Estudo da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP analisou a forma como o profissional da saúde comunica uma má notícia às mães de filhos com câncer. A pesquisa revela que a escolha das palavras e do local da comunicação interfere tanto na compreensão da família e do paciente sobre a doença quanto na satisfação com o atendimento médico.
“Acredito que a minha pesquisa pode colaborar com o conhecimento do câncer infantojuvenil e auxiliar os profissionais da saúde a ter uma comunicação mais adequada com seus pacientes e familiares, e também que as instituições formadoras tomem para si a responsabilidade da capacitação em habilidades de comunicação com o paciente e seus familiares”, afirma a enfermeira e autora do estudo Talitha Bordini de Mello. “A notícia de uma verdade desfavorável, quando realizada com habilidade e sensibilidade, reduz consideravelmente o impacto negativo da informação”, diz. A pesquisa foi orientada pela professora Regina Aparecida Garcia de Lima.
Para a pesquisadora, inúmeros estudos identificaram que queixas de mães, na maioria das vezes, é a de que a comunicação de uma notícia difícil acontece em salas com pouco conforto e privacidade. “Observa-se a ocorrência da comunicação nos corredores, próxima a outros profissionais e até de pessoas desconhecidas da família. Isso gera constrangimento”, relata Talitha.
As 24 mães que participaram do estudo foram entrevistadas no período de junho de 2012 a março de 2013, no Setor de Oncologia da Clínica Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP.
A descoberta
Os resultados apontam que as mães sentem muita dificuldade no momento em que recebem o diagnóstico, devido ao pouco conhecimento sobre a doença. “É como se fosse uma sentença de morte para o meu filho”, relatou uma das mães. Com toda carga emocional envolvida no momento da comunicação do diagnóstico, algumas disseram que jamais se esqueceram daquele momento.
Para dar a “árdua notícia”, os médicos contam com o apoio do protocolo SPIKES — um passo a passo de orientação de como dar a notícia, mas ainda pouco utilizado no Brasil. Segunda Talitha, nos Estados Unidos e na Europa, esse protocolo é mais usado. Ela lembra que na FMRP, por exemplo, “existe uma disciplina sobre como comunicar-se com o paciente e que também está em fase de implantação em outros cursos de medicina no País”.
O protocolo aborda outros aspectos como indispensáveis no processo de comunicação: o ambiente deve ser privado; deve se evitar falar das dificuldades do tratamento; identificar o quanto o paciente quer saber sobre a patologia e trocar os termos médicos por linguagem clara e objetiva. “Além disso, é necessário repetir as informações diversas vezes e, depois de cada encontro, fazer um resumo sobre tudo o que foi conversado para facilitar o entendimento da situação”.
Reação das mães
“Quando falam de câncer, a primeira coisa que vem na nossa cabeça é a morte”, desabafou uma das mães que participou do estudo. “Todo dia ter que tirar sangue, todo dia ter que furar, todo dia quimioterapia, ver o cabelinho dela cair… Dói demais”, relatou uma outra.
Com o diagnóstico do câncer, uma série de mudanças é desencadeada na vida dos pacientes e de seus familiares. “As mães passam por dois sentimentos diferentes: o primeiro é de alívio por saber o que o filho tem. O segundo é o temor mesclado à sensação de que o médico sela seu destino e de seu filho com o diagnóstico”, conta Talitha. Apesar de sentir muito medo do futuro, as mães demonstraram muita esperança. “Algumas, mesmo quando os filhos recebiam cuidados paliativos, tratamento sem a possibilidade de cura, ainda tinham esperança.”
Reação das crianças
Algumas mães preferiram não revelar para os filhos a situação por acreditar que com isso eles não teriam noção da gravidade do caso e assim teriam amenizados os problemas psicológicos. Outras disseram acreditar ser importante que o filho soubesse sobre sua doença, pois poderiam aderir melhor ao tratamento.
Segundo a pesquisadora, estudos identificam que a posição dos médicos em relação à comunicação para as crianças e adolescentes foi unânime. “A criança deve ser posta a par do seu estado de saúde e dos procedimentos aos quais será submetida”.
A pesquisadora lembra que a notícia deve ser dada para as crianças pelos pais, por serem pessoas de confiança. “Quando eles preferem não contar, a criança fica sabendo por terceiros e, assim, elas guardam essa informação, não compartilham seus sentimentos e criam uma ideia totalmente diferente da doença.”
Atualmente, os casos de câncer infantil vêm crescendo 1% ao ano. Na faixa etária entre cinco e 19 anos, o câncer é a maior causa de morte, porém, no Brasil, a taxa de cura chega a aproximadamente 70%. “O que marcou e comoveu muito durante a pesquisa foi a esperança de cura dessas mães durante toda a trajetória, além da força e vontade de lutar e vencer com o filho o tratamento do câncer”, afirma a enfermeira.