Como seria não lembrar-se de quando seus pais morreram e como se chama sua cara metade? Ou o que se estava fazendo em uma data importante e quem eram seus amigos?
Esta é a situação diária real enfrentada pela americana Lonni Sue Johnson, de 64 anos, moradora do Estado de Nova Jersey.
Por três décadas, ela trabalhou como artista, desenhando capas para a revista New Yorker e fazendo ilustrações para jornais, como The New York Times e The Boston Globe.
Também tinha uma chácara, gostava de tocar viola de arco e pilotar seu próprio avião.
Mas, de repente, no fim de 2007, sofreu uma encefalite grave que destruiu quase toda uma área do seu cérebro chamada hipocampo, fundamental para a consolidação das memórias.
Johnson esteve à beira da morte e teve de reaprender a andar, a comer e a falar.
Conseguiu recuperar-se, mas a vida que reiniciou era muito diferente, praticamente sem passado.
Para Lonni Sue Johnson, só existe o presente.
Quem era meu marido?
Apesar de perda de memória, Johson manteve habilidades como tocar viola-de-arco
“Fazemos uma atividade com ela e, literalmente, um minuto depois ela não se lembra de nada”, diz Michael McCloskey, que estuda problemas cognitivos na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore.
Há cinco anos, ele trabalha com Johnson para resolver algumas das questões mais importantes sobre o cérebro: como novas memórias são criadas e como preservamos experiências.
McCloskey realizou testes cognitivos com Johnson e sua família. Ele disse à BBC que o caso dela é bastante particular e, portanto, valioso do ponto de vista científico.
“Já foram estudados muitos indivíduos que ficaram com deficiências na memória por causa de uma lesão cerebral. Mas pouco tiveram essa destruição quase completa do hipocampo”, explica o pesquisador.
No caso de Johnson, foram prejudicadas tanto sua capacidade de lembrar aspectos de sua vida quanto de aprender coisas novas.
“Não significa que ela tenha esquecido de quem é, sua identidade, mas implica numa perda de memórias e de muito conhecimento geral”, esclarece McCloskey.
Johnson consegue reconhecer alguns membros da sua família, distinguir elementos pontuais da sua vida (por exemplo, o que fazia e onde morava) e continua fazendo desenhos, mesmo que mais simples.
Atualmente, ela passa boa parte do tempo criando sopas de letras ilustradas, atividade que, segundo sua família, tem sido fundamental para lhe ajudar a recuperar a criatividade e a se acostumar à amnésia.
Após a doença, ilustradora desenha ‘sopas de letras’ que ajudam na recuperação da memória
Porém, alguns temas simplesmente foram apagados do seu cérebro, como, por exemplo, o fato de seu pai ter morrido quase 20 anos antes da sua enfermidade.
“Ela ficou casada quase dez anos, mas não se lembra de nada. Nem sequer sabe quem era seu marido”, diz McCloskey.
A BBC conversou com alguns parentes de Johnson, que forneceram fotografias e documentos do caso, mas preferiram não falar publicamente.
Como se dirige um carro?
Barbara Landau, especialista em ciências cognitivas do hospital Johns Hopkins, trabalha com McClonskey nas pesquisas sobre o caso de Johnson.
Ela disse à BBC que o primeiro passo da investigação foi tentar entender a magnitude da sua amnésia: quanto havia perdido da memória do dia-a-dia (em assuntos como esportes) ou de conhecimentos adquiridos (sobre pinturas famosas, por exemplo).
“Documentamos perdas extensas nestas áreas”, diz Landau.
O passo seguinte foi analisar o impacto da amnésia em áreas relacionadas a habilidades específicas, como pintar, aprender a tocar viola ou dirigir um carro.
Para surpresa dos pesquisadores, o que encontraram foi um contraste com o primeiro estudo.
Lonni Sue Johnson trabalhava em sua chácara antes da encefalite
“Nas áreas onde havia uma habilidade, ela consegue se recordar de alguma coisa”, afirma a pesquisadora.
“E não é simplesmente sobre como executar essas coisas, pois ela consegue responder a perguntas sobre o seu conhecimento musical, sobre como cuidar do instrumento ou como interpretar sinais para dirigir um veículo.”
Para os dois cientistas, isto mostra que este tipo de aprendizagem ainda é possível mesmo para alguém que praticamente carece do hipocampo.
O caso também lhes permitiu observar que algumas partes do cérebro que se acredita serem importantes para aprender coisas novas e também são relevantes para preservar conhecimentos já adquiridos.
McCloskey e Landau estão trabalhando atualmente em artigos sobre o caso de Johnson para publicações científicas e seguem em contato com a família dela.
“O que estamos aprendendo é que a memória é extremamente complexa”, diz Landau.