Gestação múltipla: o que muda e quais os cuidados necessários

Uma gravidez de mais de um bebê é tecnicamente chamada de gestação múltipla

É difícil achar quem não se encante ao encontrar gêmeos, trigêmeos ou até mais bebês. Muitos pais os vestem até com roupas idênticas. No entanto, uma gestação múltipla, ou gemelar, precisa de muitos cuidados e acompanhamento clínico rigoroso para prevenir e tratar possíveis desfechos graves para a mãe ou os bebês.

Uma gravidez de mais de um bebê é tecnicamente chamada de gestação múltipla. “Ela ocorre quando o embrião formado se divide gerando gêmeos idênticos (univitelinos), ou quando a mulher ovula mais de um óvulo e eles são fecundados por espermatozoides distintos, gerando mais de um bebê, nesse caso, bebês diferentes (bivitelinos)”, descreve Patrícia Fonseca, médica obstetra da Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), vinculada à Rede Ebserh.

No Brasil, um levantamento realizado pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 2020, mostrou que as gestações únicas correspondem a 97,7% dos casos, as duplas a 2,1% e triplas ou mais, a 0,05%.

Passado o “susto” inicial, uma gravidez múltipla costuma trazer muita alegria para as futuras mães, afinal, não são todas que vivem essa experiência. No entanto, ela necessita de muito mais atenção que uma gestação única.

Conrado Milani Coutinho, obstetra especialista em medicina materno-fetal e médico assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da Universidade de São Paulo (USP), explica que esse tipo de gestação aumenta o risco de diversas condições tanto para o feto quanto para a mãe.

Entre os riscos mais comuns para os bebês está a prematuridade, e todas as complicações que isso pode acarretar. Em cerca de 60% dessas gestações os bebês nascem antes do tempo.

“Na gestação de dois, a idade média de nascimento gira em torno de 36 semanas, trigemelares cai para 32 semanas, e quadrigemelares cai para 28 ou 26 semanas, dificultando a sobrevivência desses bebês”, ressalta Herlânio Costa, médico obstetra, chefe do Serviço de Medicina Fetal da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, da Universidade Federal do Ceará (UFC), vinculada à Rede Ebserh.

Existe ainda o risco de restrição de crescimento fetal, além de possíveis malformações. Em países mais desenvolvidos, o número de mortes é menor que em países em desenvolvimento, como o Brasil.

“Estima-se que o risco de morte intrauterina é quatro vezes maior, se comparado com uma gestação única”, indica Coutinho, obstetra especialista em medicina materno-fetal.

Já a gestante tem maior risco de desenvolver pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, trabalho de parto prematuro, anemia e descolamento prematuro da placenta. Pré-disposição para tromboses, problemas dermatológicos e outras patologias também podem influenciar no desfecho da gravidez.

A taxa de mortalidade da mulher varia de acordo com a sua própria saúde, com o pré-natal e o parto. Mas vale alertar que, caso a mulher já tenha hipertensão, diabetes ou sofra com algum problema cardíaco, os riscos aumentam.

“É uma condição que chamamos de gestação de alto risco, por isso precisa ser acompanhada por um profissional especializado nesses casos”, diz Coutinho. O médico afirma que qualquer complicação que pode ocorrer em uma gestação única tem os riscos aumentados em casos de múltiplas.

Mulher grávida recebe atendimento de profissional de saúde

CRÉDITO,JOSE LUIS PELAEZ INC

Legenda da foto,Em uma gestação múltipla, os dois bebês podem compartilhar a mesma placenta

O número de placentas influencia muito na gestação

Em uma gestação múltipla, os dois bebês podem compartilhar a mesma placenta — esta é chamada de gestação monocoriônica —, ou, cada um ter a sua placenta e saco amniótico separados, esta chamada de dicoriônica.

Um grande estudo britânico, realizado por pesquisadores do Harris Birthright Research Center for Fetal Medicine e do King’s College Hospital, publicado em 2020, avaliou mais de 6 mil gestações múltiplas entre 11 a 13 semanas.

Considerado pelos especialistas o trabalho mais robusto de medicina-fetal até o momento, o estudo confirmou que o risco de uma gestação múltipla aumenta dependendo de fatores como a idade gestacional, o número de placentas e de bolsas.

De acordo com Costa, o risco de um bebê de gestação múltipla não evoluir pode chegar a 8% no primeiro trimestre de gestação, mas, quando isso acontece até doze semanas, o risco de vida para o outro bebê é praticamente nulo, e a gravidez segue como uma gestação única.

Por outro lado, quando um dos bebês morre depois do primeiro trimestre há risco de complicações para o outro devido a comunicação vascular que eles tinham, além da possibilidade de ele ficar com sequelas. Mas isso apenas no caso de gestação monocoriônica.

Cesariana não é obrigatória em gestações múltiplas

Ao contrário da gestação única, onde o bebê pode nascer até com 41 semanas, na múltipla isso não acontece — os especialistas não permitem que ela ultrapasse 38 semanas, a fim de diminuir possíveis complicações durante o parto.

Segundo Costa, chefe do Serviço de Medicina Fetal da Maternidade Escola Assis Chateaubriand é possível seguir com a gestação múltipla pelos nove meses, desde que seja dicoriônica (duas placentas separadas), os bebês estejam bem e cuja mãe não apresente nenhuma complicação.

