Prevenção do suicídio: saúde mental é tema negligenciado pela mídia

Ainda tabu na sociedade brasileira, o suicídio é um tema que costuma ser evitado pelos meios de comunicação, apesar de ser bem divulgado em casos de falecimentos de figuras públicas ou quando atrelado a mortes inusitadas ou trágicas. Mas, para além do tabu em si, qual seria o real motivo para a imprensa evitar falar sobre o tema e quais seriam as consequências do tipo de veiculação feita, muitas vezes associada ao sensacionalismo?

“A ideia de que a imprensa pode influenciar o suicídio não é recente. O romance Os sofrimentos do jovem Werther, publicado pelo escritor alemão Goethe em 1774, foi apontado como fonte de inspiração para mais de uma centena de suicídios cometidos por jovens na época”, explica a jornalista Juana Portugal, que defendeu especialização sobre o tema no curso de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). “A partir de então, iniciou-se o debate sobre o assunto e o tratamento do suicídio pela mídia foi visto como algo ‘contagioso’, que poderia ter na veiculação dessas notícias o principal fator desencadeador de uma espécie de ‘epidemia’ ”.

A preocupação levantada por esse antigo caso teria feito com que as redações dos principais veículos da imprensa brasileira, até hoje, evitem o tema, a não ser em casos excepcionais. Segundo Juana, esse debate precisa ser retomado com mais cuidado, sobretudo, com base em diretrizes recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da própria legislação brasileira. “O número de suicídios tem aumentado exponencialmente em todo o mundo nos últimos anos e um sinal claro da magnitude do problema foi a iniciativa da OMS de publicar um relatório exclusivamente dedicado ao tema em 2014. Antes costumava ser parte do documento sobre violência”, apontou. “A campanha Setembro Amarelo da OMS e as Diretrizes Nacionais para Prevenção ao Suicídio do Ministério da Saúde, que indicam a necessidade de ações de prevenção ao suicídio como um problema de saúde pública, também têm contribuído para o início de uma maior reflexão sobre o tema”.

No trabalho apresentado na Ensp/Fiocruz, Juana verificou que foram poucos os artigos sobre a relação entre mídia e suicídio publicados entre os anos de 2010 e 2015 nas bases Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e SciELO. “Encontrei ao todo somente 11 artigos, sendo que apenas um destes era escrito por um profissional de comunicação e o mesmo não estava publicado em um veículo da área. Ficou evidente no levantamento que os profissionais de comunicação não costumam pesquisar temas relacionados com a saúde mental”.

Nesse sentido, falar sobre o assunto tem se tornado cada vez mais necessário. De acordo com o relatório da OMS:  “O relato de suicídios de uma maneira apropriada, acurada e cuidadosa, por meios de comunicação esclarecidos, pode prevenir perdas trágicas de vidas”. A chave para a imprensa ajudar na prevenção estaria, então, não no silêncio, mas na forma de tratar o tema. “Saúde mental é um assunto ainda muito negligenciado. As pessoas, em sua grande maioria, preferem evitar o tema. É fundamental que jornalistas tenham acesso e apliquem as orientações ou diretrizes como as contidas no manual para profissionais da mídia da OMS ou no documento da Associação Brasileira de Psiquiatria para o mesmo público, que trazem ideias do que fazer para ajudar de uma maneira produtiva. “Às vezes, como profissionais de comunicação, achamos que estamos ajudando ao divulgar os fatos, mas na verdade estamos reforçando o estigma para quem está vivendo uma situação de sofrimento mental”, esclarece Juana. “Não é questão de não falar, mas sim da forma como se fala. Falemos, mas falemos de forma responsável, de modo a auxiliar, com informações que alertem sobre o problema e ajudem na prevenção”.

