Indefinição problemática

Em julho de 2007, pesquisadores que atuam no Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) – o principal experimento no mundo dedicado ao estudo dos efeitos da fragmentação em florestas tropicais – já alertavam que aquela verdadeira floresta laboratório estava seriamente ameaçada pela política de colonização da área.

Dois anos depois, apesar do apelo dos cientistas, publicado na revista Nature, a situação permanece estagnada, segundo o coordenador científico do PDBFF, José Luís Camargo, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

“Desde então, a chegada de novos colonos à área do projeto praticamente cessou, graças à crise econômica. Mas nada foi feito para impedir que isso volte a ocorrer no futuro. Sem uma definição precisa da política de colonização da área, a pressão populacional de Manaus em breve se tornará uma ameaça real ao experimento”, disse Camargo à Agência FAPESP durante a 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na capital amazonense.

Uma parceria entre o Inpa e o Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, nos Estados Unidos, o PDBFF tem o objetivo de avaliar mudanças causadas no ecossistema da floresta tropical à medida que ela é fragmentada. Criado há 30 anos, o projeto já gerou mais de 500 artigos, além de 115 teses e dissertações.

Segundo Camargo, o projeto ocupa uma área de 1 quilômetro quadrado na qual há fragmentos comparáveis de 1, 10 e 100 hectares, ilhados em áreas desmatadas desde a década de 1970. Essa configuração permite o monitoramento comparativo antes mesmo de as áreas terem sido alteradas, o que confere ao projeto um valor científico incalculável. Mas a localização, a apenas 80 quilômetros de Manaus, representa um risco iminente.

“O acesso é relativamente fácil e a pressão urbana tende a aumentar. Manaus já dobrou a sua população nos últimos 20 anos, o que caracteriza uma explosão habitacional. Com os investimentos que serão trazidos à cidade com sua escolha para ser uma das sedes da Copa do Mundo de futebol, essa pressão populacional poderá se tornar incontrolável”, afirmou.

Camargo explica que o projeto se localiza no Distrito Agropecuário da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A Suframa, segundo ele, realizou, em associação com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), um plano de distribuição de pequenos lotes adjacentes às áreas de pesquisa.

“Nos últimos dois anos a crise diminuiu essa movimentação, mas não houve iniciativas para uma definição política que impusesse, por exemplo, a criação de zonas-tampão que impedissem os assentamentos contíguos às áreas de pesquisa”, disse.

Para o cientista, o impacto não seria tão ameaçador se a instalação dos colonos estivesse associada a Sistemas Agroflorestais (SAF). “Mas não é o que vemos. As famílias que vão para lá estão se dedicando à produção de carvão. No entanto, aquelas áreas poderiam ser recuperadas, pois hoje temos técnicas de enriquecimento de capoeiras capazes de recuperar a floresta”, destacou.

Entender a floresta

O norte-americano William Laurance, do Instituto Smithsonian – que em 2007 assinou em coautoria com Regina Luizão, do Inpa, o artigo na Nature alertando para os riscos corridos pelo PDBFF –, afirmou que a própria Suframa realizou há cerca de cinco anos um projeto de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) no distrito, concluindo que a área é um hotspot de biodiversidade (uma das áreas prioritárias para a conservação global).

“O estudo foi extraordinariamente bem feito mas, aparentemente, os autores ficaram sentados em cima dele, porque nunca chegou a ser lançado oficialmente. Achamos preocupante a atitude da Suframa em relação à colonização. Os colonos estão queimando a floresta para fazer carvão e vender em Manaus. E essa devastação, ainda por cima, rende muito pouco a essa população”, disse.

Segundo Laurance, as pesquisas realizadas no PDBFF têm contribuído de forma contundente para o conhecimento dos impactos da fragmentação florestal.

“Graças aos estudos feitos nesse experimento pudemos verificar que o tamanho dos fragmentos tem uma correlação com a vulnerabilidade da floresta: quanto menor o fragmento, maior a mortalidade de árvores e a suscetibilidade aos impactos das mudanças climáticas, da exploração de madeira e queimadas”, disse.

A partir desses estudos, os pesquisadores tentam entender que fatores causam as mudanças ecológicas detectadas em fragmentos florestais, como a alta mortalidade de árvores.

“Foi identificado, por exemplo, que a mortalidade é muito maior perto das bordas dos fragmentos, já que os ventos são mais intensos, expondo especialmente as árvores maiores. Outro fator é o efeito das matrizes adjacentes: as pastagens em torno do fragmento, por exemplo, causam mudanças microclimáticas importantes, tornando as bordas mais secas e quentes”, disse.

Segundo Laurance, novos estudos realizados na área, que serão publicados em breve, têm feito a identificação botânica das árvores jovens, com diâmetro entre 1 e 10 centímetros.

“Estamos fazendo estudos fitodemográficos com essas árvores jovens para saber em que medida sua composição está sofrendo modificações e se determinadas espécies são mais ou menos vulneráveis à fragmentação. Já sabemos que entre as árvores adultas há muito mais mortalidade nas bordas dos fragmentos. Nos interessa entender agora a dinâmica das árvores jovens porque elas correspondem ao futuro da floresta”, afirmou.

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