Fiocruz celebra cooperação e faz seminário sobre hanseníase

Com duas ações nesta semana, a Fiocruz se engajou ainda mais no combate à hanseníase, uma doença negligenciada que teve sua situação agravada durante a pandemia de Covid-19. Na quarta-feira (17/11), a Fundação assinou um Termo de Cooperação para a adesão à campanha global Não Esqueça da Hanseníase, com o governo do estado e outros parceiros, além de iluminar à noite o castelo com a cor roxa como uma das ações de conscientização. Nesta quinta-feira (18/11), a Fiocruz aprofundou o debate durante o 1º Simpósio de Doenças Negligenciadas Fiocruz-Novartis: foco em doença de Chagas e Hanseníase.

Os dados mais recentes deixam clara a urgência do tema: o diagnóstico de novos casos no país caiu pela metade de 2019 para 2020, de acordo com o Ministério da Saúde. Um fato que o Movimento pela Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), uma das organizações signatárias do Termo de Cooperação, definiu como “subdiagnóstico, ainda mais grave do que a subnotificação”.

Fundação assinou um Termo de Cooperação para a adesão à campanha global ‘Não Esqueça da Hanseníase’, com o governo do estado e outros parceiros (foto: Peter Ilicciev)

Populações negligenciadas 

A campanha Não Esqueça da Hanseníase foi lançada pelo embaixador da boa vontade da Organização Mundial da Saúde (OMS), Yohei Sasakawa. No Rio, ela ganhou os apoios da Secretaria de Estado de Saúde, do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Estado (Cosems-RJ), do Instituto Carlos Chagas, da Rede Universitária de Combate à Hanseníase (ReúnaHans/RJ), da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), além do Morhan e da Fiocruz. Os signatários se comprometeram a promover a conscientização e a combater a discriminação sofrida pelas pessoas afetadas pela doença, entre outras ações.

A hanseníase é uma doença infecciosa de caráter crônico, que afeta principalmente os nervos periféricos, olhos e pele, atingindo principalmente populações de regiões mais carentes. No entanto, a doença tem tratamento e cura. O Brasil é o segundo país com maior número de casos, atrás apenas da Índia, segundo a OMS. Em 2019, 27.864 novos casos foram notificados em território brasileiro.

“Nossa instituição tem um laboratório de pesquisa dedicado à hanseníase e que, neste momento, está trabalhando de forma intensa com a questão do diagnóstico mais apurado e também com o desenvolvimento de uma vacina”, contou Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, referindo-se ao Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). “Como dizemos aqui na Fiocruz, mais do que doenças negligenciadas são populações negligenciadas”, acrescentou.

Não esqueça da hanseníase

Aumento de casos com sequelas 

Coordenador nacional do Morhan e conselheiro nacional de Saúde, Artur Custódio ressaltou o “esquecimento” de várias doenças durante a pandemia. “Na hanseníase houve uma queda de quase 55% nos diagnósticos. E já começamos a ver os efeitos em 2021, pois começam a chegar os casos com sequelas. No Rio de Janeiro, são quase 20% de novos casos com sequelas”, afirmou.

Ao lado do lema da campanha, aparecem duas engrenagens que representam as rodas de uma bicicleta: a primeira simboliza as ações biomédicas, como pesquisa e tratamento. E a segunda, as ações sociais, como o enfrentamento ao estigma. “Uma roda não pode andar sem a outra, e a seta indica o movimento para a frente”, explicou Custódio. “Não é uma ação só da saúde. Ela requer a integração com outros setores da sociedade”.

O subsecretário de Estado de Vigilância e Atenção Primária à Saúde (Subvaps), Mario Sérgio Ribeiro, destacou que “é incrível que, no caso de uma doença com diagnóstico e tratamento acessíveis, ainda seja preciso fazer uma campanha para que ela não seja esquecida”. “Essa assinatura não é um ato proforma. Vamos dar continuidade ao nosso trabalho com a hanseníase e a população do estado do Rio de Janeiro”, disse Ribeiro.

A presidente da Fiocruz destacou a parceria com o Governo do Rio, que já ocorre em ações de atenção básica e especializada, e que pode avançar ainda mais no campo da hanseníase. “Esses avanços têm que ser com a continuidade dos tratamentos e diagnósticos mais precoces”, disse Nísia, lembrando que o trabalho do Laboratório de Hanseníase está associado ao da Fiocruz Paraná e ao Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP).