Confira algumas orientações

No que diz respeito à prevenção, Juana destaca que o estigma ou falta de entendimento que envolvem algumas das causas para o suicídio podem ser prejudiciais na forma da imprensa relatar os casos. “Quando você fala que uma pessoa tem esquizofrenia e outra tem transtorno bipolar, por exemplo, as reações costumam ser bastante diferentes. Enquanto a primeira sofre um estigma muito forte, a segunda parece ser mais ‘bem aceita’. Os meios de comunicação podem e devem ajudar a desmistificar essas ideias”, afirmou.

A pesquisadora exemplificou ainda como as causas para o ato são tratadas em relatos de suicídios de celebridades. “No caso da morte da atriz Leila Lopes, não houve uma preocupação em falar sobre o suicídio e sua prevenção “, comentou Juana. “Mas há também casos recentes conduzidos de uma forma mais positiva, como o do ator Robin Williams. Como ele era uma pessoa carismática e envolvida em muitos trabalhos sociais, o estigma parece ter sido menor: houve um primeiro momento de ‘boom midiático’ sim, mas matérias publicadas nas semanas posteriores divulgaram informações uteis sobre a depressão e o que se pode fazer para ajudar”.

Assessora de comunicação desde 2014 no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Juana reforça a necessidade de se engajar na prevenção do suicídio. “Nós, como jornalistas, podemos ter um papel importante fazendo chegar a informação a quem precisa. Uma ação simples, como divulgar o número do Centro de Valorização da Vida [CVV] nas reportagens, pode fazer a diferença”, destaca. “E mesmo se a pessoa não está em condições de aproveitar essas informações, alguém próximo a ela talvez possa. Ainda são poucas também as informações para familiares e amigos de pessoas com problemas em saúde mental. Precisamos contribuir para mudar esse cenário”.

Representação do suicídio na sétima arte

A preocupação em não propagar a mensagem errada e, assim, não contribuir para o aumento do número de casos de suicídio é algo pensado não só nos meios de comunicação, mas muitas vezes também na arte. O chamado ‘efeito Werther’ ficou famoso no âmbito da literatura, no século 18. E no caso dos outros tipos de expressão artística da atualidade, como o meio audiovisual? Como o cinema ficcional, por exemplo, tem abordado a temática do suicídio? Essa última questão é levantada pelo pesquisador Rodrigo Ferrari em dissertação que está sendo desenvolvida no programa de pós-graduação do Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).

“O que parece é que o meio audiovisual não impacta tanto, não ocorre esse efeito imitação tão forte como no caso da literatura”, explica Rodrigo. “No caso do cinema, existem estudos que indicam que documentários podem ter mais ligação com esse efeito, pelo fato de tratar de situações reais; mas, no que se trata de obras ficcionais, essa relação seria menos direta, apesar de as pessoas ficarem mais abertas para pensar sobre questões éticas e morais”.

Ao contrário do que ocorre na imprensa, o pesquisador aponta que o número de suicídios retratados no cinema pode ser bem mais comum do que realmente parece. “Como sabia que estava fazendo um trabalho sobre o tema, uma amiga me indicou um filme em que havia um suicídio. Tive que chamar a atenção para o fato de que havia na verdade dois. As representações do ato no cinema são tão comuns que a gente não nota mais o excesso”, disse.

De acordo com Rodrigo, não haveria uma falta de representatividade da temática no cinema; o que seria necessário, na verdade, é análise das diversas maneiras como o tema é apresentado ao público, a fim de encontrar formas alternativas de promoção da prevenção. “Em filmes em que há a decisão consciente de personagens de tirarem a própria vida, seria interessante avaliar o que foi determinante para isso, quais os aspectos sociais que poderiam envolver a sua escolha pelo ato”, comentou. “Acredito que o cinema pode ajudar a todos, não só quem está cogitando tirar a própria vida, no sentido de estimular a reflexão. O meio também pode servir como inspiração para conversas sobre o assunto, o que pode fazer com que quem precise comece a ser de alguma forma auxiliado, fazendo com que o assunto seja menos tabu”.