Em carta publicada na revista The Lancet Regional Health Americas, os pesquisadores Hermano Castro e André Périssé, ambos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), e Carlos Eduardo Siqueira, professor associado de Meio Ambiente e Saúde Pública da Universidade de Massachussetts (EUA), alertam para a dificuldade na obtenção dos dados de saúde ocupacional durante a pandemia de Covid-19. No texto, intitulado Os desafios da falta de dados ocupacionais e a ausência de informações sobre a Covid-19 em trabalhadores no Brasil, os autores criticam a ausência de informações precisas e confiáveis sobre o número de casos relacionados ao trabalho e internações no Brasil e lamentam os cortes no Censo 2022 para o desenvolvimento de pesquisas.
O texto reforça que a coleta de dados primários é essencial para auxiliar os gestores públicos no monitoramento de doenças e no planejamento de serviços e ações; ainda mais diante de crises globais de saúde como a gerada pelo Sars-CoV-2. Além disso, revela que, dois anos após o início da pandemia, há uma melhor compreensão de que o vírus afetou desigualmente subgrupos populacionais. De acordo com os autores, apesar de o desemprego, a informalidade e alguns empregos classificados como essenciais serem associados a uma maior mortalidade por Covid-19, não há informações precisas e confiáveis sobre o número de casos relacionados ao trabalho e internações no Brasil. “Essa é uma lacuna de informação muito importante em um país onde o desemprego atingiu 13,5 milhões de pessoas e 38 milhões de trabalhadores não tinham carteira assinada ao final de 2021 (40,6% da população ocupada)”, avaliam.
O Brasil tem diversas bases de dados desagregadas que têm sido utilizadas por diversas instituições para estudar os impactos da Covid-19 em diferentes ocupações, como e-SUS Notifica, Sivep-Gripe e SIM. No entanto, conforme revelaram os pesquisadores no Lancet, essas bases possuem mais de 90% de dados faltantes para variáveis ocupacionais, como indicadores de morbidade – ou com grande heterogeneidade entre os estados brasileiros para indicadores de mortalidade (SIM). Atualmente, as últimas informações disponíveis para trabalho e emprego datam de 2010.
“A ausência de dados censitários pode gerar impactos de longo prazo na distribuição de recursos aos municípios, na representação parlamentar de cada estado e na implementação de programas governamentais como o novo Auxílio Brasil”, admitiram os autores lembrando os cortes severos que a pesquisa nacional sofreu em 2022.
Por fim, concluem que a falta de dados de saúde ocupacional no Brasil e em vários países do mundo dificulta a orientação de políticas públicas sobre restrições e flexibilização nos ambientes de trabalho. “O falso dilema entre saúde e trabalho e o manejo errático da pandemia têm sido responsáveis por perdas humanas incalculáveis e deterioração das condições de vida e trabalho da população. Lacunas de dados impedem análises científicas precisas dos impactos da Covid-19 nos trabalhadores brasileiros”.