Foto destacada: acervo da FAU

Laboratório da USP estuda o design para melhoria da saúde pública

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, local de desenvolvimento de pesquisas sobre Design em Saúde

Estudos focam em aprimoramento de dados para gestores, educação aos pacientes e comunicação em procedimentos no Sistema Único de Saúde (SUS)

A trajetória do paciente: como o design pode aperfeiçoar a saúde pública?
Estudos focam em aprimoramento de dados para gestores, educação aos pacientes e comunicação em procedimentos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Um caminho não acolhedor da recepção ao consultório, o aparelho de ultrassom de difícil manuseio, cartilhas não informativas sobre saúde e números complicados de casos da covid-19. O que eles têm em comum? Todos passaram por algum grau de planejamento inadequado, ou seja, necessitam de um melhor design.

A proposta do Laboratório de Pesquisa de Design para Saúde da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP é desenvolver um avanço teórico e prático nesse campo de estudo. A iniciativa começou com demandas de setores da saúde em 2018 e se formalizou como um grupo de pesquisa transdisciplinar que envolve a Escola Politécnica (Poli) da USP e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP).

A área de design está relacionada à elaboração de um desenho não só de recursos visuais, mas de informações gerais, produtos, espaços, serviços e sistemas. A ideia é organizar esses elementos da melhor forma para alcançarem seus objetivos em um contexto de necessidades.

O design voltado à saúde segue essa lógica. Segundo Sarah Goldchmit, professora da FAU e coordenadora do grupo, a diferença se encontra nos contextos em que ele é aplicado: em qualquer cenário que envolva a promoção de maior saúde a um indivíduo. Esse desenvolvimento pode ser dividido em uma fase de planejamento e outra de intervenção.

“A primeira etapa é uma de pesquisa. Ela tem muita importância e é feita de forma criativa, contextualizada e multidisciplinar. Então, nesse momento, algo que tem sido muito utilizado por profissionais de outras áreas é o mapeamento de jornadas, a jornada do usuário. É entender esse percurso do usuário ao longo de um arco temporal seja de um dia, seja de um tempo [maior] em um serviço público”.

Leandro Velloso, também professor do instituto e um dos responsáveis pelo laboratório, define a próxima etapa. “A segunda parte é a da proposta de intervenção, mas que a gente pode chamar também de prototipagem. A Inovação do design na saúde não é nem de fazer levantamento e análise nem de fazer prototipagem; é o processo para se chegar num produto de inovação de pesquisa e desenvolvimento.”

De acordo com ele, o protótipo é a formulação de um projeto inicial pronto para ser aplicado, mas não finalizado. Trata-se de colocar à prova para verificar se houve sucesso em alcançar a sua proposta e ajustar algum aspecto se necessário. O impacto no usuário do produto final, então, pode ser medido.

A evolução do design na saúde

Essa pluralidade de atuação, porém, não foi estabelecida desde o início.”O desenvolvimento do campo do design na passagem do século 20 para o século 21 ganha a medida que ele vai se desvinculando do projeto dos artefatos, que era muito design de objeto ou desenho industrial; o design gráfico; depois o design de interface. Ele era muito localizado e subdividido nessas áreas e ainda é de certo modo. Mas na passagem da virada do milênio, o design ganha uma notoriedade”, afirma a professora.

Ela também reforça que essa repercussão levou à propagação desse conhecimento a outras áreas. “[O design] passa a ser desejado por muitas corporações e instituições públicas também. O que ocorre hoje é uma grande difusão desses conhecimentos em muitas escalas, ocorrem muitas apropriações das mais diversas profundidades.”

Quanto à saúde, o avanço maior aconteceu a partir do desenvolvimento da estatística no século 19. O destaque é dado a Florence Nightingale, enfermeira britânica que contribuiu para a formulação de infográficos relacionados às altas taxas de infecção de soldados na Guerra da Crimeia na década de 1850.

O gráfico de Rosa, criado por ela, assemelha-se ao famoso gráfico de pizza, porém, cada parte triangular representa um mês e o tamanho deles é proporcional ao que se deseja medir. Nightingale calculou o número de mortes entre os combatentes desde abril de 1854 até março de 1856, incluindo o período do conflito. Ela elencou três principais causas de mortalidade — infecção ou doenças preveníveis (na cor azul), ferimentos de batalha (vermelho) e outras causas (preto).

Ela também era conhecida como a “Dama da Lâmpada” pelos frequentes plantões em que passava iluminando as enfermarias à noite enquanto cuidava de muitos soldados. Essas evidências levaram Nightingale à defender a melhoria das condições sanitárias. A profissional contribuiu para o ensino do sanitarismo, para a diminuição do número de mortes no exército e para a reforma dos hospitais britânicos naquela época.

O Laboratório e o Infovis
Da interação entre profissionais da área de design e arquitetura, engenharia e saúde, são criados projetos com a abertura para a participação de alunos de graduação com intenção de realizar iniciação científica ou pós-graduandos dos programas de mestrado ou doutorado dos institutos.

A equipe naturalmente foi dividida em duas frentes de trabalho a partir do surgimento do Infovis, projeto de readequação da visualização de dados para gestores do Sistema Único de Saúde. A coordenação da pesquisa foi efetuada pela Lucia Filgueiras, professora do departamento de engenharia da computação da Poli da USP, em parceria com Velloso e contou com o apoio financeiro da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). De abril de 2020 a janeiro de 2021, foram produzidos protótipos para a Sala de Apoio à Gestão Estratégica (Sage) do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS (Demas).

