Novo sistema pode agilizar doação de órgãos

Está em fase de testes na Central de Transplantes do Estado de São Paulo um software desenvolvido com apoio da FAPESP que poderá encurtar o tempo entre a identificação de um potencial doador de órgãos e a escolha de um receptor compatível.

O sistema foi desenvolvido por alunos do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Faculdade de Tecnologia do Estado (Fatec) Zona Leste, sob orientação da professora Cristina Corrêa Oliveira. O trabalho está sendo feito em parceria com os pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Luciana Haddad, Jair Minoro Abe e Alex Cassenote.

“Atualmente, toda a entrada de dados sobre os candidatos a doadores no sistema é feita de modo manual, o que toma muito tempo”, contou Oliveira.

Quando a Central de Transplantes recebe o aviso sobre a existência de um potencial doador, explicou a professora, enfermeiros do Serviço de Procura de Órgãos e Tecidos (SPOT) vão até o hospital para avaliar a condição de saúde do paciente com morte encefálica, fazer exames de sorologia sanguínea, levantar os antecedentes e o histórico médico e contatar os familiares.

“Todas as informações são anotadas em uma prancheta. O enfermeiro volta para o SPOT, digita tudo em um formulário no computador, imprime e envia por fax para a Central de Transplantes. Com o novo sistema ele pode enviar os dados de qualquer lugar usando apenas um tablet. Basta acessar uma página web”, contou Oliveira.

Além de agilizar a troca de informações, o novo sistema permitirá incluir dados sobre doadores que antes não constavam nas fichas, como uso de drogas ilícitas, álcool ou tabaco.

“Depois que a doação é efetivada, tem início um processo de seleção para encontrar receptores compatíveis com cada um dos órgãos viáveis. Esse processo é feito por um outro software já existente na Central de Transplantes, mas nós desenvolvemos um novo aplicativo que poderá ajudar na etapa seguinte: a distribuição dos órgãos”, contou Oliveira.

Este outro software, o aplicativo para smartphone eTransplante, permite enviar com o apertar de um único botão todos os dados do doador para as equipes médicas que acompanham os pacientes na fila de transplante.

“O médico recebe um alerta em seu smartphone e também todos os dados, incluindo os exames, antecedentes e histórico médico. No próprio aplicativo ele pode informar se tem interesse ou não no órgão e, em caso negativo, fazer a justificativa. As equipes têm até 1 hora para dar o retorno e, em seguida, a Central entrará em contato apenas com os interessados, começando pelo primeiro da fila ”, contou Oliveira.

Atualmente, esse processo é totalmente feito por telefone e pode demorar muito tempo a localização de um paciente compatível. O novo sistema ainda está sendo testado e homologado pela Secretaria Estadual da Saúde. A expectativa é que entre em operação no Estado de São Paulo até o fim de 2015.

Algoritmo inteligente

A ideia de criar um software para agilizar e enriquecer a entrada de dados sobre doadores no sistema da Central de Transplantes surgiu para atender a demanda de um projeto coordenado por Haddad na FMUSP, cujo objetivo é desenvolver uma metodologia brasileira para a classificação de pacientes que aguardam por um transplante de fígado.

Hoje, o sistema adotado no Brasil e na maior parte do mundo é o Meld (modelo para doença hepática em fase terminal, na sigla em inglês) – fórmula matemática que, levando em conta resultados de exames e outros indicativos do paciente, permite estimar o risco de morte caso o transplante não ocorra nos três meses seguintes.

“O paciente é avaliado periodicamente e, quanto maior o escore obtido, maior a prioridade na fila. Mas o Meld e os outros scores que utilizamos aqui no Brasil foram todos criados e validados em países desenvolvidos, onde o estado do órgão que chega para doação e a condição de saúde do receptor geralmente são muito melhores que no nosso caso”, disse Haddad.

Além de validar os escores já existentes com base na realidade brasileira, o grupo da FMUSP tem como meta desenvolver um novo algoritmo inteligente para fazer o cruzamento dos dados de doadores e receptores e, assim, reduzir o risco de transplantes de fígado malsucedidos.

O algoritmo vem sendo desenvolvido pelo Grupo de Lógica Paraconsistente e Inteligência Artificial da Universidade Paulista (Unip) coordenado por Minoro Abe, que também orienta Oliveira em seu projeto de doutorado.

“A nossa grande dificuldade era a falta de dados sobre doadores necessários para fazer a validação do algoritmo. O software já está pronto, mas precisávamos de dados reais para testá-lo e ver se tem acurácia, algo que ainda deve demorar alguns anos”, explicou Haddad.

A equipe de alunos da Fatec que desenvolveu o software e o aplicativo é formada por Camila Belo, Caroline Roda, Ingrid Mazoni, Jaqueline Izumi, Lucas Oliveira, Rodrigo Ramos e Rogério Yokomizo.

O eTransplante foi um dos destaques na edição de 2014 da Feira Tecnológica do Centro Paula Souza (Feteps), na qual conquistou o primeiro lugar na categoria Informática e Ciências da Computação.

O projeto também foi premiado no Congresso Nacional de Iniciação Científica e foi apresentado no Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, realizado entre 27 e 29 de maio, em Recife.

O sistema chamou a atenção internacionalmente e foi aprovado para ser apresentado em julho na “6th International Conference on Applied Human Factors and Ergonomics”, em Las Vegas, nos Estados Unidos.

A equipe de Oliveira iniciou uma campanha de financiamento coletivo para que pelo menos um integrante do grupo participe do evento. O valor a ser alcançado é R$ 15 mil. Mais informações: www.catarse.me/pt/etransplante.