Quem olha para o rosto do rapaz de 22 anos que, há dois meses, passou por uma cirurgia de 5h para remover um ameloblastoma (tipo de tumor bucal benigno) e não enxerga nenhuma cicatriz, fica, no mínimo intrigado. Isso porque, esse tipo de tumor – cuja origem foi um dentre incluso – é bastante agressivo e a lesão removida foi de 7cm. Para entender os motivos do sucesso da cirurgia sem cicatriz e da rápida recuperação do paciente é preciso voltar no tempo para conhecer as técnicas adotadas pelas três equipes médicas que atuaram no caso.
O jovem chegou ao Hospital Universitário de Santa Maria da Universidade Federal de Santa Maria (HUSM-UFSM) encaminhado pela Unidade de Pronto-Atendimento (UPA). O paciente foi atendido no Ambulatório de Otorrinolaringologia pelo médico Fabrício Scapini e equipe, que confirmaram o diagnóstico inicial. O caso do rapaz era atípico, uma vez que esse tipo de lesão costuma aparecer na mandíbula (parte inferior da arcada dentária). O tumor já estava em estado avançado. Devido à expansão óssea, dois dentes haviam sido empurrados, o que além do intenso desconforto, impedia a mastigação.
No dia 7 de abril, três equipes médicas – depois de estudar minuciosamente o caso e planejar todos os passos do procedimento – entraram no bloco cirúrgico, às 11h. Por volta das 16h, o trabalho estava concluído. Scapini decidiu usar a cirurgia endoscópica – por meio da qual é possível fazer cirurgia por vídeo (a imagem é transmitida para um monitor) e abordar regiões de difícil acesso como os seios da face e a região posterior nasal. “O convencional seria fazer uma incisão e abrir o rosto dele. Mas isso deixaria cicatriz. O que a gente tentou fazer foi achar uma forma de fazer a cirurgia efetiva e com menos trauma” explicou Scapini.
“O procedimento foi iniciado por dentro do nariz do paciente, com a remoção da parte superior e posterior do ameloblastoma, que é a parte mais difícil. Nós entramos na sequência, realizando a cirurgia pela boca”, afirmou a cirurgiã bucomaxilofacial, Waneza Hirsch. Se não tivéssemos contado com a técnica usada pelo otorrino, não teríamos conseguido chegar na parte superior. Teríamos que fazer a incisão no rosto do paciente. Assim, a cirurgia foi feita com a mesma segurança da aberta, mas sem cicatriz externa”, completou o cirurgião de Cabeça e Pescoço, Cláudio Silveira.
A preocupação dos médicos era conseguir a remover total da lesão. O tumor, depois de retirado, foi encaminhado para uma análise histopatológica e constatado que ele foi removido inteiro. O paciente – que teve alta três dias depois, se alimentando normalmente, via oral – segue em acompanhamento para ver se a lesão não vai voltar. Por um ano, ele voltará ao HUSM, a cada três meses, para fazer exames. Nos próximos quatro anos, terá que fazer avaliação anual. “A recuperação está dentro do esperado. A evolução está bem boa. Não teve nenhuma complicação”, comemora Scapini.
Biomodelo
Além do recurso da cirurgia endoscópica, as equipes usaram o biomodelo para o planejamento pré-operatório. O biomodelo ou protótipo é a impressão da parte – nesse caso da estrutura óssea do rosto – a ser operada. Após uma tomografia multislice (com baixa dose de radiação), as medidas exatas do paciente, são transportadas para um programa de computador que transforma a imagem bidimensional em tridimensional. Na sequência, os dados são enviados para uma impressora 3D que imprime a peça.
“A importância do biomodelo foi a gente conseguir planejar, não na hora, mas com antecedência, onde nós iríamos fazer as incisões”, disse Silveira. “O biomodelo auxiliou no planejamento. Usamos para desenhar as linhas da osteotomia, antes da cirurgia, para decidir por onde remover o tumor. Também usamos o protótipo na conformação da placa. Se não tivesse o biomodelo, a conformação da placa teria que acontecer em tempo real, dentro do bloco”, afirmou Waneza.
Sobre a Ebserh
Desde dezembro de 2013, o HUSM é filiado à Ebserh, estatal vinculada ao Ministério da Educação, que administra atualmente 39 hospitais universitários federais. O objetivo é, em parceria com as universidades, aperfeiçoar os serviços de atendimento à população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e promover o ensino e a pesquisa nas unidades filiadas.
O órgão, criado em dezembro de 2011, também é responsável pela gestão do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), que contempla ações nas 50 unidades existentes no país, incluindo as não filiadas à Ebserh.