O Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (Brainn, na sigla em inglês), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP, está oferecendo aconselhamento genômico a um grupo de pacientes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O novo serviço inclui exames que permitem identificar predisposições genéticas a doenças e antecipar medidas de prevenção e tratamento.
Por enquanto, o aconselhamento genômico é oferecido gratuitamente a 100 pacientes que participam de pesquisas da instituição, mas a ideia é abri-lo para a população.
A identificação das possíveis doenças futuras ocorre por meio do sequenciamento do exoma, as sequências de DNA que direcionam a produção de proteínas essenciais ao funcionamento correto do organismo. Como grande parte das falhas que levam a doenças genéticas, hereditárias ou não, ocorre no exoma, seu sequenciamento permite analisar o DNA de um paciente para descobrir predisposições a doenças.
Diferente dos testes genéticos, focados nas doenças relacionadas a mutação em um único gene, o aconselhamento genômico considera mutações em diferentes partes do genoma.
“Por meio desse sequenciamento podemos fazer não só o diagnóstico molecular das doenças monogênicas, mas também de doenças mais complexas, que são causadas por mutações em mais de um gene, o efeito poligênico”, explicou a coordenadora do serviço, a médica geneticista Iscia Lopes Cendes, professora do Departamento de Genética Médica da FCM.
De acordo com Fernando Cendes, coordenador do Brainn, o sequenciamento e o rastreio de mutações genéticas podem levar a descobertas precoces de doenças neurológicas, como epilepsia, Parkinson e Alzheimer, um dos objetivos das pesquisas desenvolvidas no CEPID.
Mas também é possível revelar a predisposição a diversos tipos de câncer e condições que implicam, por exemplo, em risco cardiovascular, como a arritmia, que pode causar morte súbita, e hipertermia maligna, a suscetibilidade à reação a anestésico e relaxante muscular. São os “achados incidentais”, que não foram o motivo principal da consulta do paciente.
“Esses achados podem antecipar intervenções médicas”, disse Cendes. “Mesmo que o foco inicial do sequenciamento seja o entendimento de uma condição específica do paciente, como a epilepsia, o sequenciamento pode levar a informações de genes que indiquem predisposição a outras doenças – e aí está a importância do aconselhamento genômico.”
Além das informações do sequenciamento, o paciente conta no ambulatório com suporte profissional para a avaliação das medidas possíveis de serem adotadas após os resultados. Antes do teste, o paciente recebe esclarecimentos que o auxiliam na decisão sobre receber também os resultados dos achados incidentais.
“É um processo sigiloso que depende do consentimento do paciente, que pode optar por não tomar conhecimento dos achados incidentais, e segue critérios éticos muito bem definidos sobre quais informações são pesquisadas. A partir daí, começa o aconselhamento sobre as condutas médicas possíveis”, explicou Cendes.
O aconselhamento é feito por profissionais treinados pelo CEPID Brainn para orientar os pacientes sobre as descobertas em seu material genético, com informações a respeito dos riscos envolvidos e suporte psicológico adequado.
“É outra importante frente de atuação do ambulatório: a capacitação de profissionais preparados para o aconselhamento. Trata-se de uma evolução científica e tecnológica, mas também humana do ponto de vista da abordagem médica e, claro, do serviço à comunidade”, disse o coordenador do Brainn.
De acordo com Iscia, o trabalho abre novas possibilidades de formação. “Pretendemos criar a figura do aconselhador genômico, treinar médicos residentes, oferecer mestrado profissionalizante e abrir o leque de atuação dentro da medicina genômica. É ainda inédito no país.”
Após ser encaminhado ao ambulatório por apresentar alguma condição de origem genética ou de difícil diagnóstico pelos métodos tradicionais e passível de ser detectada pelo sequenciamento do exoma, o paciente passa por um aconselhamento pré-teste, que esclarece sobre as chances de achados incidentais e o envolve no processo de tomada de decisões sobre as informações genéticas que serão investigadas.
O sequenciamento do exoma é feito no Laboratório de Genética Molecular e os dados são transferidos para o Laboratório de Biologia Computacional e Genética Estatística, ambos ligados ao Departamento de Genética Médica da FCM.
“A partir daí, eles são interpretados pelos profissionais e o processo de aconselhamento tem continuidade com as decisões sobre o que fazer com as informações encontradas”, disse Cendes.
Saúde pública
A maioria dos pacientes do ambulatório procura inicialmente diagnóstico de doenças neurológicas, principalmente epilepsia, foco dos estudos do CEPID Brainn. Os novos achados, no entanto, também serão contemplados pelo serviço, que tem o objetivo de ser incorporado na rede pública de saúde.
“Além da investigação sobre doenças neurodegenerativas e neurológicas frequentes ou raras, o sequenciamento do exoma pode fornecer alternativas importantes aos métodos atuais de triagem metabólica, como o teste do pezinho, fazendo chegar a uma gama maior da população os benefícios que o avanço científico na área já é capaz de proporcionar”, acredita Cendes.
Em geral, o oferecimento dos testes envolvendo o sequenciamento do exoma no Brasil é limitado, concentrando-se na rede privada e, ainda assim, com grandes restrições, já que a maior parte dos exames é feita no exterior.
Para Cendes, o trabalho do Brainn contribui ainda para a geração de conhecimentos em genética humana e médica adequados à realidade brasileira.
“Temos problemas de saúde inerentes à nossa população do ponto de vista genético e ambiental. Se esses problemas não forem relevantes para os grandes centros de pesquisa internacionais, nunca teremos soluções adequadas. Por isso, é preciso criar alternativas ajustadas à nossa realidade”, disse.
A incorporação do serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo os pesquisadores do Brainn, também levaria a uma economia nos gastos com a saúde pública em longo prazo.
“Os custos com exames diversos, internações e procedimentos, que, muitas vezes, levam a diagnósticos imprecisos e até equivocados, poderiam ser minimizados com a adoção do sequenciamento genômico em casos específicos, revertendo-se em economia para a rede pública e para as famílias dos pacientes”, disse Cendes.