Os números do novo coronavírus no Brasil são alarmantes e chamam ainda mais atenção quando o recorte leva em conta os profissionais que atuam na linha de frente no combate à pandemia. Coordenadora do estudo Monitoramento da saúde dos ACS em tempos de Covid-19, a professora e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Mariana Nogueira, chama atenção para as condições de trabalho e saúde dos agentes comunitários de saúde, que são abordadas no segundo boletim produzido pela pesquisa, que acaba de ser divulgado.
Atuando no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), os agentes comunitários de saúde (ACS) atuando diretamente no território, junto às comunidades, e exercem atividades de prevenção de doenças e de promoção da saúde. O segundo boletim da pesquisa apresenta dados referentes às condições de trabalho desses profissionais nos meses de junho e julho de 2020 nos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, além de três cidades das regiões metropolitanas das respectivas capitais: Guarulhos, São Gonçalo e Maracanaú.
Segundo a coordenadora do estudo, o cenário apresentado no boletim é de comprometimento da segurança dos profissionais no período em questão:
“A quantidade e qualidade das máscaras cirúrgicas recebidas pelos ACS em junho e julho ainda eram inadequadas. Entre os 709 ACS que receberam máscaras cirúrgicas da Unidade Básica de Saúde, 302 (42,5%) afirmaram que a quantidade não foi suficiente, e quase a metade dos agentes (338) respondeu que a qualidade do material não é satisfatória para sua proteção. Há ACS que relataram não ter recebido máscara cirúrgica nesses meses. Outro achado relevante da pesquisa se refere à formação dos trabalhadores: 54,8% dos participantes dessa segunda fase do estudo afirmaram não terem tido nenhum tipo de formação ou treinamento sobre Covid-19. Além disso, 28,7% receberam alguma orientação, mas a consideraram insuficiente”.
Os dados também permitem observar outras questões importantes sobre as condições de trabalho e saúde dos ACS, como o sofrimento emocional. Segundo Mariana, dos 884 ACS que participaram da pesquisa, 538 (60,9%) enfrentaram a morte por Covid-19 de pessoas com quem mantinham vínculo.
Condições de saúde na atenção primária
O acompanhamento da situação de saúde dos ACS segue sendo realizado pelo grupo da Fiocruz e em breve novos dados poderão ajudar a traçar a evolução desse cenário ao longo dos meses seguintes. Mariana ressalta a importância desse trabalho junto aos ACS, uma vez que a atenção primária, em particular a Estratégia Saúde da Família, tem um potencial elevado de contribuição para o controle da Covid-19.
“Os agentes comunitários desempenham papel importante nas ações de vigilância em saúde e de prevenção da propagação do vírus pela sua atuação no cuidado longitudinal aos grupos prioritários”, explica a professora: “As pesquisas para analisar as condições de saúde e trabalho desses profissionais contribuem com o SUS, já que evidenciam a realidade desses trabalhadores que atuam em territórios marcados por desigualdades econômicas e sociais. Além disso, esses estudos afirmam a necessidade de se investir no SUS público e universal, a partir da estruturação de processos de trabalho e de formação profissional”.