Helenisar não conseguiu a cura da doença, que pode causar cirrose e câncer. Em vez disso, os fortes efeitos colaterais causados pelo medicamento deixaram atividades simples do cotidianos dela mais difíceis. Composto por comprimidos e injeções periódicas, a antiga medicação causava, por exemplo, irritação nervosa e podia resultar em novas doenças, como a anemia.
Desde o fim do ano passado, no entanto, Helenisar voltou a acreditar na possibilidade de se ver livre do vírus. Ela foi a primeira paciente do SUS a receber sufosbuvir e o daclatasvir, que compõem o novo tratamento para a doença. Distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), os medicamentos têm mudado, aos poucos, a vida de portadores da doença. “O tratamento era horrível. Era buscar mais dores para dentro do corpo”, recorda. “Agora, eu tomo saúde”, compara.
Em 2015, o novo tratamento passou a se importado pelo Ministério da Saúde de Canadá, Estados Unidos e Holanda. O primeiro lote para atender 30 mil pacientes do SUS recebeu investimento de R$ 1 bilhão. O ministério obteve desconto de 420% devido ao volume comprado em relação à média paga por outros países pelos mesmos medicamentos. A Dinamarca, por exemplo, gasta de US$ 82 mil a US$ 92 mil por paciente, enquanto o Brasil investe US$ 9,6 mil em cada tratamento.
Helenisar é uma dos cem pacientes atendidos pelo SUS com o novo medicamento no Distrito Federal, ao lado do bibliotecário Guaracy José Bueno Vieira, 55 anos, e o militar aposentado Moacir Martins de Sousa, 51 anos. Todos eles se dizem com mais qualidade de vida após o novo tratamento e sem as picadas de agulha do medicamento anterior. “Só de tomar ele e não ter dor nenhuma para mim já é tudo”, diz a costureira.
A hepatite C pode evoluir dos estágios F1 e F2 (fibrose), F3 (fibrose avançada) até o F4 (cirrose). Helenisar e Moacir são portadores da hepatite C no estágio F4 e, por isso, vão enfrentar o novo tratamento por seis meses. Depois desse período, eles vão esperar mais três meses para fazer o exame para saber se estarão curados. Guaracy tem a doença em estágio F1 e vai tomar os medicamentos por três meses. “Esse remédio (novo) vai me curar”, confia a costureira.
A farmacêutica de componente especializado Renata Cavalcati Capeli, do Hospital Dia do Distrito Federal, afirma que o tratamento anterior em muitos casos era abandonado pelos pacientes devido aos efeitos colaterais e tinha baixo potencial de cura real. “O índice de cura já foi de 30% e depois foi para 70%. Com a nova geração de medicamentos, a chance de cura está girando entorno de 90%. É outra realidade. Antigamente agente curava 30 (pacientes de cada cem) e 70 continuavam doentes”, diz.
A hepatite C pode ter afetado em maior escala os nascidos antes de 1993, quando a doença começou a ser diagnosticada. O principal grupo potencial de infectados são os nascidos entre 1945 e 1965 que fizeram transfusão de sangue, tatuagem ou mesmo os que usaram drogas injetáveis. “Até o esmalte da manicure pode passar a hepatite C, porque ele mantém o vírus vivo por algum tempo”, observa a farmacêutica.
O SUS passou a fazer o teste rápido de identificação em 2011. Somente no ano passado, foram realizados 3 milhões de exames e cerca de 16 mil pessoas foram tratadas na rede pública de saúde.
Dores ficaram no passado – Moacir afirma que o interferon, medicamento injetado antes na barriga, causava fortes dores pelo corpo. “Era como se tivesse sido atropelado ou tivesse feito muita atividade física num dia e no outro tivesse todo arrebentado”, conta. “Esse novo medicamento é tranquilo”, afirma.
O militar descobriu a doença em 2005 e precisou mudar o estilo de vida para evitar complicações, o que não o impediu de desenvolver cirrose. “Para mim era uma doença simples. Aí quando descobri, fui ler a respeito e caí na real, caiu a ficha”, conta. Assim como Helenisar, Moacir toma um coquetel de 6 comprimidos por dia, sendo um de sufosbuvir, outro de daclatasvir e quatro ribavirina – cuja fabricação é nacional.
A hepatite C é uma doença silenciosa e grave, que pode se manifestar apenas depois de muito tempo em estado já avançado a partir da cirrose e o câncer no fígado. Guaracy, por exemplo, descobriu a doença somente em 2011, cerca de 40 anos depois de ter feito uma transfusão de sangue durante uma cirurgia cardíaca. “Fiquei em pânico, porque achava que era uma doença que matava rapidamente”, recorda.
O bibliotecário iniciou, então, o tratamento antigo e, apenas três semanas depois, precisou interromper a medicação em função do efeito agressivo do tratamento anterior tê-lo levado a desenvolver asma. “O que mais me incomodava era náusea aliada à fome, muita dor de cabeça e também depressão”, relata. “Esse novo medicamento só dá uma leve dor de barriga. É uma diferença brutal, quase nenhum efeito colateral” compara.
Guaracy termina o tratamento em fevereiro. Ele vai esperar 90 dias para fazer o exame que mede o nível de vírus C (HCV) para saber se foi curado, o que deve ocorrer no final de maio. “Eu acredito que posso vir a me curar definitivamente e que a hepatite C vai ser uma virada”, confia.