Mudanças climáticas devem reduzir espécies de anfíbios da Mata Atlântica

O número de espécies e o tamanho das populações de anfíbios existentes da Mata Atlântica devem diminuir sensivelmente em razão das mudanças climáticas previstas para ocorrer no bioma nas próximas décadas.

As estimativas são de um estudo realizado por pesquisadores do Laboratório de Biogeografia da Conservação da Universidade Federal de Goiás (UFG), publicado na edição de fevereiro da revista Biodiversity and Conservation.

Alguns dos resultados da pesquisa foram apresentados durante o “Workshop Dimensions US-BIOTA São Paulo – A multidisciplinary framework for biodiversity prediction in the Brazilian Atlantic forest hotspot”, realizado na segunda-feira (10/02), na FAPESP, no âmbito do projeto de pesquisa Dimensions US-BIOTA São Paulo: integrando disciplinas para a predição da biodiversidade da Floresta Atlântica no Brasil”.

O projeto reúne cientistas do Brasil, dos Estados Unidos e da Austrália e é realizado no âmbito de um acordo de cooperação científica entre o Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA-FAPESP) e o programa Dimensions of Biodiversity, da agência federal norte-americana de fomento à pesquisa National Science Foundation (NSF).

“As projeções que realizamos indicam que, em razão das mudanças nas condições climáticas que devem ocorrer na Mata Atlântica nas próximas décadas, a maioria das unidades de conservação do bioma perderá e poucas ganharão espécies de anfíbios”, disse Rafael Loyola, coordenador do Laboratório de Biogeografia da Conservação da UFG e um dos autores do estudo.

“Aparentemente, esse padrão também deverá prevalecer para outros organismos, como mamíferos, aves, mariposas e plantas”, apontou o pesquisador durante a palestra proferida no evento.

De acordo com Loyola, há 431 espécies de anfíbios na Mata Atlântica – bioma que detém 18% de todas as espécies desses animais na América do Sul. Por meio de seis diferentes modelos de distribuição, pelos quais se associa a presença de uma determinada espécie a um conjunto de variáveis ambientais, tais como a média anual de temperatura e de precipitação, os pesquisadores estimaram como essas 431 espécies de anfíbios estão distribuídas hoje pelas unidades de conservação na Mata Atlântica.

Com base em quatro simulações climáticas distintas para a América do Sul até 2050, utilizadas no 4º Relatório de Avaliação (AR4) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os pesquisadores estimaram em quais áreas de proteção da Mata Atlântica essas espécies de anfíbios estarão localizadas, levando em conta o tamanho, a forma e a posição geográfica das reservas florestais e as habilidades de dispersão dos animais em raios de 50, 100 e 200 quilômetros ao longo de 30 anos.

As projeções indicaram que os locais climaticamente adequados para a sobrevivência de anfíbios na Mata Atlântica deverão diminuir até 2050. Por essa razão, até 12% das espécies de anfíbios, localizados principalmente nas porções norte e sudoeste do bioma, deverão entrar em extinção e 88% terão retração da população.

“Isso quer dizer que esses 12% de espécies de anfíbios sofrerão uma contração na população de tal ordem que desaparecerão do bioma”, disse Loyola. “Não são espécies que sairão da Mata Atlântica em direção ao Cerrado ou à Caatinga. Elas realmente podem desaparecer”, ressaltou.

Mudanças na estrutura filogenética

Em um outro estudo, publicado na edição de janeiro da revista Ecography, os pesquisadores avaliaram se as mudanças climáticas também podem alterar a relação evolutiva entre espécies de anfíbios que ocorrem em unidades de conservação da Mata Atlântica, a fim de verificar se esses animais responderiam a essas alterações como clados (grupos que partilham um ancestral comum exclusivo) ou como espécies isoladas.

Os resultados dos modelos indicaram que grupos mais antigos (basais) de espécies de anfíbios, como as cecílias ou cobras-cegas, do grupo Gymnophiona, e o sapo-aru, da família Pipidae, poderão ser afetados positivamente pelas mudanças climáticas e deverão ampliar suas distribuições geográficas pela Mata Atlântica.

Por outro lado, grupos mais recentes (derivados) de anfíbios, como as pererecas de vidro, da família Centrolenidae, e outras espécies de pererecas, deverão ser severamente impactados e sua distribuição geográfica pelo bioma poderá ser reduzida em até 90%.

“Em algumas áreas de proteção da Mata Atlântica a diversidade filogenética dos anfíbios poderá aumentar em razão da extinção de espécies muito recentes, o que fará com que espécies basais aumentem sua distribuição pelo bioma”, detalhou Loyola.

“Nesse caso, a diversidade filogenética aumentará por uma razão errada: a perda de espécies muito recentes”, apontou. Uma das espécies de anfíbio que deverá beneficiar-se das mudanças climáticas, de acordo com Loyola, é a rã-touro americana (Lithobates catesbeianus). Introduzida na América do Sul desde 1930, a espécie é considerada invasora no Brasil.

“Boa parte das unidades de conservação da Mata Atlântica vai tornar-se climaticamente mais adequada para essa espécie de anfíbio”, disse Loyola. “Precisamos estudar como será possível evitar ou controlar a invasão dessa espécie, para evitar desequilíbrios ecológicos no bioma”, avaliou.

Contribuição das projeções

Segundo Loyola, as projeções de mudanças na distribuição geográfica de espécies animais podem auxiliar no planejamento e na implementação de medidas de conservação do bioma.

Ao estimar para onde determinadas espécies de animais devem migrar por causa das mudanças climáticas, é possível traçar corredores de dispersão, compostos por áreas conectadas capazes de servir de refúgio para esses animais, exemplificou.

Além disso, as projeções também auxiliam na identificação de áreas no bioma onde podem ser estabelecidas novas unidades de conservação, de modo a diminuir os efeitos das mudanças climáticas sobre o número e a composição das espécies.

“Os modelos permitem gerar soluções de conservação que consideram quais são os locais mais adequados para serem protegidos na Mata Atlântica levando em conta que o clima vai mudar e que as espécies respondem de uma maneira previsível a essas mudanças climáticas”, afirmou.

No estudo publicado na Biodiversity and Conservation os pesquisadores identificaram que as poucas reservas da Mata Atlântica que ganharão espécies nas próximas décadas estão situadas em montanhas, com capacidade de manter um clima adequado para os anfíbios.

Com base nessa constatação, eles sugerem que as novas unidades de conservação sejam estabelecidas em regiões de grande altitude do bioma e sejam criados corredores de dispersão para esses locais. Com isso, esperam atenuar os efeitos das mudanças climáticas sobre os anfíbios, mais suscetíveis às alterações no clima por sua dependência de microambientes, regimes hidrológicos e capacidade limitada de dispersão.

“É possível contornar perfeitamente esse quadro alarmante, caso as soluções que os cientistas vêm oferecendo sejam discutidas e implementadas por tomadores de decisão e legisladores; isso é uma ótima notícia para a comunidade em geral”, afirmou Loyola.

O artigo Climate change threatens protected areas of the Atlantic Forest(doi: 10.1007/s10531-013-0605-2), de Loyola e outros, pode ser lido na Biodiversity and Conservation em link.springer.com/article/10.1007%2Fs10531-013-0605-2#.

O artigo Clade-specific consequences of climate change to amphibians in Atlantic Forest protected areas(DOI: 10.1111/j.1600-0587.2013.00396.x), também de Loyola e outros, pode ser lido na Ecography .

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