A dengue acomete milhares de pessoas todos os anos. Apenas em 2012, foram cerca de 600 mil casos da doença no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. Apesar deste importante impacto epidemiológico, não existe um medicamento para tratamento específico para a dengue: estão disponíveis apenas ferramentas para tratamento dos sintomas, como a febre e a desidratação. Somando-se às diversas pesquisas em andamento no mundo na busca de um medicamento antiviral para a dengue, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) vem investigando o potencial terapêutico da Uncaria tomentosa, uma planta medicinal da Amazônia conhecida popularmente como unha-de-gato.
Os resultados mais recentes destes estudos, conduzidos pelo Laboratório de Imunologia Viral do IOC, foram apresentados na tese do biólogo Raimundo Sousa Lima Júnior, defendida no Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Biologia Parasitária do Instituto. Os dados obtidos por estudos in vitro corroboram resultados anteriores de pesquisadores do Laboratório de Imunologia Viral sobre o potencial da Uncaria tomentosa contra a dengue, que desde 2008 têm demonstrado sua ação na redução da carga viral e na melhoria da resposta imunológica. A principal novidade nos estudos realizados por Raimundo sob orientação da pesquisadora Claire Kubelka, chefe do Laboratório e líder das pesquisas sobre o tema, está no nível celular: foi observado que a Uncaria tomentosa atenua a permeabilidade de células infectadas com o vírus dengue, o que pode ser um efeito fundamental para evitar o agravamento da doença.
Foco no agravamento
Raimundo explica que, nos casos graves de dengue, ocorre o chamado extravasamento plasmático, ocasionado pela perda da função de barreira do endotélio. O quadro pode ocasionar a queda de pressão arterial e, consequentemente, o choque hipovolêmico, que pode ser seguido de morte. “Imagine um vaso sanguíneo mais permeável, como se estivesse mais poroso. O sangue extravasará desse tecido”, compara ele.
Nos experimentos, foram cultivadas células endoteliais, que recobrem o interior dos vasos sanguíneos, infectadas com o vírus dengue tipo 2. “Em nossos experimentos in vitro o composto foi capaz de reduzir a permeabilidade paracelular nas células endoteliais infectadas, fato que pode ser comparado com a diminuição do processo de extravasamento de líquidos que é verificado em pacientes. Isso nos leva a acreditar que a Uncaria tomentosa seja uma alternativa terapêutica para reduzir as chances de choque hipovolêmico, que está associado aos quadros mais graves da doença. No entanto, ainda serão necessários muitos estudos para que essa ação terapêutica seja confirmada”, detalha Raimundo.
Metodologia inovadora para reafirmar resultados
A característica antiviral do composto foi confirmada nos estudos recentes a partir do uso de uma nova metodologia. Foram utilizadas células do fígado e do endotélio, que sofrem importante comprometimento durante a infecção pelo vírus dengue. “Confirmamos o efeito antiviral por uma metodologia diferente da descrita anteriormente, nas publicações em 2008. Além disso, usamos hepatócitos e células endoteliais porque são as células que mais sofrem danos durante a infecção pelo vírus dengue”, explica Raimundo.
O efeito de redução da carga viral pela Uncaria tomentosa foi determinado pela dosagem da proteína NS1. Este indicador foi escolhido porque a produção da proteína é secretada quando o vírus dengue se replica no interior da célula, acumulando-se fora da célula. “Com a dosagem de NS1, conseguimos verificar que a produção da proteína diminuiu quando comparado aos padrões de controle. Se a produção da NS1 cai, é sinal de que a carga viral diminuiu”, afirma o recém-doutor, que atua como professor na Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Inflamação e resposta imunológica
Os cientistas envolvidos no estudo destacam que os efeitos da Uncaria tomentosa sobre a inflamação e a resposta imunológica precisam ser entendidos de forma integrada: os resultados dos estudos indicam que o efeito imunomodulador do composto foi acompanhado pela inibição de um dos fatores inflamatórios que contribuem para os casos graves da doença. A expectativa era conseguir diminuir a produção das citocinas TNF-α e IL-8, que são proteínas relacionadas à resposta imunológica. A redução dessas citocinas, que provocam inflamação, podem diminuir também os processos patológicos surgidos durante a doença.
“Quando a célula está infectada, um dos efeitos é a maior produção de citocinas. A produção destas citocinas leva o sistema imune a responder de forma exagerada, dando origem a reações de alergia, dores nas articulações, manchas vermelhas no corpo e outros sintomas da doença. O composto testado também foi capaz de reduzir a produção das citocinas IL-8 e TNF-α, relacionadas ao agravamento da doença”, finaliza Raimundo.
Próximos passos
Claire ressalta que o estudo está inserido numa abordagem científica em busca de novas drogas que inibam a replicação de vírus no ambiente interno das células. “Geralmente, para as infecções virais vêm sendo desenvolvidas muitas drogas e os cientistas têm investido bastante na inibição da replicação do vírus dentro das células. No caso, da dengue, como um dos sintomas da doença é justamente a exacerbação da resposta inflamatória, procuramos estudar dois aspectos: a inibição da carga viral e também a resposta imune da doença”, afirma a pesquisadora.
Ela esclarece que, após os estudos in vitro, os próximos passos incluem a realização de testes em animais e, uma vez obtidos resultados positivos, ensaios clínicos. “Embora o nosso estudo se encontre na fase inicial, ele é importante na medida em que aperfeiçoa o estudo do mecanismo de ação da Uncaria tomentosa. No futuro, podemos ter um potencial medicamento para a doença”, destaca, acrescentando que a planta já é conhecida por suas propriedades anti-inflamatórias, antivirais, imunomoduladoras e antioxidantes.