“A interrupção da gestação gemelar deverá ser indicada de forma prematura entre 32 e 34 semanas, diante de gestação gemelar com uma única placenta e uma única bolsa das águas ou quando tem mais de dois fetos — trigemelar, quadrigemelar…”, salienta Patrícia Fonseca, médica obstetra da Maternidade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Alguém segura as mãos de uma mulher

CRÉDITO,FIZKES

Legenda da foto,Apesar dos riscos, o número de gestações múltiplas segue aumentando

Já em relação ao tipo de parto, os especialistas apontam algumas situações em que será necessário realizar uma cesariana. São elas:

  • Primeiro gêmeo em apresentação não cefálica (bebê sentado ou atravessado);
  • Gêmeos com uma única placenta e uma única bolsa das águas;
  • Gestações múltiplas com mais de 2 fetos;
  • Patologia materna, fetal ou placentária;
  • Comprometimento da vitalidade de um ou ambos os fetos;
  • E como fluiu a gestação até o momento do parto.

Mas veja bem: quando não há riscos para o parto vaginal, ele não é contraindicado, como já evidenciaram alguns estudos.

“A gestação múltipla não é um pré-requisito para você fazer cesariana, mas, devido a todos os fatores de riscos que envolvem esse parto nós temos sim uma taxa de cesarianas aumentadas”, comenta Coutinho, o obstetra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Apesar dos riscos, o número de gestações múltiplas segue aumentando, significativamente, por dois motivos principais, conforme explica Coutinho.

“Primeiro, porque as mulheres hoje em dia estão optando por engravidar mais tarde, e quanto mais tarde ela engravida, maior a probabilidade de ela ter uma ovulação dupla ou tripla. Outro fator, e o mais importante, é que muitas mulheres estão engravidando por meio de técnicas de reprodução assistida (inseminação artificial ou o “bebê de proveta”) e, nesses casos, é muito mais comum termos gestações múltiplas”, diz.

Gestação múltipla exige mais cuidados

Certamente você já ouviu o ditado de que gravidez não é doença. De fato, não é. Mas, como dito anteriormente, casos de gravidezes múltiplas precisam sim de mais cuidado.

Para começar, o pré-natal precisa ser acompanhado por um obstetra especialista em gestações de alto risco. “Esse pré-natal não pode ser feito, por exemplo, em um posto de saúde sem recursos adicionais. E quando eu digo isso estou me referindo, principalmente, a exames de ultrassonografia”, afirma Coutinho, obstetra especialista em medicina materno-fetal.

Ele explica que a gestante vai precisar passar por uma bateria de exames ultrassonográficos para identificar uma série de condições, entre elas, o número de placentas e o número de bolsas.

“Dependendo do caso, nós temos que fazer ultrassons a cada duas ou quatro semanas. Então é um acompanhamento muito mais rigoroso que devemos ter preventivamente para evitarmos a perda de um ou dos dois bebês, enfatiza Coutinho.

As vitaminas e medicações são individualizadas, mas os cuidados no dia a dia não são diferentes em relação a uma gestação única. Nesse sentido, comer por dois, três ou quatro é um mito.

O ideal, portanto, é que a futura mamãe siga as orientações nutricionais — não passe vontade, mas consiga manter um equilíbrio. Em geral, a recomendação é de que a gestante consuma diariamente 20% de proteínas, 40% de carboidratos e 40% de lipídeos (gorduras), além de beber bastante água.

“A realização da atividade física durante toda a gestação é importante e proporciona ótimos benefícios para a gestante de gêmeos, desde que não haja nenhuma contraindicação. Dentre as atividades devemos incentivar a yoga, as caminhadas, pilates, natação e hidroginástica”, sugere Fonseca, médica obstetra da Maternidade Escola Januário Cicco.

A recomendação é que a mulher fique atenta a alguns sintomas — que podem surgir em qualquer tipo de gestação — como cólicas uterinas semelhantes a contrações, dor, sangramento, perda de líquido, deixar de perceber a movimentação dos bebês, febre que não cessa. Em qualquer um desses casos, não hesite, vá imediatamente ao hospital.

Saúde mental também importa!

Embora a chegada de uma criança traga muita alegria para a família, o sentimento de preocupação, medo e insegurança também permeiam as mulheres. Agora imagine quem está grávida de gêmeos ou mais filhos.

Quando a família dobra de membros em um curto período, todos os anseios de uma gestação única aumentam. Por isso é importante que essa mulher tenha um bom acompanhamento psicológico, para que ela consiga assimilar a mudança que está ocorrendo em seu corpo e que ocorrerá, posteriormente, em sua vida. (e que mudança!)

Um estudo publicado na American Academy of Pediatrics contemplou um total de 8.069 mulheres e mostrou que mães de partos múltiplos tiveram 43% mais riscos de apresentar sintomas depressivos de moderados a graves, nove meses após o parto, em comparação com mães de filhos únicos.

Joel Rennó Júnior, diretor do Programa Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP) e professor de psiquiatria da USP afirma que a ideia de ter um parto prematuro já deixa as mulheres mais ansiosas e estressadas.

Para o especialista, que também é coordenador da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), hoje, deveria ser obrigatório que qualquer gestante tivesse no início do pré-natal uma boa avaliação psicológica a fim de rastrear problemas de saúde mental ou trabalhar para que eles não se desenvolvam.

O especialista cita também a importância de desmistificar conceitos pejorativos relacionados a saúde mental da futura mamãe. “Ela ainda é tratada como plano de fundo e quando não cuidamos da saúde mental de forma adequada, a mulher pode ter prejuízos, inclusive, em desfechos obstétricos e neonatais negativos. Então é importante se atentar para que essa gestante tenha uma atenção integral”, finaliza.