A epidemia global da influenza H1N1 (conhecida como “gripe suina”), em 2008 e 2009, teve seus efeitos previstos com antecedência pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que coordenou uma estratégia mundial de vacinação para prevenção da doença, seguida inclusive pelo Brasil. Porém, uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra que o controle da doença evidenciou a depedência do País de vacinas e tecnologias de produção vendidas pelos grandes laboratórios farmacêuticos internacionais. A geógrafa Mait Bartollo, que realizou o estudo, recomenda que o Brasil aumente os investimentos nos institutos de pesquisa nacionais para poder produzir suas próprias vacinas.
O trabalho orientado pelo professor Ricardo Mendes Antas Júnior, da FFLCH, investigou o circuito espacial envolvido na produção, distribuição e consumo da vacina contra a influenza H1N1, e os agentes que participaram do processo, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), fabricantes de vacinas e, no Brasil, o Ministério da Saúde (MS) e as secretarias estaduais e municipais de saúde. “A pandemia teve início em 2008, no México, de onde se espalhou pelo mundo. De acordo com a OMS, foram registrados em 2009, 504 mil casos da doença e cerca de 6.300 mortes”, relata a geógrafa. “No Brasil, o MS tem registro de 44.544 casos e 2.051 mortes, em 2009 e 2010. Cabe lembrar que muitos países não possuem um sistema de saúde organizado, capaz de realizar de modo eficaz a notificação de casos da doença, o que torna os números da OMS subestimados, especialmente sobre a H1N1 na África e Ásia”.
Antes de a epidemia ter início no México, em criadouros de porcos, o alcance da doença já era previsto devido a cálculos matemáticos realizados pela OMS em 2005, o que levou ao desenvolvimento de estratégias de prevenção. “Desde o final da década de 1990, aconteceram focos de epidemias de influenza, principalmente na Ásia, causados principalmente pelas condições de armazenamento de alimentos e da criação de animais”, conta Mait. “Com o maior fluxo de pessoas entre os países, ficou evidente o risco de propagação global das doenças por meio da migração, fazendo com que a OMS criasse modelos estatísticos para prever a difusão dos vírus da influenza”.
Prevenção e dependência
Em 2009, quando a pandemia começou a se espalhar pelo mundo, a OMS enviou um comunicado oficial ao Brasil para que organizasse ações de prevenção contra a doença, o que incluia a vacinação da população. “A OMS possui um poder muito forte de regulação da saúde no âmbito global e pode recorrer a sanções junto a Organização das Nações Unidas [ONU] para garantir que os países cumpram suas notificações”, afirma a geógrafa. “O Ministério da Saúde investiu R$ 1,6 bilhão na vacinação contra a H1N1, com a aplicação de 126 milhões de doses, em especial para os grupos mais vulneráveis, como crianças menores de dois anos e idosos com mais de 60 anos, gestantes, mulheres até 45 dias após o parto, profissionais de saúde, indígenas, portadores de doenças respiratórias graves e população privada de liberdade”. Em 2010, a OMS declarou que a doença estava controlada, e deixou de contabilizar as notificações de casos.
Para realizar a imunização, o Brasil inicialmente teve de importar as vacinas produzidas pelos grandes laboratórios farmacêuticos internacionais, um grupo de cinco empresas conhecido como “Big Farma”. “Estas industrias exercem grande influência sobre as políticas da OMS, pois são as principais fornecedoras das vacinas usadas em todo o mundo, inclusive em ações realizadas por Organizações Não-Governamentais [ONGs]”, observa Mait. “Mesmo com o Brasil possuindo laboratórios públicos para produzir vacinas em institutos de pesquisa, a tecnologia teve de ser importada, gerando gastos com patentes”.
A geógrafa cita o exemplo da dengue, doença endêmica no País, mas que não possui uma tecnologia própria de vacina de uso massificado. “Para romper o ciclo da dependência do conhecimento técnico vindo do exterior, seria preciso um maior investimento no desenvolvimento de tecnologias adequadas ao contexto da população brasileira”, ressalta. “Isso seria necessário não apenas para a dengue, mas também para outras doenças endêmicas, como a malária e a doença de Chagas”.
Mait também defende um maior investimento em educação básica, de modo a estimular o interesse dos jovens pela pesquisa científica. “O Brasil possui centros de pesquisa como o Instituto Butantan e a Fundação Osvaldo Cruz, que criaram vacinas para algumas doenças, como a febre amarela e a poliomielite, um trabalho que deve ser ampliado”, afirma. “Em muitos casos, a importação de tecnologias obriga o País a se comprometer com a compra de vacinas de um único fabricante por vários anos”.