As relações sociais e o acesso à saúde sexual e reprodutiva foram alguns dos aspectos mais afetados pelas medidas de isolamento social adotadas desde o início da pandemia de Covid-19. As formas de quarentena, bem como suas consequências, variaram de acordo com cada realidade social. Diante desse quadro complexo, cerca de quarenta países se reuniram para analisar os impactos da pandemia no plano das relações e estruturas familiares, bem como no acesso a serviços e cuidados de saúde sexual e reprodutiva, em cada região.
O estudo I-SHARE (da sigla em inglês International Sexual Health and ReproductivE health survey) é impulsionado pela Academic Network on Sexual and Reproductive Health Policies (Anser), vinculada à Universidade de Ghent, na Bélgica, e pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, no Reino Unido. No Brasil, a pesquisa é coordenada pelas pesquisadoras Ana Paula dos Reis e Ana Luísa Patrão do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
A equipe brasileira conta ainda com pesquisadores da Fiocruz (Fiocruz Bahia e Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, IFF/Fiocruz), da Universidade de Brasília (FCE/UnB), da Universidade Federal do Amazonas (FAPSI/UFAM), da Universidade Federal de Minas Gerais (DMPS/UFMG), da Universidade Federal de Pernambuco (PPGSC/UFPE), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED/UFRGS), da Universidade de São Paulo (FSP/USP), da Universidade Federal do ABC (PCHS/UFABC) e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/UFBA).
Coleta de dados sobre saúde sexual e reprodutiva da população brasileira
Atualmente, apenas o Brasil e outros dois países (Nigéria e Singapura) estão na fase de coleta de dados para a pesquisa I-SHARE. Para participar, basta responder ao questionário virtual de múltipla escolha. O público-alvo são todas as pessoas com mais de 18 anos, que morem ou tenham morado no Brasil durante a pandemia.
As perguntas abordam temas como relacionamentos afetivos, família, sexualidade, violência e acesso a serviços e cuidados de saúde como uso de preservativos, acompanhamento pré-natal, Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e aborto seguro. Ao longo do formulário, participantes comparam sua situação com momentos antes, durante e após o início da crise sanitária.
A pesquisa chama a atenção para o papel central da sexualidade na promoção da saúde e do bem-estar das pessoas. Segundo Ana Luísa Patrão, uma das coordenadoras da I-SHARE no Brasil, “assim como acontece com outras dimensões da saúde, ter uma perspetiva global, relativa a vários contextos, sobre a saúde sexual e reprodutiva, é essencial para diagnosticar o que está acontecendo, intervir adequadamente e prevenir situações de risco no que se refere a questões tão vastas como infecções sexualmente transmissíveis, acesso a cuidados reprodutivos adequados e garantia de direitos sexuais e reprodutivos”.
Resultados preliminares
Reflexões iniciais apontam para os potenciais benefícios da Ciência Aberta (Open Science) em estudos científicos organizados como parte de respostas emergenciais a crises sanitárias globais. Como explica Ana Luísa Patrão, “a pandemia veio agravar os problemas pré-existentes”. Entretanto, a pesquisadora defende que “a possibilidade de avaliar os acontecimentos num momento especialmente crítico poderá aguçar o desenvolvimento de algumas soluções de forma proporcional, caso haja vontade política futura, o que não aconteceu no decorrer da pandemia no Brasil”.
Algumas análises preliminares já foram publicadas, a partir das informações coletadas até o momento em mais de 30 países. Os dados reforçam a compreensão de que as ondas de Covid-19 impactaram negativamente a saúde sexual e reprodutiva. Em vários países, por exemplo, verificou-se maior insatisfação com a vida sexual durante a pandemia. Percebeu-se, também, que a gravidez foi vivida de forma mais ansiosa e deprimida em alguns contextos e que a restrição da presença dos companheiros na hora do parto agravou esse estado.