Estudo de proteína reforça combate ao Trypanosoma cruzi

Um trabalho realizado por pesquisadores do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), chefiado pelo professor Ariel Mariano Silber, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, visa ao desenvolvimento de um composto para o combate ao Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas. A partir da caracterização do funcionamento da proteína delta1-pyrroline-5-carboxylate dehydrogenase (TcP5CDH), proteína que degrada a prolina (aminoácido essencial para a sobrevivência do parasita), os cientistas pretendem criar inibidores capazes de bloquear a reação e combater a proliferação do Trypanosoma. A doença que é transmitida pelas fezes do inseto barbeiro, que entram em contato com o sangue humano quando a pessoa coça a área da pele picada.

Para completar seu ciclo biológico, o Trypanosoma cruzi sai do barbeiro e passa por diversos outros ambientes químicos, até se hospedar no corpo humano. Alguns desses locais possuem açúcares livres como fonte de energia, enquanto outros não. Através disso, descobriu-se que o parasita pode viver sem o açúcar, obtendo energia por intermédio do metabolismo dos aminoácidos de proteínas (macromoléculas), um dos principais aminoácidos é a prolina. Além de serem fontes de energia, tais aminoácidos atuam como importantes sinalizadores para o Trypanosoma, pois permitem que o parasita saiba onde está hospedado, uma vez que cada ambiente possui características diferentes (temperatura, pH, composição química, entre outros), levando a diferenciação do parasita em suas várias formas de desenvolvimento, adaptadas a cada ambiente.

De acordo com o professor Otavio Henrique Thiemann, do IFSC, um dos principais objetivos deste estudo é caracterizar as enzimas do parasita, que ajudam o Trypanosoma a obter energia dos aminoácidos, principalmente, da prolina. Ao longo dos anos, foram caracterizadas as vias de degradação de aminoácidos, um esforço realizado pelo grupo do professor Silber. Com isso, os pesquisadores têm trabalhado na cristalização de diversas proteínas da via de degradação da prolina, em especial, uma chamada delta1-pyrroline-5-carboxylate dehydrogenase, ou TcP5CDH, com a finalidade de conhecer melhor a estrutura atômica dessa proteína, essencial ao parasita.

Inibidores
O docente do Instituto explica que a TcP5CDH já foi caracterizada e que o próximo passo está sendo sua cristalização e estudo estrutural. Após concluir essa fase da pesquisa, onde os especialistas terão maior conhecimento sobre o funcionamento da citada proteína (TcP5CDH), a meta seguinte será desenvolver inibidores capazes de bloquear a reação catalítica da proteína, ou em outras palavras, bloquear a degradação da prolina pelo parasita. “O grupo do professor Silber já selecionou alguns inibidores que estão sendo testados. Uma vez cristalizada, poderemos analisar se há a possibilidade de acoplar os inibidores à TcP5CDH”, diz ele.

Além dessa, existem outros aminoácidos em nossas células que ajudam a sustentar o parasita, porém, pelo fato da prolina ser sua principal fonte de energia, ao interromper essa via metabólica, o Trypanosoma ficará tão enfraquecido, que o próprio sistema imunológico do corpo humano poderá combatê-lo. “Hoje, o foco de diversas pesquisas é encontrar o alvo correto. Neste caso, a TcP5CDH é um alvo validado por metodologias genéticas e foi verificado que, sem ela, o parasita fica impossibilitado de concluir seu ciclo de desenvolvimento”, ressalta Thiemann.

Caso a cristalização da proteína ocorra com sucesso, os pesquisadores poderão avançar para outra etapa, cujo conceito é encaixar na TcP5CDH os compostos já identificados, através de simulações computacionais e experimentos de co-cristalização. “Com um programa computacional tentaremos encaixá-las na proteína e, posteriormente, realizar os experimentos reais na TcP5CDH e, assim, melhorar cada vez mais a capacidade de inibição dos compostos”, explica Thiemann, lembrando que este trabalho deverá ser feito juntamente com células humanas, afim de analisar se, ao combater o Trypanosoma cruzi, os inibidores apresentarão os temidos efeitos colaterais.

Quando os especialistas concluírem todas as longas fases previstas dessa pesquisa — e espera-se que seja mais ou menos breve —, este estudo poderá resultar, futuramente, no desenvolvimento de fármacos voltados ao combate da doença. Otavio Thiemann reconhece que tal feito poderá levar anos, talvez décadas, mas não descarta a possibilidade da comercialização desses fármacos se tornar realidade. “Isto ainda é algo discutível, mas é uma possibilidade desejável”, conclui.
O artigo científico referente à pesquisa foi destacado pela revista norte-americana Journal of Biological Chemistry (2015). O texto pode ser consultado neste link.