Paciente expert

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em artigo publicado na revista Interface – Comunicação, Saúde, Educação, fizeram uma revisão bibliográfica em 15 estudos que discutem as consequências que o “paciente expert”, indivíduo que busca ativamente informações sobre doenças na internet, teria sobre a profissão médica.

Ainda que os artigos analisados, que envolveram 33 autores de 18 universidades, apresentem posições distintas sobre a interferência de tais informações na relação médico-paciente, a análise chama a atenção para a desprofissionalização da prática médica, questão discutida há anos e que, segundo os autores do estudo, necessita de atualizações.

“Teorias a respeito da desprofissionalização vêm sendo discutidas no âmbito de diferentes profissões desde a década de 1970. Trata-se de uma questão sociológica que tem na medicina a profissão ideal para esse tipo de debate”, disse uma das autoras do artigo, a médica Helena Beatriz Garbin, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, à Agência FAPESP.

“O problema é que as pessoas vêm adquirindo muito mais informação do que conhecimento médico. E quando o indivíduo leigo adquire informações sobre sua doença, isso pode até gerar certo reequilíbrio na relação médico-paciente, mas a questão do poder de decisão ainda deve ser baseada em quem detém o conhecimento”, afirmou.

Os artigos analisados, publicados entre 1997 e 2005 por pesquisadores do Reino Unido, Holanda, Estados Unidos e Canadá, foram selecionados em duas revistas britânicas da área: Social Science and Medicine e Sociology of Health & Illness. De acordo com o serviço ISI Journal Citation Report, as duas revistas estão entre as mais importantes no mundo nas áreas de sociologia, ciências sociais e biomedicina.

Segundo o estudo, a internet pode oferecer grande quantidade de dados atualizados, tendo condições de transformar a relação médico-paciente, tradicionalmente baseada na autoridade concentrada nas mãos do médico.

“A elevação do poder decisório do paciente compromete a autoridade profissional e desafia o médico a estar constantemente atualizado, criando a possibilidade de decisões mais compartilhadas”, disse Helena. Para ela, o acesso às informações na internet faz com que o “paciente expert” esteja menos disposto a acatar as determinações médicas.

Diálogo mais produtivo

Segundo a análise feita pelos pesquisadores da Fiocruz, a literatura científica analisada considera que o paciente expert é resultado da melhoria do nível educacional das populações, do maior acesso às informações técnico-científicas disponíveis e da transformação da saúde em um objeto de consumo.

Outros artigos analisados, no entanto, sugerem que esse comportamento poderia, por outro lado, fortalecer a imagem do médico: os pacientes acabariam confiando mais no profissional após a consulta das fontes da internet.

“Apesar do alto potencial de gerar conflitos, consultar dados na internet também pode reforçar essa relação, dependendo muito, nesse caso, de como o médico vai se adaptar com o nível de atualização do paciente”, disse Helena.

As mulheres, de acordo com a pesquisa, são as que mais buscam informações sobre saúde na internet, ao procurar prevenir doenças e reduzir os custos de tratamento de membros da família. “Atualmente, tem crescido também o número de jovens e idosos em busca dessas informações”, disse.

O artigo ressalta que muitas vezes os dados na internet podem estar incompletos e até incorretos, além de que a linguagem médica pode não ser entendida como deveria, fazendo com que os pacientes tenham dificuldade de distinguir o certo do enganoso.

“A maior preocupação não está na relação entre médico e paciente, mas no nível dos riscos que são oferecidos para a saúde pública. O perigo do excesso de informação na internet está na falta de um controle de qualidade desses dados, o que poderia acarretar, entre outros problemas, no aumento da automedicação”, aponta Helena.

Para ler o artigo A internet, o paciente expert e a prática médica: uma análise bibliográfica, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

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