Primeira vice-presidente do Cosems-RJ, Maria Augusta Monteiro, lembrou que um dos impactos da pandemia foi interromper o treinamento regional feito nas equipes de atenção básica, que ocorreu em 2019, mas que não pôde se repetir no ano passado. Já Sandra Maria Barbosa Durães, coordenadora do Departamento de Hanseníase da SBD, destacou o treinamento de profissionais para diagnóstico e tratamento, enquanto Ricardo Cavalcanti Ribeiro, presidente do Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas, destacou não só a atuação do ICC na educação, mas também na criação de áreas dedicadas à doença e mesmo na cirurgia plástica em casos mais avançados.


Os signatários se comprometeram a promover a conscientização e a combater a discriminação sofrida pelas pessoas afetadas pela doença, entre outras ações (foto: Peter Ilicciev)

Participaram ainda da cerimônia o coordenador do Morhan Estadual do RJ, Rafael Feitosa; a vice coordenadora da ReúnaHans/RJ, Daisy Almeida Bastos; a pesquisadora Roberta Olmo, representando o Laboratório de Hanseníase do IOC/Fiocruz; e a Miss Brasil Mundo CNB 2021, Caroline Teixeira, que é embaixadora da causa pela eliminação da hanseníase, e assinou o documento como testemunha.

Novas plataformas para antigas doenças 

O trabalho para a eliminação da hanseníase e outras enfermidades velhas conhecidas do mundo pode se beneficiar do uso de novas plataformas. Esse foi um dos pontos levantados no 1º Simpósio de Doenças Negligenciadas Fiocruz-Novartis: foco em doença de Chagas e Hanseníase. Aberto ao público, o webinário discutiu temas como a importância de políticas públicas para doenças negligenciadas e a abordagem integral no cuidado com pacientes, além de contar com duas mesas específicas sobre doença de Chagas e hanseníase.

Na abertura, Marco Aurelio Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, destacou o trabalho com a Novartis, que começou antes mesmo da pandemia, e as possibilidades que isso traz. “Essa parceria visa estabelecer um campo de desenvolvimento e cooperação para que possamos trabalhar nas novas plataformas tecnológicas da saúde, como no caso da pandemia, mas utilizá-las também para os tradicionais problemas que ainda persistem em boa parte do mundo, como as doenças negligenciadas.”

Krieger lembrou que a Fiocruz vem trabalhando com essas doenças desde a sua criação, há 121 anos, e citou como exemplo a descrição da doença de Chagas e de seu vetor. Mas ressaltou também que a Fundação vem testando novas soluções e ferramentas de diagnóstico. No campo da hanseníase, ele destacou a atuação com a Novartis para a busca de melhor diagnóstico e controle da doença, assim como na difusão do conhecimento.

A parceria para a realização do webinário é resultado de um Memorando de Entendimento assinado entre a Fiocruz e a Novartis, com o objetivo de firmar uma cooperação internacional para o desenvolvimento de atividades nas áreas de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, comunicação, informação, gestão e políticas no campo da saúde, com foco em doenças negligenciadas.

Renato Carvalho, CEO da Novartis Brasil, disse que esperar que este seminário seja apenas o primeiro de uma jornada que traga retornos e ajude a saúde no Brasil. A empresa está há 85 anos no país, onde tem mais de 60 pesquisas em andamento. “É muito importante gerar ciência e incentivar novos cientistas”, disse ao citar um programa da empresa de auxílio a estudantes.

Rômulo Paes, pesquisador do Instituto de Pesquisa René Rachou (Fiocruz Minas) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), trouxe o debate da saúde e do pós-pandemia para o campo da Agenda 2030 – o plano de ação global que reúne 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, criados para erradicar a pobreza e promover melhores condições de vida. “Essa pandemia de Covid-19 é melhor explicada pelas nossas condições de vida do que pelo agente etiológico”, disse. Ele destacou que as intervenções devem ser baseadas no conhecimento científico, garantir maior equidade, como no acesso às vacinas, e “não deixar ninguém para trás”. “Neste momento de crise, a Agenda apresenta alternativas. Cabe a nós enfrentar a doença não só como país, mas como planeta”.