A pesquisa sobre diagnóstico de dengue desenvolvida pela Fiocruz Pernambuco, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Paulista, obteve resultados preliminares que surpreenderam os investigadores. Entre os voluntários estudados, ao contrário da expectativa inicial, nenhum caso de dengue foi comprovado – apenas de chikungunya (50%), zika (13%) e indeterminados (37%). Um resultado importante, pois fez um registro do período final da epidemia de zika, a partir de maio de 2015 e do posterior crescimento dos casos de chikungunya, até maio de 2016.
“Esses dados serão muito úteis para aumentar o conhecimento sobre as características laboratoriais e clínicas desses pacientes e para o diagnóstico diferencial da dengue”, explica a colaboradora da Fiocruz PE Tereza Magalhães, que integrou a equipe do projeto, coordenado pelo pesquisador Ernesto Marques (Fiocruz PE/Universidade de Pittsburgh). Outro aspecto de destaque é a oportunidade de disponibilizar informações mais específicas sobre chikungunya, uma doença que circula no estado há mais tempo que a zika, mas sobre a qual ainda não se reuniu muito conhecimento, especialmente de caráter epidemiológico. Nesse estudo, a equipe conseguiu dados sobre os sintomas crônicos, que perduram por longo tempo e causam muito sofrimento aos pacientes.
A pesquisa, que também recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe) pelo edital do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS), faz parte de um projeto multicêntrico do International Research Consortium on Dengue Risk Assessment, Management and Surveillance (Idams), um consórcio internacional de pesquisa em dengue da Comissão Europeia. A iniciativa chegou agora à etapa de análise dos dados, na qual estão sendo consolidadas as informações de um total aproximado de 7.500 pacientes, recrutados em oito países, da América Latina e da Ásia. No Brasil, além da Região Metropolitana do Recife, outras duas capitais participaram do estudo, com outros grupos de pesquisa: Rio de Janeiro e Fortaleza.
Estudo dengue
Em Pernambuco, os trabalhos de campo foram realizados entre maio de 2015 e maio de 2016, na UPA de Paulista, em parceria com o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip). Foram recrutados 263 pacientes, escolhidos por terem sintomas sugestivos de dengue, com tempo máximo de 72h desde o início da febre, entre outros critérios. Em relação a esses critérios de inclusão, Tereza considera que a pesquisa foi muito bem-sucedida: 63% dos participantes tiveram arboviroses (zika ou chikungunha) confirmadas.
Chamou a atenção dos pesquisadores o excesso de reação cruzada entre dengue e zika no teste sorológico adotado. Os casos de zika davam falso positivo para dengue. “Numa área como a região metropolitana do Recife, onde esses vírus estão co-circulando, é muito importante avaliar o desempenho dos testes sorológicos usados nos laboratórios, inclusive de referência, porque você tem um número significativo de falsos positivos”, explica a pesquisadora. “Todas as amostras que foram testadas para a sorologia de dengue nós testamos também para zika e chikungunya (com um exame não comercial), com resultados bem mais confiáveis”.
Com relação ao gênero, o número de mulheres e homens recrutados foi praticamente igual. No entanto, os casos de zika foram observados mais em mulheres (70%) do que em homens (30%), enquanto para chikungunya o padrão foi oposto, muito mais homens que mulheres. “Vários estudos reportam um viés assim, com uma proporção maior de mulheres com zika do que homens e uma hipótese é que isso pode estar relacionado com a transmissão sexual do vírus”, declara a pesquisadora. Isso porque as mulheres são mais suscetíveis a essa forma de transmissão de patógenos do que os homens. “Pelo que sabemos, trata-se do primeiro estudo que identifica esse padrão oposto entre os pacientes com zika e os com chikungunya”, comenta.
Transmissão sexual
Esse estudo inicial servirá de base para uma nova abordagem, que tentará comprovar casos de transmissão de zika por via sexual, num projeto que envolve duas partes. A primeira utilizando modelos animais de transmissão sexual, que será feita exclusivamente nos EUA e a segunda, sobre a parte clínica, que será feita em sua maior parte no Brasil. Os trabalhos da pesquisa Tropismo urogenital, patogenia e transmissão sexual do vírus zikasão feitos em colaboração entre a Universidade Estadual do Colorado (CSU) e a Fiocruz PE, com financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH).
A pesquisa já foi iniciada, a partir de uma visão retrospectiva, utilizando como ferramentas a sorologia e a aplicação de um questionário. Todos os participantes do estudo Idams sobre dengue estão sendo convidados a colaborar. Serão pesquisados os parceiros sexuais e moradores da mesma residência para tentar identificar se houve transmissão do vírus e se foi por vetor ou por via sexual. A hipótese dessa investigação é que os parceiros sexuais das pessoas que tiveram zika tenham uma probabilidade maior de terem sido infectados do que os parceiros sexuais dos que tiveram chikungunya (e outras doenças) e do que os outros moradores da residência. A expectativa é de que os resultados sejam apresentados ainda este ano.
A coordenação é composta pelos pesquisadores da Fiocruz PE Ernesto Marques e Clarice Lins, do Depto de Virologia, além de Ana Brito, do Depto de Saúde Coletiva e pela colaboradora Tereza Magalhães (atualmente pesquisadora da Colorado State University – CSU). O coordenador da pesquisa nos EUA é o professor titular da CSU Brian Foy, que foi pioneiro em verificar a possibilidade de transmissão sexual do vírus zika. Seu estudo inicial sobre o tema foi baseado numa experiência própria, pois em 2008 o cientista foi infectado no Senegal e acabou contaminando a esposa ao retornar para o Colorado – um local sem incidência do vetor, o Aedes aegypti.