Fiocruz debate lições e oportunidades para a saúde global

Se a pandemia de Covid-19 tem tido um efeito devastador no mundo inteiro, a recuperação proporciona uma oportunidade para que finalmente aconteçam mudanças que são necessárias faz tempo. Não basta pensar em voltar à normalidade como estava antes, pois isto não seria bom para ninguém, é preciso corrigir os rumos e direcionar a ciência, tecnologia e inovação no sentido de cumprir com objetivos sociais, ambientais e de saúde. Foi nessa linha de reflexão que convergiram as diversas apresentações no debate desta terça-feira (18/5), organizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelas Conferências Globais sobre Tecnologia e Inovação Sustentáveis (G-STIC), intitulado: Lições aprendidas pelo setor da saúde usando ciência, tecnologia e inovação para implementar a Agenda 2030 e os ODS relacionados à Saúde.

Participaram do evento: Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 (EFA 2030); Kris Ebi, da Universidade de Washington; Steven Hoffman, dos Institutos Canadenses de Pesquisa em Saúde/Instituto de População e Saude Pública (CIHR-IPPH, na sigla em inglês); Inês Hassan, do Conselho Internacional de Ciência (ISC); Shantanu Mukherjee, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UN DESA); Angel Gonzalez Sanz e Clovis Freire, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad); Flavia Elias, da Fiocruz; e Dietrich Vanderweken, das G-STIC.

O pontapé inicial do evento foi dado por Paulo Gadelha, quem explicou a ideia de trazer uma ampla gama de perspectivas sobre lições aprendidas, considerando que os efeitos da pandemia também prejudicaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Gadelha reconheceu a importância da saúde na construção de uma recuperação econômica e social, lembrando que a evolução da ciência e tecnologia está longe de ser igualitária entre os países.

Vontade política

Shantanu Mukherjee ressaltou a ameaça de pandemias mais frequentes em um mundo mais interconectado e destacou o efeito das mudanças climáticas na possibilidade de alterar a distribuição geográfica de doenças como a malária, dengue, entre outras. Mukherjee apontou cinco prioridades para a ciência, tecnologia e inovação: fortalecer os sistemas de saúde permitindo o acesso universal; aumentar a capacidade de distribuição; revisitar os sistemas de incentivos para direcioná-los à área da saúde; reforçar a cooperação internacional em pesquisa; e reconhecer a multidisciplinaridade e transversalidade da saúde na sociedade. Para Mukherjee, se todos estes aspectos dependem de uma vontade política, também exigem uma abordagem científica.

Na sua apresentação, Kris Ebi, pesquisadora da Universidade de Washington, afirmou que ciência, tecnologia e inovação são o coração do progresso humano e devem ser direcionadas para o bem estar e a sustentabilidade. “Precisamos de uma transição no desenvolvimento para melhorar a saúde e bem estar enquanto mantemos a resiliência da Terra”, disse. Ebi reconheceu que a crise atual tem mostrado iniquidades e necessidades dos sistemas de saúde, mas também ressaltou oportunidades e aprendizados como os relacionados à saúde eletrônica e à telemedicina. Para ela, com estas novas ferramentas, podemos tornar os sistemas de saúde mais eficientes e acessíveis. Por último, Ebi lembrou a importância de trabalhar na direção de uma economia circular e de cidades mais verdes e saudáveis.

“Covidização” das pesquisas

Na sua intervenção, Inês Hassan apresentou o trabalho realizado pelo Conselho Internacional de Ciência, o qual, desde uma abordagem multidisciplinar, busca estimular o desenvolvimento de uma ciência livre. Segundo Hassan, a ciência tem tido um papel crítico nesta pandemia e terá também um papel crucial na recuperação pós-pandemia.
Alguns dos desafios que tem enfrentado a área científica internacional tem sido a dificuldade financeira, o nacionalismo das vacinas e a “covidização” das pesquisas. Apesar disso, Hassan considera que as oportunidades são enormes, visualiza um crescimento da confiança na comunidade científica o que possibilita imaginar o futuro da ciência como um projeto aberto e público

Steven Hoffman apresentou ao grupo um mapa de pesquisa para a recuperação da Covid-19 o qual está baseado numa abordagem multidisciplinar dos problemas trazidos pela doença. “A pandemia é de um vírus, mas também de problemas socioeconômicos e de desigualdades. Por esse motivo devemos implementar uma resposta socioeconômica robusta”, afirmou. O mapa identifica as áreas prioritárias para a recuperação da covid-19 e abre espaço para mudanças que sabemos necessárias faz tempo. “Temos uma opção a fazer. Podemos optar por continuar como antes ou podemos procurar mudanças de transformação. Caso optemos pela segunda opção, precisaremos de pesquisa, ciência e inovação”. Hoffman afirmou que o mapa ainda ajuda a responder como podemos usar a crise da Covid-19 para estimular equidade, resiliência e sustentabilidade.

Na sua apresentação, Flávia Elias definiu como meta chegar a um ponto em que os sistemas de saúde direcionem e decidam sobre os investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Para isso é necessário trabalhar em processos inovativos que garantam a participação de diversos atores na procura por servir à comunidade. Elias destacou a solidariedade como princípio norteador de uma ciência que busca apoiar as problemáticas sociais. Uma das sugestões é incorporar e desenvolver o conceito de valor nas pesquisas científicas em saúde. Para além das questões clínicas de eficácia e eficiência, considerar e mensurar o valor social e ambiental das tecnologias e ainda incorporar outras visões dos agentes envolvidos. “Não basta ter inovação, precisamos ter processos de implementação equitativos”, declarou.

Para finalizar o grupo de painelistas, Clovis Freire destacou que o setor da saúde está muito mais ligado a outros setores da economia do que as pessoas costumam perceber. A inovação é um motor de desenvolvimento e se a saúde é nossa maior riqueza, a inovação em saúde deve ser trabalhada com atenção. Nesse sentido, apontou a necessidade de uma transição de várias áreas do desenvolvimento sustentável em direção a uma economia diversificada de maneira a aumentar a resiliência. Por último, Freire enfatizou a necessidade de garantir que a ciência e tecnologia na saúde não aumentem as desigualdades já existentes. “Acima de tudo, devemos mentalizar que vivemos num mundo pequeno, interconectado de maneira complexa, não é a última pandemia que a humanidade vai enfrentar. Temos que mudar para um novo caminho de transformação”, reforçou.