Atualmente no mundo há dois medicamentos para o tratamento da Doença de Chagas: nifurtimox e benznidazol. No Brasil, apenas o segundo tem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser comercializado porque o nifurtimox é altamente tóxico. A partir de modificações químicas de benznidazol, pesquisadores da USP em Ribeirão Preto encontraram uma molécula que mostrou uma atividade cinco vezes melhor que o benznidazol na eliminação do Trypanossoma cruzi (T. cruzi), parasita causador da Doença de Chagas.
Durante testes in vitro, foi constado que além de matar o parasita, a molécula não foi tóxica para a célula. “O próximo passo será sintetizar uma quantidade maior dessa molécula, passar de miligramas para gramas, e verificar se o resultado será o mesmo em animais para a formulação de um potencial fármaco”, explica Ivone Carvalho, professora de Química Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP.
O estudo também tem a colaboração da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP. “Na Ciências Farmacêuticas, fazemos a síntese das moléculas e na Medicina foi realizado ensaios de atividade biológica in vitro empregando diversas moléculas, das quais uma foi mais ativa”, disse Ivone.
A descoberta da molécula já foi patenteada pela Agência USP de Inovação, responsável por gerir a política de inovação da universidade. A Agência realiza todos os procedimentos necessários para o registro de patentes, marcas, direitos autorais e software, além de apoio aos docentes, alunos e funcionários da USP na elaboração de convênios em parceria com empresas.
De acordo com a pesquisadora, o benznidazol foi usado como modelo para sintetizar novas moléculas, justamente por ser um fármaco disponível no mercado e, portanto, pode facilitar a descoberta de novos derivados mais potentes. “A doença de Chagas é negligenciada, ou seja, é causada por agente parasitário e tende a ser endêmica em população de baixa renda, não atraindo o interesse da indústria farmacêutica para a pesquisa de novos medicamentos. Fica para as Universidades e Institutos de Pesquisa o interesse de novos estudos”.
O benznidazol, por exemplo, existe há cerca de 40 anos. Ele também possui algumas limitações para eliminar o Trypanossoma cruzi e traz efeitos colaterais aos pacientes, como enjoos, dores estomacais e resistência ao medicamento. Ivone explica que na fase aguda da doença (correspondente às primeiras semanas de infecção), o benznidazol consegue matar o parasita que se encontra na corrente sanguínea.
Entretanto, ele não é eficaz quando o diagnóstico ocorre na fase crônica, ou seja, quando o T. cruzi se hospeda nos tecidos e pode causar o crescimento de órgãos como o coração e o esôfago. “É muito comum o diagnóstico apenas quando se encontra na fase crônica da doença, pois na fase aguda os sintomas (febre, mal-estar, inflamação) podem ser confundidos com outras doenças e passar despercebido. A pesquisa tem como objetivo obter um fármaco melhor que benznidazol para que elimine o parasita também nos casos crônicos, tenha menos efeito colateral e não permita o desenvolvimento de resistência dos parasitas ao medicamento”, afirma Ivone.
Transmissão
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, predominam os casos crônicos. Estima-se que existem entre dois e três milhões de pessoas infectadas. A Doença de Chagas é adquirida por meio do contato com as fezes do inseto infectado pelo parasita, conhecido como “barbeiro”. O Trypanosoma cruzi entra no sangue a partir do contato das fezes do inseto “barbeiro” através da pele ferida ou mucosa do olho, ou pela ingestão de alimentos contaminados com esse material. Pode ocorrer também pela transfusão de sangue ou transplante de órgãos de pessoas com a doença. Além disso, a doença pode ser transmitida da mãe infectada para o recém-nascido.