Pesquisadora analisa o início da regulação de alimentos no Brasil

“A gente aponta como uma raridade esquisita toda espécie de alimento e de bebida que traz o seu rótulo legítimo”, dizia o médico Antônio Leão Velloso em 1919, em meio à grande crise alimentar que o Brasil passava após a Primeira Guerra Mundial. E com a escassez de mercadorias alimentícias, uma das consequências foi o aumento significativo nas falsificações e fraudes nos produtos que chegavam ao país, que de acordo com a imprensa ultrapassava tudo já visto e que continuaria até muito tem depois do término da guerra.

No artigo Guerra aos envenenadores do povo, os inícios da regulação de alimentos em São Paulo e no Rio de Janeiro, 1889-1930, veiculado na mais recente edição da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos (vol. 24, nº. 2, abr/jun 2017), publicada pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Sören Brinkmann mostra os fatores históricos que deram início e mantiveram a crise alimentar no período da Primeira Guerra Mundial, como falta de laboratórios para análise e normas de serviço de difícil cumprimento.

Pertinente a todas as classes sociais, a crise também atingiu cervejarias, que na falta de cevada passaram a utilizar arroz para a elaboração das bebidas, e confeitarias, fazendo com que usassem conservantes e colorantes descontroladamente. Dessa forma, as instituições sanitárias foram acusadas pelo público de estarem em conformidade com essas práticas, devido à inatividade em conter essas ações.

A questão da higiene alimentar, entretanto, já fazia parte do planejamento das políticas sanitárias desde a fundação da República, mas sua implementação era frequentemente prorrogada pela falta de recursos financeiros e pela existência de outras prioridades nas políticas de saúde. A mudança dessas prioridades ocorreu apenas com a reforma sanitária de 1920, empreendida por Carlos Chagas, que contava com 176 artigos dedicados exclusivamente ao comércio de alimentos. A implementação de um serviço de controle alimentar, ainda assim, só teve lugar com a reforma da saúde pública de 1925.

O autor afirma que essa grande crise alimentar durante a Primeira Guerra Mundial foi, num panorama geral, essencial para a regulação sanitária dos alimentos. Em São Paulo, por exemplo, os números tiveram um aumento significativo. A cidade tinha, em 1926, 44 mil inspeções ambulantes em casas de atacadistas, varejistas, fábricas e restaurantes, enquanto o número de análises laboratoriais deu um salto de 1,2 mil em 1924 para 3,6 mil dois anos depois.