Embora a maior parte dos brasileiros use majoritariamente o SUS (Sistema Único de Saúde), onde o tratamento é gratuito, questões de ordem econômica entraram com força no último ano para o rol de principais preocupações dos brasileiros quanto à saúde, mostra uma pesquisa da Ipsos divulgada nesta semana.
O Brasil teve o maior percentual mundial de pessoas que dizem que a população não tem condições financeiras para pagar por cuidados médicos de boa qualidade — 90% dos entrevistados têm essa opinião. A média global nesse quesito é de 58%.
A percepção de que a população não consegue pagar por tratamento médico de qualidade também é alta em outros países da América Latina como Colômbia (83%), Chile (81%), Peru (81%), México (80%) e Argentina (80%). A pesquisa pediu que os entrevistados dissessem se concordam ou discordam da afirmação “muitas pessoas não podem pagar por cuidados médicos no meus país”.
Outros países onde essa percepção também é alta são a África do Sul (83%), Hungria (80%) e Rússia (76%). Mas nenhuma deles no mesmo patamar do Brasil.
Os países onde uma minoria concorda com a afirmação foram nações onde há um forte sistema público de saúde, como no Reino Unido e na Alemanha, onde 37% têm essa opinião. O índice é ainda melhor na Holanda e no Canadá (33%), na Coreia do Sul (26%) e na Suécia, onde apenas 19% pensam que muitas pessoas em seu país não podem pagar por saúde de qualidade.
A pesquisa Global Health Service Monitor 2021 foi realizada em 30 países e ouviu 21.513 entrevistados, com idades entre 16 e 74 anos.
A maioria dos brasileiros que responderam à pesquisa – 51% -, realizada entre agosto e setembro de 2021, também apontaram a falta de investimento como um dos principais problemas enfrentados pelo sistema de saúde do Brasil. Depois disso, os mais citados foram a falta de investimento em saúde preventiva – questão mencionada por 50% dos entrevistados – e dificuldades de acesso e longos períodos de espera – mencionados por 45%.
Na média global, os principais problemas mencionados são as dificuldades de acesso ao tratamento e longos períodos de espera (41%) e a falta de funcionários em instituições de saúde (39%). O custo dos tratamentos ficou na terceira posição (31%).
Cerca de 30% dos entrevistados no Brasil consideram o atendimento em saúde no país – tanto publico quanto privado – ótimo ou bom. É um dos piores desempenhos – a média global é de 53%. Singapura atinge 78% nesse quesito, e Austrália e Suíça, 78%.
“A gente vê o impacto da questão econômica em comparação com a pesquisa do ano passado”, afirma Fabrizio Maciel, diretor da área de pesquisas em saúde da Ipsos no Brasil. “Isso se reflete também em outros aspectos, como o aumento da preocupação com saúde mental. A crise, as preocupações financeiras, inflação e insegurança exercem uma enorme pressão sobre a saúde mental das pessoas.”
Doenças mentais foram o segundo problema de saúde mais citado entre os brasileiros neste ano, mencionadas por 40% dos entrevistados – um aumento de 13 pontos percentuais em relação ao levantamento feito no mesmo período no ano passado, segundo Maciel. “E no ano passado ela já havia aumentado em relação ao ano anterior, sem pandemia.”
A preocupação com saúde mental só ficou atrás da preocupação com covid-19, citada por 84% dos entrevistados. Mundialmente esse índice é de 70%.
Na média mundial, a saúde mental é citada por 31% das pessoas. O país onde essa preocupação é maior é a Suécia, onde 63% citaram o problema.
Apesar do aumento da preocupação com a saúde mental em 2021 e em 2020, pesquisas feitas até o momento mostram que a pandemia não aumentou de fato a incidência de transtornos mentais na população.
Um estudo publicado pela revista científica Lancet no início do ano, por exemplo, estudou tendências de suicídio em cidades ou regiões de 21 países, incluindo o Brasil. A pesquisa não identificou aumento de casos durante a pandemia.
Pesquisadores consultados pela BBC News Brasil disseram que o diagnóstico de transtornos mentais não teve aumento significativo durante a pandemia.
Baixa qualidade
Outros problemas de saúde mais citados pelos entrevistados pela Ipsos no Brasil foram câncer (31%), estresse (22%) e abuso de drogas (22%).
Maciel diz que em geral a avaliação dos entrevistados brasileiros em relação à qualidade do que têm hoje em questão é negativa, pior do que média mundial.
“E isso não se restringe ao Sistema Público de Saúde – a pesquisa mediu a satisfação tanto com a rede privada quanto com a rede pública”, afirma Maciel. “A questão da qualidade do tratamento é um fator que ficou bastante acentuado. Com toda a questão do (plano de saúde) Prevent Senior neste ano, ficou claro que é um problema que atinge também a rede privada.”
A operadora de plano de saúde para idosos está sendo investigada por uma série de denúncias envolvendo o tratamento de pacientes durante a pandemia.
A pesquisa Global Health Service Monitor 2021 foi realizada entre 20 de agosto a 03 de setembro de 2021 com 21.513 entrevistados em 30 países. Ela foi feita online, portanto é representativa da população com acesso à internet – que no Brasil é cerca de 70%.
A margem de erro para o país é de 3,5 pontos percentuais. As porcentagens soma m mais de 100% porque diversas perguntas tinham respostas de múltipla escolha.