Dentro de um cenário em que o Brasil chegou a ser apontado como o “campeão mundial” em número de cesarianas, a preocupação com a “epidemia de cesáreas” levou as autoridades de saúde a lançar programas para o estímulo ao parto normal e consequente redução do número de nascimentos pela via cirúrgica.
Os números oficiais confirmam a necessidade de uma mudança, pois o índice de cesarianas no Brasil ultrapassa os 50% (chegando a mais de 80% na rede particular), enquanto o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 15%.
Junto com os programas e campanhas do próprio Ministério da Saúde, surgem também a discussão acerca de todo o modelo de atenção ao nascimento e ao parto e o movimento pela humanização do atendimento.
No Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), várias iniciativas têm sido implementadas. Um exemplo é o projeto “Para uma vinda bem-vinda”, desenvolvido em conjunto com o curso de Psicologia da UFGD, e que consiste na visita guiada às instalações da Maternidade, com informações e esclarecimentos, tanto sobre a instituição quanto sobre o parto em si e os primeiros cuidados com a saúde da mãe e do bebê (saiba mais).
Defensor das boas práticas preconizadas pela Política Nacional de Humanização da Saúde, o médico Matheus Goudinho Gonçalves, obstetra do HU-UFGD, explica em linguagem simples e direta alguns conceitos relativos à humanização, e aponta o respeito à mulher como ponto fundamental para garantir um bom atendimento.
1 – Parto Humanizado é um termo que tem se tornado cada vez mais comum ao longo dos últimos anos. No entanto, não é um conceito muito fácil de explicar, sobretudo porque o tema da humanização, em si, carrega enorme gama de definições, muitas possibilidades de interpretação e costuma gerar polêmicas e debates acalorados. Em linguagem simples, o que é, afinal, o Parto Humanizado?
Eu gosto de resumir o Parto Humanizado em uma única palavra: respeito. As pessoas têm um conceito errado sobre o parto humanizado, muitos acham que é sinônimo de parto normal com direito a banheira de hidromassagem ou parto em casa, etc. Parto humanizado é muito mais que isso, é um conjunto de ações que se baseia principalmente no respeito à paciente, aos seus desejos, e, principalmente, no respeito a sua autonomia e sua capacidade de parir.
2 – Seguindo as diretrizes da Política Nacional de Humanização, como é possível e o que é necessário para implementar uma atenção humanizada ao nascimento e ao parto?
A humanização na atenção à parturiente é possível quando há integração das principais esferas de atenção à saúde, desde seu início, durante o acompanhamento pré-natal na Unidade Básica de Saúde, até o parto, no serviço terciário. A humanização se inicia durante o pré-natal, pois é quando são dadas às pacientes as informações necessárias para que tenham capacidade e conhecimento suficiente para garantir sua autonomia. Porém, infelizmente, em seis anos trabalhando na rede pública, vejo que não é dessa forma que é conduzido o pré-natal na maioria das UBSs. Assim, chegando ao momento da assistência ao trabalho de parto e parto, a humanização se inicia na chegada da paciente ao hospital, durante o seu acolhimento. Este momento é tão importante quanto os demais, pois representa o “cartão de visitas” que a paciente recebe ao chegar no hospital. Eu acredito que, durante a assistência ao trabalho de parto e parto, dois fatores são de extrema importância: equipe e estrutura. Ambos são essenciais para fornecer um atendimento humanizado. Equipes precisam de capacitação neste quesito e, estruturalmente, os hospitais ainda não permitem que seja fornecido um ambiente 100% humanizado. Porém, tudo isso que foi dito precisa imensamente de uma outra coisa, que é a principal responsável por tudo: a gestão do serviço de saúde. Ela é a responsável por fornecer uma estrutura adequada e fornecer equipe capacitada ou capacitar a existente. Se a gestão for falha neste quesito, continuaremos vendo a humanização sempre como exceção.
3 – Quais os benefícios da humanização do atendimento para a mãe e para o bebê?
Com a humanização no atendimento a mãe se sentirá mais segura e mais acolhida pela equipe e pela instituição. Isso fará com que os resultados bons apareçam tanto para a parturiente e o bebê quanto para a equipe. Alguns estudos já mostram que medidas como a presença de acompanhante aumentam a taxa de sucesso do parto vaginal e reduzem em até duas horas o tempo do trabalho de parto. É evidente que a humanização, que deveria ser regra e não exceção, é essencial para obtenção de resultados favoráveis.
4 – E quais as vantagens do parto normal, por si só, para a mãe e para o bebê?
O parto vaginal é um evento fisiológico do corpo materno. Sendo assim, implica menor taxa de risco de complicações, em comparação com a cesariana, além de promover uma recuperação materna mais rápida. Além disso, durante todo o trabalho de parto, e especialmente durante a passagem pelo canal de parto, o bebê recebe uma importante preparação para a vida extrauterina. Já a cesariana, por ser um procedimento cirúrgico, apresenta riscos maiores para a mãe em comparação ao parto vaginal, como hemorragia e infecção, por exemplo, além de um risco maior de transtornos respiratórios para o recém-nascido.
5 – É possível falar em “cesariana humanizada”? Ou a via cirúrgica de nascimento exclui essa possibilidade?
Sim, é possível realizar uma cesariana humanizada, pois “humanizado” não se refere ao tipo de parto, e sim ao conjunto de medidas e condutas tomadas, sempre respeitando a autonomia da paciente.
6 – De que maneira a mulher deve se informar e se preparar para que sua experiência de parto seja satisfatória?
O ideal seria que todas as informações fossem dadas durante o seguimento pré-natal, porém sabemos muito bem que isso não ocorre na maioria das vezes. Deveria haver mais investimentos em cursos para gestantes, rodas de conversa, visitas às maternidades, etc. E essas medidas deveriam abranger toda a população, principalmente as pessoas mais carentes, que são as que mais precisam de informação e as que mais se beneficiariam com a humanização.
O especialista: Matheus Goudinho Gonçalves, formado em Medicina pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em 2011, concluiu a Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia em 2015, também pela UFMT, e, em junho do mesmo ano, foi integrado ao quadro do HU-UFGD.