O estudo foi feito no Instituto de Psiquiatria da USP. Das voluntárias que responderam a pesquisa, 40,5% apresentaram sintomas de depressão, 34,9%, ansiedade, e 37,3%, estresse.
Elas apresentaram mais sintomas de depressão, de ansiedade e de estresse; na população como um todo, houve abusos de drogas, medicamentos e alimentos.
A pandemia impactou a saúde mental e aspectos comportamentais dos brasileiros. Um estudo realizado entre maio e junho de 2020 com homens e mulheres de várias regiões do País (26 Estados brasileiros e do Distrito Federal) mostrou que um número grande de pessoas apresentou, durante a pandemia, sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Houve também maior consumo de drogas ilícitas, de cigarros, de medicamentos e de alimentos. As mais afetadas emocionalmente foram as mulheres, respondendo por 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse. A pesquisa ouviu três mil voluntários e foi conduzida pela equipe do neuropsicólogo Antônio de Pádua Serafim, do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
“Embora a pesquisa não tenha detalhado as razões que levaram as mulheres a terem maior sofrimento psíquico, a literatura médica vem mostrando que são elas que têm maiores impactos pelas condições sociais em que vivem. A pandemia só acirrou essa situação”, diz o neuropsicólogo. Elas cumprem dupla jornada, acompanham o desenvolvimento escolar dos filhos e, na pandemia, mais pessoas permaneceram dentro de casa, além das preocupações relacionadas ao próprio vírus (iminência de contaminação, necessidade de mudanças de hábitos de higiene, redução de convívio social, familiares adoecidos, etc.). “Todas essas circunstâncias geram estresse e podem ser gatilhos detonadores de doenças mentais”, explica o professor Pádua Serafim. O resultado da pesquisa foi publicado dia 3 de fevereiro na Plos One sob o título Exploratory study on the psychological impacto f covid-19 on the general Brazilian population.
Além do perfil de mulher multitarefa que concilia trabalhos domésticos e vida profissional, a pesquisa trouxe um achado interessante que revela outra face da questão de gênero. O sofrimento psíquico também atingiu quem morava sozinha e não tinha filhos. Os níveis mais elevados de estresse, depressão e ansiedade foram relatados por mulheres nestas condições, situação que, segundo o estudo, provavelmente estivesse associada a outras variáveis consideradas pela pesquisa e que poderiam estar contribuindo para o adoecimento das entrevistadas: muitas delas estavam desempregadas, tinham histórico de doenças crônicas (25,9%) e relataram ter tido contato com pessoas com diagnóstico de covid-19 (35,2%).
Uma das hipóteses levantadas pelo pesquisador foi que a pandemia tenha deixado esse grupo mais vulnerável a um estado de falta de perspectivas e incertezas quanto ao futuro, o que teria causado mais sensações de desconforto, angústia, ansiedade e desamparo.
Capacidade adaptativa a situações de estresse
Segundo o pesquisador, o estudo exploratório teve o objetivo de investigar a capacidade de enfrentamento das pessoas na pandemia e como elas se ajustariam a situações de pressão. “Em uma pandemia, como estamos vivendo, as pessoas tendem a ficar mais suscetíveis a mudanças físicas, cognitivas, comportamentais e emocionais, o que poderia trazer impacto direto em sua saúde mental”, diz.
A pesquisa abrangeu o período de 22 de maio a 5 de junho de 2020 e usou questionário pela plataforma Google Forms, com informações sociodemográficas (idade, estado civil, quantidade de filhos, escolaridade, número de pessoas que viviam na residência, etc.), e sobre as condições gerais de saúde dos participantes (sobre o contágio da covid-19, morte de parentes ou amigos e o comportamento diante das demandas geradas pela pandemia). A avaliação dos sintomas psicológicos foi feita utilizando uma escala chamada DASS-21, que possibilita verificar prevalências de sintomas de depressão, ansiedade e estresse.
Consumo maior de drogas, álcool, cigarros e alimentos
Das 3 mil pessoas que responderam ao questionário, 83% eram mulheres, casadas (50,6%), tinham formação universitária (70,1%) e estavam empregadas (46%). Do grupo geral, incluindo homens e mulheres, 6,4% contraíram o vírus e 22,7% possuíam amigos ou parentes que tinham ido a óbito pela doença. Com relação aos dados comportamentais, 40,8% teve maior consumo de drogas ilícitas, de cigarros, medicamentos e alimentos, e quase metade dos participantes expressou ter tido sintomas de depressão (46,4%), ansiedade (39,7%) e estresse (42,2%).
Na avaliação do neuropsicólogo, o resultado demonstrou que as pessoas não tiveram respostas positivas e adaptativas à pandemia, o que significa que os problemas evidenciados pela pesquisa (condições clínicas) poderão se agravar e persistir no pós-pandemia. Quanto à existência de um grupo mais vulnerável a situações de alta carga de estresse (no caso das mulheres), a recomendação é que haja maior atenção do sistema de saúde mental para esse grupo mais vulnerável durante e após a pandemia.
Estratégias de enfrentamento comportamentais
Segundo o estudo, estratégias de enfrentamento de estresse são recursos utilizados pelas pessoas diante de um problema, podendo eles serem positivos ou negativos. Os resultados apresentados pela pesquisa indicam que os comportamentos adotados pelos participantes na pandemia foram negativos e de fuga-evitação. Passaram a consumir mais alimentos e abusaram de drogas, de tabaco e medicamentos. “Tais estratégias, geralmente, envolvem pessoas que imaginam possíveis soluções para um problema, sem, no entanto, tomar medidas para mudá-lo”, relata.
O professor Pádua Serafim ressalta que esses achados são preliminares, retratam um momento vivido pelos brasileiros e entende que a magnitude dos impactos na saúde mental só será mais bem conhecida com estudos contínuos após o relaxamento total da quarentena. No entanto, diz que pesquisas que abordam sinais comportamentais relacionados à ansiedade, depressão e estresse associados à covid-19 levantam um alarme importante para os serviços públicos de saúde, que precisam estar preparados para o aumento da demanda e urgência no tratamento de novos casos de doença mental, conclui.
Mais informações: e-mail a.serafim@hc.fm.usp.br, com o dr. Antônio de Pádua Serafim