Em 2014, antes do início da Copa do Mundo no Brasil, havia um temor de que muitos entre os 600 mil turistas estrangeiros aguardados para o maior evento futebolístico do planeta pudessem contrair dengue. Seriam centenas ou mesmo milhares, de acordo com algumas previsões.
Tal temor não era infundado uma vez que há dois anos, como hoje, a infestação do mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti, já estava espalhada pelo país. Mas, em maio de 2014, um mês antes do início do campeonato mundial, um estudo epidemiológico surpreendeu ao se contrapor àquele panorama de maus presságios, indicando que a total de infecções por dengue entre os turistas na Copa seria mínimo. E a previsão se mostrou correta.
Resultado do emprego de métodos sofisticados de modelagem matemática, o artigo “Risk of symptomatic dengue for foreign visitors to the 2014 FIFA World Cup in Brazil”, do professor Eduardo Massad e colaboradores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), estimava que o número total de casos de dengue notificados entre turistas estaria entre três e 59.
“Sabe quantos casos foram?”, pergunta Massad com um sorriso. “Apenas três: dois de turistas dos Estados Unidos e um do Japão. Acertamos na mínima.”
Em 2016, a três meses do início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a mesma equipe voltou a utilizar seus modelos matemáticos para calcular o risco de infecção por dengue entre os cerca de 400 mil visitantes internacionais esperados – segundo estima o Instituto Brasileiro do Turismo (Embratur). Os dados utilizados são do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
A exemplo do que ocorreu na Copa, os cálculos da equipe de epidemiologistas apontam para um número muito baixo de infecções por dengue entre os turistas estrangeiros nas Olimpíadas, explica o doutorando Raphael Ximenes, líder da nova pesquisa, e orientando do professor Massad.
Os resultados foram publicados em novo artigo, “The risk of dengue for non-immune foreign visitors to the 2016 summer olympic games in Rio de Janeiro, Brazil”, na revista BMC Infectious Diseases, em estudo apoiado pela FAPESP.
O pior cenário
Caso a epidemia de dengue em 2016 siga o mesmo padrão verificado em agosto de 2007 – mês com maior total de casos desde o início da epidemia no Brasil –, a modelagem matemática estima que haverá, entre os 400 mil turistas estrangeiros aguardados, apenas 23 casos sintomáticos. São aqueles casos em que se registra febre e demais sintomas e que podem vir (ou não) a resultar em internações hospitalares.
Já com relação aos casos assintomáticos – em que, picados pelo Aedes, os turistas contrairão o vírus da dengue, mas não desenvolverão sintomas nem ficarão doentes –, o número de casos esperados é de 206.
A epidemia anual de dengue no Brasil costuma ocorrer nos meses chuvosos, quando aumenta a proliferação do mosquito. Atinge seu ápice geralmente em abril e declina a partir de maio, graças à progressiva redução do índice pluviométrico e à consequente aproximação da estiagem de inverno. Quando se instala o tempo seco e frio, a multiplicação do mosquito é interrompida e o total de infecções por dengue desaba.
Em 2007 não foi assim. Por conta de um inverno com temperaturas mínimas particularmente altas, a proliferação do mosquito não cessou por completo. O resultado é que não ocorreu uma pausa entre a epidemia de dengue do início de 2007 e aquela que iniciaria no período chuvoso de 2008. Os casos de dengue em agosto de 2007 foram elevados por conta disso.
Perspectivas para 2016
Mas 2007 foi a exceção à regra. Caso o inverno de 2016 seja frio como foram os de outros anos desde 2002, a proliferação doAedes deverá cessar. Nessas condições, qual é a estimativa de casos sintomáticos de dengue entre os turistas dos jogos Olímpicos? Zero. Isso mesmo, pelo menos é o que indicam os cálculos da equipe. Já entre os casos assintomáticos pode-se esperar até duas ocorrências.
“A dengue não vai acabar nem será resolvida enquanto não existir uma vacina eficiente”, disse Massad. Segundo o pesquisador, na falta de uma vacina, só resta combater o mosquito Aedes, outra tarefa muito difícil.
“Trabalhei em Cingapura, onde a epidemia de dengue existe desde 1974. Apesar dos esforços do governo e da sociedade, os números da doença no país só aumentam ano a ano. As estatísticas da epidemia acompanham o aumento na quantidade de mosquitos, que está diretamente associado ao aumento da população. Dengue é um problema urbano. Aedes é como rato e barata. Onde tiver gente, vai ter Aedes e vai ter dengue”, disse Massad.
Lastreada pela experiência com os estudos sobre a dengue, a equipe da FMUSP trata agora de tentar estimar o risco de infecção dos turistas pelo vírus Zika. É um cálculo bem mais complicado e impreciso, pois a notificação dos casos de Zika no Brasil só se tornou compulsória em janeiro de 2016.
“Não conseguimos fazer uma previsão de risco sem conhecer o passado da doença. Felizmente, no caso da dengue, o banco de dados do Sinan é um dos mais completos do mundo”, disse Ximenes.
O artigo “The risk of dengue for non-immune foreign visitors to the 2016 summer olympic games in Rio de Janeiro, Brazil” (doi: 10.1186/s12879-016-1517-z), de Raphael Ximenes, Marcos Amaku, Luis Fernandez Lopez, Francisco Antonio Bezerra Coutinho, Marcelo Nascimento Burattini, David Greenhalgh, Annelies Wilder-Smith, Claudio José Struchiner e Eduardo Massad, publicado naBMC Infectious Diseases, pode ser lido em http://bmcinfectdis.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12879-016-1517-z.