Pesquisa do professor Fernando Fernandes Paiva do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, em parceria com pesquisadores de universidades brasileiras e francesas, propõe o uso da imagem por ressonância magnética (IRM) como novo método para analisar a esteatose hepática, substituindo a tradicional técnica — biópsia hepática — e a Espectroscopia por Ressonância Magnética (ERM). O estudo é descrito no artigo Is MR spectroscopy really the best MR-based method for the evaluation of fatty liver in diabetic patients in clinical practice?, do qual Paiva é um dos coautores, publicado em novembro de 2014 no site Plos One. A esteatose hepática é uma doença causada pelo acúmulo de gordura nas células do fígado.
Atualmente, uma das principais técnicas de análise da esteatose é a biópsia hepática, processo em que parte do tecido do fígado é extraída para avaliação do percentual de gordura. Além de ser um método invasivo — portanto, bastante incômodo para o paciente —, a biópsia verifica apenas uma determinada região do órgão, impossibilitando a avaliação de todo o acúmulo de gordura que se aloja em diferentes segmentos da glândula. Muitas vezes, essa metodologia fornece dados falso-positivos ou falso-negativos.
Por exemplo, um médico pode extrair uma pequena parte do fígado em que há alto percentual de gordura, mas isso não significa que todo o órgão esteja afetado. Aliás, uma amostra que não detecta a gordura pode dar a falsa impressão de que não há lipídios nas demais partes do fígado. Mesmo assim, Paiva afirma que a biópsia tem um papel fundamental na análise de esteatose, apesar da avaliação também poder ser feita por meio do ultrassom, permitindo a análise da textura do órgão. “O problema é que o resultado obtido pelo ultrassom não é quantitativo e há grande variabilidade, dependendo do especialista que opera o procedimento”, explica o professor.
Nos últimos anos, uma série de estudos tem tentado encontrar alternativas para a biópsia hepática. Nesse sentido, a ERM se apresenta como forte candidata na avaliação de gordura hepática. O método, completamente não invasivo, possibilita a diferenciação entre água e gordura, explorando as características físicas distintas do sinal de ressonância magnética de cada uma das duas substâncias. Com isso, é possível determinar a quantidade de gordura e a água presente em uma determinada região do fígado, e, então, calcular a fração do lipídio.
Avaliação
O professor do IFSC explica que um dos problemas da ERM se assemelha muito à limitação da biópsia: os dados são adquiridos apenas de uma pequena região do fígado, impossibilitando uma avaliação mais global do órgão. Além disso, para que seja possível maximizar a eficiência e acurácia da quantificação dos dados, é necessário que a aquisição seja feita em uma amostra estática: A desvantagem é que o paciente não consegue fazer apneia pelo tempo necessário, para que as medidas saiam sem nenhum artefato que possa comprometer a qualidade do sinal; não há como impedir o paciente de respirar por alguns minutos. “Então, em razão desse detalhe, não conseguimos garantir a qualidade necessária para todos os pacientes”, revela Paiva, que ressalta: “Mesmo com esses e alguns outros problemas envolvendo movimentações, essa técnica tem se mostrado eficiente na avaliação da doença”.
Então, coloca-se a questão: uma vez comprovada a viabilidade da ERM, será que a imagem por ressonância magnética também pode ser um método não invasivo conclusivo nos diagnósticos de esteatose hepática? Paiva explica que essa técnica permite uma análise mais ampla do fígado, o que deve sanar algumas deficiências da biópsia e também da Espectroscopia. A IRM fornece uma imagem que cobre todo o fígado, o que permite verificar o padrão de distribuição da gordura ao longo de todo esse órgão, avaliando suas diferentes regiões de uma única vez.
O objetivo principal da pesquisa é permitir que a técnica de imagem por ressonância magnética, que tem se mostrado tão eficaz quanto às demais, permita a criação de um mapa de percentual de gordura localizada no fígado do paciente, para que se possa verificar, por intermédio de cores, a quantidade exata de água e lipídio. A ideia desse trabalho é avaliar as informações das diferentes regiões do fígado obtidas pelas técnicas de imagem, para que possamos verificar qual a eficiência dessa metodologia, quando comparada com a espectroscopia e a biópsia. Para conferir o trabalho publicado na Plos One, clique aqui.
Tal como acontece com a técnica de EMR, também na imagem por ressonância magnética os pesquisadores têm tido dificuldades para realizar as análises, devido aos movimentos causados pela respiração dos próprios pacientes, já que uma aquisição típica de dados leva cerca de quatro minutos para oferecer resultados adequados. Outro fator problemático é o ferro: muitos pacientes de esteatose possuem acúmulo de ferro no fígado, que causa efeito negativo em exames com metodologias à base de ressonância magnética, comprometendo a qualidade dos dados e dificultando a correta avaliação do percentual de gordura.
Apesar das dificuldades, os primeiros resultados publicados na revista Plos One mostram que a técnica é promissora e deve se consolidar como uma alternativa não invasiva importante para avaliação de gordura hepática. Porém, Paiva diz que os pacientes de esteatose hepática só deverão aproveitar o conforto e agilidade dos exames através da técnica IRM daqui a aproximadamente cinco anos, tempo que os pesquisadores estimam para validar as normas de segurança e minimizar os problemas da nova metodologia, que já foi aplicada em cerca de oitenta pacientes diabéticos voluntários. “A vantagem da IRM é que, em um único exame, poderemos obter um panorama geral do órgão do paciente”, conclui Paiva.