Função materna vai além de aspectos da experiência corporal

Um estudo evidenciou que aspectos como condições sociais, corporais e subjetivas não são os únicos elementos construtores da maternidade. A pesquisa desenvolvida no Instituto de Psicologia (IP) da USP revelou que os laços sociais são um fator decisivo na formação da função materna, muito além da experiência corporal.

A proposta da tese de doutorado da psicóloga Vera Iaconelli foi problematizar as condições e adversidades encontradas na parentalidade contemporânea. Segundo a pesquisadora, o estudo buscou “ampliar reflexões sobre o tema para além da dupla mãe-bebê, recolocando a mulher em um lugar protagonista, sem esquecer o lugar do pai”. A pesquisa teve início a partir do atendimento de um caso de tentativa de infanticídio no Instituto Brasileiro de Psicologia Perinatal_Gerar. “Buscou-se a partir de então discutir algumas das condições para a construção da função materna”, afirma Vera.

Foi realizado um levantamento qualitativo de base psicanalítica, com a construção de caso como forma de abordar o material. O intuito foi focar a problematização da teoria sobre a função materna em termos culturais e psicanalíticos. “Trabalhei com um único caso atendido na clínica social, embora tenha utilizado diversos outros durante o processo a título de ilustração”. Foi realizado um acompanhamento do tratamento da paciente, por meio de encontros com a equipe do hospital, o bebê internado e os familiares em momentos diferentes.

Foram privilegiados três grandes eixos, que são a experiência corporal, o lugar do sujeito e o laço social. Para tal, a pesquisadora trabalhou em cima do percurso histórico antecedente ao que se entende hoje por maternidade, os diferentes discursos sobre o corpo e as questões do laço social na constituição da função materna. “Dessa forma, pôde-se apontar como a função materna é atravessada pela lógica dessubjetivante do mundo contemporâneo”.

Os resultados apontaram que os laços sociais são os elementos que darão condições para que o bebê seja inserido numa linhagem que dará suporte para a mãe e o próprio bebê. “Vale ressaltar que a experiência corporal não pode ser negligenciada. Dessa forma, as condições sociais, corporais e subjetivas são necessárias embora não suficiente para a construção da maternidade”. Vera afirma ainda que “cabe à psicologia delimitar a potência e limite de cada campo revelando sempre que possível as inesgotáveis ideologias que atravessam os saberes”.

Tabus da maternidade
Afirmando que a quantidade de tabus que ainda vigoram quanto ao tema maternidade é muito alta, a pesquisadora aponta para a falta de interesse dos psicanalistas em geral quanto aos temas correlatos à perinalidade (gestação, parto e pós-parto). “Assuntos como violência obstétrica, medicalização e falta de apoio social a parentalidade são pontos relevantes para a psicanálise mas não têm sido enfrentados quando se pensa a função materna”.

Vera acredita que o projeto possa contribuir para a desidealização da maternidade ao mesmo tempo em que revela potencialidades igualmente negligenciadas. “A ideia é que uma mulher que largou um bebê recém nascido em situação de abandono e risco pode vir a se tornar uma mãe devotada comum, se assim o desejar e for escutada dignamente”. Ela alerta para os problemas que se potencializam com a falta de garantias na maternidade. “A falta de garantias pode ser assustadora, mas se explorarmos o lado da psicanálise nessa conjuntura, é possível que se abra novas perspectivas”.

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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