Expedição refaz os passos de Carlos Chagas no interior de Minas Gerais

O centenário da descoberta da doença de Chagas serviu de mote para que um grupo de pesquisadores da Fiocruz participasse de uma expedição histórico-científica à cidade de Lassance (MG), onde, em 1909, Carlos Chagas identificou a enfermidade até então desconhecida pela medicina. Os passos de Chagas (1878-1934) em Minas Gerais foram refeitos por 30 pesquisadores – a maioria deles esteve na região, no norte do estado, pela primeira vez. A expedição foi uma oportunidade para que os cientistas, ao retornarem às suas rotinas, fizessem uma reflexão sobre a realidade atual de Lassance. O momento foi também de celebração, já que a Prefeitura de Lassance preparou uma série de atividades comemorativas em alusão a Chagas, ao centenário da descrição da doença e à visita dos pesquisadores. A cidade, que fica a cerca de 270 quilômetros da capital mineira, entrou para a história da ciência a partir do feito de Carlos Chagas.

As organizadoras do projeto da visita foram a parasitologista Liléia Diotaiuti, do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR/Fiocruz Minas), e Lisabel Klein, integrante da Comissão de Organização das Comemorações do Centenário da Descoberta da Doença de Chagas. Liléia trabalha com doença de Chagas há 30 anos. De volta a Lassance após dez anos da primeira visita, a pesquisadora garante que “quem vai a Lassance fica emocionado”. “Lá, somos remetidos ao passado e vemos como a região continua a oferecer poucas perspectivas aos seus habitantes, necessitando de esforços e investimentos para que seu futuro possa ser diferente”, explica Liléia, que é chefe do Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da Doença de Chagas e coordena o laboratório de referência homônimo.

Lassance ainda preserva prédios da época em que Chagas esteve na região para estudar os mosquitos que transmitem a malária e descreveu a doença que recebeu seu nome. Em uma dessas edificações está o Memorial Chagas, que funcionou na época como laboratório e foi totalmente reformado em 2002. O Memorial recorda um pouco da trajetória do cientista no local, por meio de uma exposição permanente.

No entanto, alguns prédios históricos do município, como a estação ferroviária, precisam de reparos. “Há um projeto, aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), para recuperar esses bens, mas faltam recursos para tocar a empreitada. Temos que ajudar a convencer quem possa ajudar”, afirma Liléia, destacando que a Fiocruz e os pesquisadores da área de medicina tropical se fortaleceram bastante a partir da descoberta de Lassance, obtendo projeção internacional para seus trabalhos.

A pesquisadora acredita que a disposição da prefeitura de investir no turismo histórico pode trazer novas perspectivas para a população de Lassance, estimada em cerca de 6,5 mil habitantes. “Infelizmente, as plantações de eucalipto estão destruindo as matas de galeria e provocando modificações danosas ao ambiente, além da exploração do carvão, que abastece as indústrias da região e é igualmente prejudicial”, avalia Liléia. Segundo ela, estes são novos agravos em um município que já sofreu, ao longo das décadas, o estigma de ser conhecido como “a cidade da doença de Chagas”.

O prefeito do município, o médico Idson Fernandes Brito, se aborrece sempre que está fora da cidade e ouve a mesma pergunta: “tem Chagas em Lassance?”. Afinal, é difícil levar investimentos para a cidade porque empresários se negam a montar seus negócios “na cidade da doença de Chagas”. “Meu sonho é que um dia consigamos descobrir a cura aqui em Lassance”, diz Brito, lembrando que foi na mesma região, também visitada por Guimarães Rosa, que nasceu o personagem Diadorim de Grande sertão: veredas. O prefeito, junto com o Governo de Minas e a Fiocruz, está empenhado na instalação de um centro de referência clínica da doença de Chagas na cidade.

Apesar dos avanços no combate e controle do barbeiro, vetor da doença, o inseto ainda é encontrado com facilidade no município, sobretudo nas 29 comunidades rurais – Lassance é o quinto maior município de Minas em área territorial. A secretária de Saúde de Lassance, Solange Fernandes Costa dos Santos, afirma que, há 15 anos, não são registrados casos novos da enfermidade na cidade. “Contudo, estamos vigilantes e não pensamos apenas em comemorações. Concluímos agora a carta triatomínica de Lassance. O trabalho mapeou todo o município para saber que espécies de barbeiros existem aqui e onde vivem. E encontramos barbeiros em algumas casas. Mais precisamente, oito barbeiros positivos para Trypanosoma cruzi em seis casas”, conta Solange. Com esse resultado, a secretária, que coordena 156 funcionários, cinco postos de saúde, uma unidade básica e um centro de saúde, vai propor um trabalho de educação em saúde com a população, além de manter uma vigilância acurada para que não surjam novos enfermos no município e ainda estabelecer outras ações de controle.

As ações educativas para fazer frente à doença de Chagas em Lassance já começaram. No mesmo dia da chegada da expedição ao município (6/10), foram divulgados os vencedores de um concurso de redação, feito em 15 colégios municipais e estaduais, cujo tema foi a doença de Chagas. As redações premiadas serão editadas em uma cartilha e usadas como material educativo. “O concurso teve como objetivo mobilizar os jovens e torná-los divulgadores de todos os aspectos da doença, em especial para os seus familiares. Mas também serviu para desmistificar Lassance como a ‘cidade da doença’”, observa a pedagoga Ana Lúcia de Oliveira, da Secretaria Municipal de Educação.

No dia seguinte (7/10), os expedicionários fizeram um passeio de barco pelo Rio São Francisco. O passeio foi feito em Pirapora – município que fica a pouco mais de uma hora de Lassance e a partir do qual o rio passa a ser navegável. Chagas esteve em Pirapora em 1907, por determinação de Oswaldo Cruz, com o objetivo de combater uma epidemia de malária que paralisava as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil, na região do Rio das Velhas, maior afluente em extensão da bacia do São Francisco. Segundo Liléia, aquelas são águas “que banharam a epidemiologia brasileira”, já que as maiores taxas de prevalência da doença de Chagas foram registradas ali, onde muitos estudos também foram desenvolvidos. A pesquisadora levou na expedição um grupo de estudantes de pós-graduação e iniciação científica. “De volta a Belo Horizonte, meus alunos e eu discutimos tudo o que vimos. Todos tivemos uma aula diferente e muito especial”, comenta.

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