Foram coletados desejos de aproximadamente 300 usuários da saúde pública — cidadãos, imprensa, profissionais, pesquisadores e principalmente gestores — para elencar alvos em comum para o desenvolvimento de protótipos. O Sage atua ao nível federal para organizar a visualização desses dados e oferecê-los aos estados e municípios. Também foram disponibilizados um manual de design para formação de infográficos e um plano de formulação e implementação desses sistemas.

A sala passou por um processo de reconhecimento da forma como eles ordenavam os dados anteriormente. “Todos eram organizados sempre com a utilização de um gráfico temporal, que mostrava a quantidade de investimento nesse programa específico ao longo do tempo, e um mapa mostrando quais os municípios que tinham aderido a um programa específico”, detalha o pesquisador.

A mudança, segundo ele, é na melhoria do letramento científico, ou seja, na aplicação de melhores técnicas para a compreensão do leitor. Ele destaca a criação de um painel dos 23 principais indicadores de saúde pública no país; um modelo de mapa de risco de arboviroses (infecções por arbovírus transmitidos por mosquitos); um sistema para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu); os resultados de programas de municípios; visualização das capacidades instaladas por região; e a implementação do manual de design no vacinômetro para covid-19.

O sistema do Samu consegue organizar informações sobre a cobertura nos estados e cidades brasileiras (território) e as características das centrais de serviço (população, número de bases, unidades e atendimentos), assim como detalha cada subdivisão. “A gente trabalhou muito e diretamente com a equipe do Samu em nível Federal, diariamente reunindo com eles e trocando ideias. Eles tinham um sistema, mas trabalhavam com planilhas . A ideia de se visualizar no mapa ou de um jeito com mais categorias de cores e tabelas interativas foi totalmente novo”.

O painel de indicadores reúne informações sobre taxa de mortalidade infantil, proporção de partos normais no SUS, cobertura da atenção básica, entre outros. Elas são dispostas por cada unidade federativa em círculos cinzas com uma meta numérica a ser alcançada. Quanto mais preenchido esses círculos forem, mais próximo do resultado ideal a região alcançou. Além disso, existe a visualização por mapas para cada indicador. “Você consegue olhar e entender qual estado está pior ou em qual o indicador está melhor só em uma tela”, afirma o professor.

Conforme explica Velloso, os protótipos são elaborados e passam por uma etapa de validação pela instituição. Alguns já foram implementados plenamente, como o painel de indicadores e o manual de design, mas outros ainda estão em espera. “Não é que a gente refez a Sage. Hoje, ela ainda está em um projeto de reconstrução”.

O laboratório e educação em saúde
Dentre os trabalhos desenvolvidos pelo subgrupo fora do Infovis, existe a linha de pesquisa com educação em saúde. O estudo começou com a demanda de redesenhar o material informativo do departamento de ortopedia e traumatologia do hospital da Santa Casa de São Paulo. Eram usadas cartilhas para pacientes em acompanhamento por osteoartrite de quadril.

“A gente faz um levantamento bibliográfico para entender quais são as abordagens atuais do tratamento da artrose e vemos que existe uma uma enorme lacuna no SUS, que é justamente no tratamento não cirúrgico. O tratamento à base de dieta, exercícios, cuidados no dia a dia não vem sendo feito amplamente. A informação que era pensada como uma cartilha hoje se amplia e há necessidade de um desenho de toda uma estratégia “, expõe Sarah.

Ela explica um pouco mais a importância desse tipo de pesquisa. “Conseguir inserir a pesquisa qualitativa num ambiente tão rigoroso, tão baseado em evidências, no qual eles realmente acreditam nos ensaios clínicos, nos ensaios populacionais, é trazer essa visão mais individualizada. Dar voz para o usuário é algo que foi um desafio e uma novidade nesse projeto”.

Segundo ela, no final de 2021, o projeto foi contemplado com o edital Universal do CNPq envolvendo pacientes com artrose de joelho do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP). A ideia é “desenvolver materiais educativos numa perspectiva de transformação digital, de disseminação na forma de vídeos e imagens”, conta a pesquisadora.

Na mesma perspectiva de produção audiovisual, o Instituto de Radiologia (InRad) do HCFMUSP começou uma parceria com o laboratório voltada à preparação de usuários para exames radiológicos, de acordo com a professora. “Os pacientes não conseguem se preparar adequadamente [porque] são exames complexos, além de sentirem medo e ansiedade. Muitas vezes, o exame tem que ser refeito ou reconvocado, o que gera uma exposição à radiação desnecessária e mesmo problemas de agendamento que poderiam ter custos reduzidos através da informação”.

Os resultados de ambos os projetos educativos são parciais, pois ainda estão em processo de desenvolvimento. No entanto, é possível ter acesso à revisão bibliográfica sobre o design em ortopedia e acessar a publicação do grupo na sexta edição do Congresso Internacional de Design para Saúde em Amsterdã em 2020.

Mais informações e outras atividades
Quanto ao ensino de graduação e pós-graduação, existem disciplinas específicas voltadas para a área de saúde na FAU e há a organização de workshops e palestras, conforme explica Sarah. O último evento foi o primeiro Simpósio Internacional de Design e Inovação em Saúde, realizado por webinar no dia 9 de junho. Palestrantes nacionais e internacionais abordaram os seguintes tópicos: multidisciplinaridade e colaboração em pesquisa; dados e visualização de informações; espaços e ambientes de assistência à saúde; e dispositivos médicos.

Mais informações sobre o Laboratório de Pesquisa de Design para Saúde da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP em seu site, https://sites.google.com/usp.br/labdesignparasaude, no instagram ou entrando em contato pelo e-mail labdesignparasaude@gmail.com