Pesquisa analisa interferência da indústria do tabaco

Com o propósito de entender a relação que se estabelece entre a adoção de uma medida reguladora pelo governo, com forte impacto na população, e a reação por ela gerada em grupos de interesse, foi apresentada, na ENSP, a dissertação de mestrado profissionalizante em Saúde Pública Análise da interferência da indústria do tabaco na implementação das advertências sanitárias nos derivados de tabaco no Brasil. Desenvolvido pela pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer (Inca/MS), a psicóloga Cristina Perez, e orientado pela coordenadora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab/ENSP), Vera Luiza da Costa e Silva, o estudo apontou que várias ações do governo foram permeadas pela interferência da indústria do tabaco.

Causador de várias doenças, levando muitas vezes seus usuários à morte, o tabagismo é fator de risco para todas as doenças que compõem o grupo das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças crônicas respiratórias). Para apresentar respostas à situação, o Ministério da Saúde, por meio do Instituto Nacional do Câncer, vem desenvolvendo ações que visam ao controle do tabaco. Uma das estratégias recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foi a adoção, pelos países, das advertências sanitárias nas embalagens de produtos de tabaco. O Brasil, desde 1988, vem progredindo nessa medida.
De acordo com a autora, a pesquisa foi desenvolvida fundamentada na teoria de políticas sociais, que estuda a ação de grupos de interesse contra a implantação de medidas reguladoras, especificamente a influência da indústria fumageira e seus aliados, na implementação das  advertências sanitárias em produtos do tabaco no Brasil. Para isso, foram analisados documentos relacionados à implementação e avaliação das advertências sanitárias nos produtos de tabaco comercializados no Brasil, assim como do arcabouço legislativo que amparou a introdução dessas advertências.
“Foi realizada uma vasta busca nos documentos internos da indústria do tabaco, liberados em 1999 durante ações de litígio nos Estados Unidos, com o objetivo de identificar as reações do setor no processo de introdução e adoção das advertências sanitárias no Brasil e no mundo. Além disso, a pesquisa apresenta também a evolução histórica, com foco na reação da indústria do tabaco”, explicou. De acordo com Cristina, as advertências sanitárias começaram como um pequeno texto inserido nas embalagens de cigarro – medida em alguns países ainda utilizada. Países como o Brasil avançaram muito inserindo imagens que explicam o que se pretende dizer com o texto.
No Brasil, por exemplo, essas imagens passaram a ser mais bem estudadas e mais impactantes, gerando polêmica entre os usuários, a indústria, o meio científico e a população em geral. O que aponta, para a autora, a importância da investigação científica no constante estudo do tema. No país, muitos estudos foram realizados a fim de apoiar a implementação de advertências de saúde, algumas pesquisas como Pesquisa de Opinião Disk Saúde, Pesquisa de Opinião Instituto Datafolha, Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Agravos Não Transmissíveis (MS/SVS/Inca), entre outros, foram fundamentais na definição das mensagens de acordo com o apoio do público e a necessidade de informação.

Resultados apontam interferência da indústria do tabaco
Para a autora, a análise do desenvolvimento e a implementação das advertências sanitárias permitem um olhar crítico tanto do ponto de vista das necessidades de avanços como das lições aprendidas. “Apesar de o Brasil ter avançado muito no controle do tabaco, quando analisamos especificamente as advertências sanitárias, percebemos que, mesmo com a obtenção de importantes resultados, essa medida merece aprimoramento para ampliar sua efetividade. Como atualmente as advertências sanitárias ocupam 100% da face detrás das embalagens dos produtos de tabaco, nos pontos de venda, os comerciantes organizam as embalagens com as marcas voltadas para o consumidor, não deixando a advertência visível.
Ainda de acordo com Cristina, é necessário avançar no sentido de expandir a advertência sanitária para a parte da frente das embalagens, com prazo até 2016, como determinado na lei, visto que a impressão em somente uma das faces da embalagem possibilita que os fumantes a escondam ou evitem. Com relação à interferência da indústria, a autora afirmou que, em vários outros países, a indústria do tabaco tem desenvolvido embalagens diferenciadas, com tamanhos diversos que dificultam a utilização das advertências ou diminuem seu impacto. Esse fato aponta para a necessidade de se desenvolver imagens em tamanhos variados ou obrigar que a indústria do tabaco utilize embalagens com tamanhos e formatos padronizados, em que a visibilidade das advertências seja mantida.
A autora ressaltou que os pontos de vendas são uma importante estratégia utilizada pelas indústrias fumageiras e devem ser fortemente regulados por meio da redução do número de pontos, uma regulação mais restritiva da propaganda ainda existente, posicionamento adequado das advertências obrigatórias visíveis ao consumidor, chegando à adoção das embalagens genéricas de produtos de tabaco, seguindo o exemplo de outros países. “Essas medidas fazem parte do cenário do controle do tabaco no Brasil e podem contemplar um futuro próximo. O estudo apontou que a indústria do tabaco interferiu e utilizou estratégias para mudar e diluir as medidas contra o tabagismo, além de funcionar como um forte grupo de pressão”, destacou.
Por fim, Cristina afirmou que o Brasil tem de se preparar cada vez mais para adotar como prioridade as medidas constantes no artigo 5.3 da Convenção Quadro Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde. “Medidas de monitoramento das estratégias da indústria do tabaco, por meio dos documentos internos das empresas, assim como por pesquisa na mídia em geral e nos próprios sites das empresas, buscando conhecer, identificar e se fortalecer perante às tentativas de oposição à adoção de medidas de controle do tabaco, são imprescindíveis para que o governo se prepare e possa buscar alternativas à pressão e lobbying, que tem como objetivo manter os lucros de uma indústria bilionária que mata um em cada dois de seus consumidores”, finalizou.

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