“Busque se cercar de pessoas mais inteligentes e talentosas do que você”. Diante de uma plateia de pesquisadores, estudantes e funcionários da Fiocruz, William G. Kaelin Jr deu conselhos como este e contou por uma hora e meia um pouco da sua trajetória pessoal e do seu trabalho – incluindo a pesquisa que o levou a receber o Prêmio Nobel de Medicina de 2019. Sua palestra Como as células de mamíferos sentem e respondem ao oxigênio (e minha improvável jornada a Estocolmo), no Auditório do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), faz parte de um programa da Nobel Prize Inspiration Initiative (NPII) que tem como objetivo estimular jovens estudantes e cientistas e que, em parceria com a AstraZeneca, trouxe Kaelin ao Brasil.
Kaelin recebeu o Nobel junto com Peter Ratcliffe e Gregg Semenza pela descoberta de como as células sentem e se adaptam à disponibilidade de oxigênio – uma descoberta que abre caminho para novos tratamentos para câncer, anemia e outras doenças. Professor de Medicina da Universidade de Harvard e pesquisador do Dana-Farber Cancer Institute e Howard Hughes Medical Institute, ele foi recebido pelo presidente da Fundação, Mario Moreira, no Castelo Mourisco, assim como por vice-presidentes e membros do Conselho Deliberativo. “Sua vinda é importante para nós para estimular nossos jovens pesquisadores e nossos estudantes a se envolverem ainda mais em pesquisa”, disse Moreira ao ganhador do Nobel.
Acompanhado pelos vice-presidentes da Fiocruz de Produção e Inovação em Saúde, Marco Krieger, de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Hermano Castro, de Educação, Informação e Comunicação, Cristiani Machado, de Pesquisa e Coleções Biológicas, Maria de Lourdes Oliveira, do diretor-executivo, Juliano Lima, além de outros membros do Conselho, Moreira procurou apresentar um pouco do trabalho da Fundação.
“O que mais me impressionou na Fiocruz, incluindo sua maravilhosa história, foi o fato de ver que abrange da pesquisa básica à produção de vacinas. Não me lembro de ter visitado outra instituição que tenha esse fôlego de atividades e de impacto”, disse Kaelin, que visitou a Biblioteca de Obras Raras, onde pôde ver o livro “Formulações Médicas”, uma obra manuscrita de 1703 de um padre jesuíta, e um livro autografado por Einstein.
De estudante mediano a vencedor do Nobel
No auditório de Bio-Manguinhos, Krieger agradeceu à NPII e à AstraZeneca, destacando a importância da visita de Kaelin, não só do ponto de vista científico, mas também por sua jornada pessoal. O chefe científico de Mídia do Nobel, Adam Smith, explicou que há 30 anos a NPII tem levado laureados através do mundo para inspirar jovens talentos. Diretor executivo de Relações Corporativas, Regulatório e Diagnóstico Brasil da AstraZeneca, Jorge Mazzei agradeceu a parceria com a NPII e a Fiocruz, lembrando que a empresa já ajudou a trazer quatro laureados ao Brasil, “que se apresentaram para um público total de oito mil pessoas”. Também na mesa de abertura, o cônsul-geral britânico no Rio de Janeiro, Anjoum Noorani, disse ser inspirador não só encontrar o Nobel, mas se ver diante de tantos jovens estudantes e pesquisadores, ressaltando ainda o papel da Fiocruz na pandemia, ajudando a salvar vidas.
Kaelin pôde apresentar um pouco mais de sua trajetória e de seu trabalho. Da infância, destacou o interesse por brinquedos como um microscópio (mais tarde doado ao Museu Nobel, junto com seu estetoscópio e equipamento médico) e um kit de química, mas revelou ter sido um aluno mediano até se deparar com um computador – um dos primeiros a ser instalados em escolas americanas – em 1974, o que definiu como um dos momentos que mudaram sua vida.
“Nasci em 1957. Se houve uma época boa para formar cientistas nos Estados Unidos, foi essa”, disse, lembrando que satélites e naves começavam a ser lançados ao espaço e que o governo americano investia em ciência no meio da Guerra Fria. Anos depois, um panfleto que encontrou na escola chamou sua atenção: 32 estudantes de ensino médio em todo o país seriam escolhidos para estudar matemática e ciências da computação na Florida Atlantic University (FAU) por oito semanas. Kaelin foi um deles, e, de repente, a matemática ganhava vida, o ensino que muitas vezes parecia ser entediante se tornava estimulante, e o estudante descobria a importância de andar com pessoas mais talentosas. “Isso me fez, na volta, me interessar mais pelos estudos, me cercar de pessoas mais inteligentes, fazer o trabalho de casa, sair do fundo para a fila da frente na sala de aula. E minhas notas pularam para A e A+”, lembrou, contando que foi estudar em seguida Medicina na Duke University.
Mesmo assim, houve obstáculos, como desânimo diante de projetos que deram errado. Por isso, Kaelin destacou o papel de mentores que o estimularam a continuar, que o encorajaram a trabalhar em laboratório e mesmo a pesquisar câncer. “Se o trabalho no laboratório é penoso, pode ser que esse não seja o projeto certo para você”, sugeriu. Um desses mentores foi David Livingstone, que o convidou a trabalhar em seu laboratório, o que resultou em um pós-doutorado bem-sucedido, vários trabalhos e o aprofundamento na pesquisa de câncer nos rins e no papel do oxigênio nos tumores. “Você precisa amar o que faz todos os dias e, se você tiver sorte, talvez um dia ganhe um prêmio”, disse, muito aplaudido, na palestra seguida por uma sessão de perguntas e respostas.
Kaelin encerrou a visita à Fiocruz com um almoço com 18 pesquisadores da Fundação de diferentes áreas, além de Krieger e Lourdes, quando pôde responder a perguntas mais técnicas sobre sua pesquisa. “Tivemos uma discussão maravilhosa com o grupo de pesquisadores. Foi impressionante ver como as perguntas eram bem pensadas. Foi uma boa oportunidade também para apresentar meu trabalho a jovens pesquisadores, que são o futuro de todos nós”, concluiu.
Para a Fiocruz, o nome de Kaelin agora se soma ao de outros ganhadores do Nobel que visitaram a Fundação, como Albert Einstein, Nobel de Física de 1921, e Alexander Fleming, Nobel de Medicina de 1945, além de Aaron Ciechanover (Química, 2004), Martin Chalfie (Química, 2008), Françoise Barre-Sinoussi e Luc Montagnier (Medicina, 2008) e Bruce Beutler (Medicina, 2011).