Promover hábitos de alimentação saudável com compromisso ambiental é a proposta do projeto Terrapia, que existe há 18 anos no campus da Fiocruz em Manguinhos. Com o objetivo de expandir o conhecimento e a prática da culinária viva para as demais unidades Fiocruz, o projeto chega ao Campus Fiocruz Mata Atlântica para um ciclo de oficinas que atenderá também a comunidade local.
A alimentação viva é baseada na vitalidade dos alimentos. Aqueles que possuem maior energia vital são os mais utilizados. Neste critério estão os recém colhidos – de preferência orgânicos – que não são levados ao fogo, ou no máximo a 42 graus, e as sementes germinadas, base da alimentação viva. “Germinamos a semente para ela ‘voltar’ a ter vida, sair do estado de dormência para que tenha mais vitalidade. Ela é consumida junto aos vegetais e as frutas in natura, uma alimentação que resgata o contato com a natureza como ela é”, explica Cynthia Brant, coordenadora do Terrapia e educadora em alimentação viva.
No Campus Fiocruz Mata Atlântica, participam da atividade 30 pessoas, entre trabalhadores da Fiocruz e moradores do entorno. O primeiro contato com o tema foi em abril, em uma oficina de introdução à alimentação viva com o preparo de um suco de clorofila. O segundo encontro aconteceu em maio. No cardápio, um sanduíche-panqueca de couve que pode ser servido para almoço, ou lanche. A próxima oficina está marcada para o dia 14 junho, quando a turma aprenderá a preparar como tortas com ingredientes ‘vivos’ como sobremesa.
De acordo com Cynthia Brant, a reação do público ao primeiro contato com o alimento é de surpresa. “As pessoas se surpreendem com o sabor, a textura, a cor e apresentação dos alimentos”, destaca a coordenadora. Além de apresentar “novos” sabores, o Terrapia incentiva a prática da culinária nos lares, pois considera a praticidade do preparo, o uso de alimentos crus e de fácil acesso: “Aqui, nesta região do Campus Mata Atlântica, sabemos que há muitos agricultores que às vezes não aproveitam da melhor forma a sua colheita, pois durante o preparo cozinham demais, assam, fritam…. Utilizam formas de preparo que não são tão saudáveis”, completa Brant.
Todos os vegetais que podem ser comidos crus fazem parte da alimentação viva. Para higienizar tais alimentos, basta água, uma escova e limão. Não é necessário ferver ou utilizar produtos químicos. Também os temperos minimamente processados, que não passam por altas temperaturas – como o azeite de oliva extra virgem – integram a culinária viva. O óleo prensado da azeitona, que não é passado por cozimento, conserva sua energia vital e seus nutrientes. De igual forma, o missô – fermentado natural de soja ou de arroz -, shoyo, sal de boa procedência (marinho, ou grosso moído que não seja processado, refinado), todas as ervas verdes, as especiarias, canelas, cravos, anis e cardamomo são exemplos de sabores oriundos da natureza que podem ser aproveitados no preparo dos alimentos vivos. No site do Terrapia, é possível baixar gratuitamente o “livro vivo”, que contém receitas e uma parte teórica da culinária viva.
Soberania alimentar
Aldacir Amaro dos Santos é moradora da Colônia Juliano Moreira, localizada próximo ao Campus Fiocruz Mata Atlântica. Além de participar das oficinas do Terrapia, Aldacir integra outro importante projeto desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz Mata Atlântica (PDCFMA): Agricultura Urbana Agroecológica na Colônia Juliano Moreira.
Trata-se de um trabalho de promoção da saúde elaborado em parceria com os produtores agroecológicos locais. Atualmente, sete quintais produtivos participam da proposta de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, ação que integra o eixo “Educação não formal para a cidadania e tecnologias sociais para a melhoria das condições de vida da população local”, realizado pelo PDCFMA.
A partir da valorização das experiências espontâneas e do conhecimento dos moradores, a atuação da equipe multidisciplinar da Fiocruz acontece, primordialmente, na articulação estratégica entre os moradores/produtores e sua participação em redes e organizações que possibilitem a sustentabilidade de seus quintais.
Foi desta forma que Fátima Maria Leandro da Silva tornou-se a primeira produtora em quintal (horta urbana) no Brasil a ser certificada pelo Sistema Participativo de Garantia da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de janeiro (SPG- ABIO*). O reconhecimento assegura coletivamente a qualidade da produção e processamento de produtos oriundos da agricultura ecológica (produção orgânica, sem agrotóxicos e adubos químicos solúveis, entre outras práticas de uso consciente do solo), passando a comercializar em uma feira agroecológica da região de Jacarepaguá, Rio de Janeiro.
A certificação dos quintais produtivos de Fátima e Aldacir é resultado de uma parceria da Fiocruz, com AS-PTA e Rede Carioca de Agricultura Urbana. Dos sete quintais produtivos, três já possuem o certificado e um está em processo. Neste propósito de engajamento em políticas públicas, o PDCFMA conquistou assento no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Município do Rio de Janeiro (Consea-Rio).
Robson Patrocínio, coordenador do projeto, explica a importância da participação no órgão. “Nós estamos discutindo a adequação da chamada pública do município para que os agricultores, sejam de quintal ou não, possam vender para as escolas públicas municipais para alimentação dos alunos. Tudo isso para a gente, da Fiocruz, é pensar a promoção da saúde, pensar a soberania alimentar”, esclarece.
O projeto do PDCFMA se baseia nos conceitos e dados existentes no âmbito da Economia Solidária, articulando a noção de saúde como um direito inalienável aos princípios da autonomia, autogestão e solidariedade nas relações produtivas. Como metodologia de trabalho, são considerados o conhecimento e as práticas já existentes no território, somadas à aquisição de novos conteúdos em ricos processos de vivências cotidianas em grupo e os saberes acumulados por meio delas. Como resultado, as tecnologias sociais desenvolvidas – geração de trabalho e renda e articulação em rede; ambientes saudáveis; segurança alimentar e nutricional – oportunizam a maior autonomia dos produtores/indivíduos e o monitoramento participativo do projeto.
“Quando a ONU coloca a importância da agricultura urbana como a saída para as grandes metrópoles, é nesta perspectiva que a gente está. Pensar a agroecologia é uma questão importante para os quintais, mas é uma questão política também. Então a gente pensa para o território: promoção da saúde, agroecologia, Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, precisam estar conectados”, pondera Robson.
Coleta seletiva
Para estimular a educação, saúde ambiental e a economia doméstica, o Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz Mata Atlântica (PDCFMA) realiza há três anos um projeto de coleta de óleo de cozinha que beneficia moradores da Colônia Juliano Moreira.
O resíduo pode ser permutado por produtos de limpeza. Dois litros de óleo de fritura equivalem a um detergente ou sabão em barra. Com quatro litros, pode-se optar por um desinfetante ou multiuso e a partir de seis litros de óleo, sabão em pó ou em pasta. O projeto coleta de 80 a 220 litros por semana e a ação acontece em parceria com a Grande Rio Reciclagem Ambiental.
Durante a ação, a equipe Fiocruz oferece aos moradores uma oportunidade de ampliar o conhecimento a partir do incentivo à leitura. O ponto de leitura, como é conhecido, disponibiliza livros para doação e/ou empréstimos. O posto de troca é montado pela equipe do PDCFMA todas as quartas-feiras em uma área adjacente ao Hospital Municipal Jurandyr Manfredini, eventualmente utilizada como estacionamento.