliar o risco de violência doméstica, contou.

“Se essa experiência for bem-sucedida na cidade de São Paulo, eventualmente também poderá ser utilizada pelas 32 mil equipes de profissionais participantes da Estratégia Saúde da Família no país”, estimou.

A ESF foi escolhida como via de promoção do projeto porque possui contato privilegiado com famílias em situação de vulnerabilidade econômica e social, de acordo com a pesquisadora.

O foco nas famílias se justifica: os pais são os primeiros educadores dos filhos e os principais cuidados essenciais dispensados a crianças com até 3 anos são realizados em casa. Apenas 23% das crianças nessa faixa etária estão matriculadas em creches públicas ou privadas.

Além disso, a violência contra a criança também ocorre, majoritariamente, no ambiente doméstico, apontou a pesquisadora.

“Quem está próximo da casa onde há crianças tem que se comprometer a olhar se elas estão sendo bem cuidadas”, avaliou.

O objetivo do seminário na FAPESP foi divulgar os resultados de dez projetos de pesquisa selecionados na primeira Chamada de Propostas do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica firmado entre as duas instituições em 2010 nas áreas de Saúde, Educação, Economia, Pedagogia, Psicologia e Assistência Social.

Também participaram do seminário os coordenadores dos 16 novos projetos aprovados na segunda seleção de propostas, concluída em 2013.

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